quarta-feira, agosto 21, 2019

VARGAS LLOSA, MAURO LEONEL, ISABEL MARQUES, BELTANE & ABRAÇADOS NO FOGO


ABRAÇADOS NO FOGO – Uma vareta de madeira dura, a sua fricção numa covinha feita num ramo seco de palmeira, a faísca, eis o Sol refulgente no horizonte à palma da mão. Um graveto, a brasa, um tição, e se alastra da chama para as labaredas: não há vida sem fogo, vive no ar. Um elemento cosmogônico, símbolo sagrado nos rituais dos meus ancestrais. Dizem: de Akasha se originou e é usado desde então: a luz, o verão, o calor e a expansão, doa vida e preserva; desagrega, decompõe, dissipa e fermenta, a combustão: queima ao ser aquecido ao ponto de ignição. Com ele as fogueiras aqueciam no frio, afugentavam animais selvagens; iluminavam os caminhos e a locomoção nas cavernas; cozinha alimentos, produz cerâmicas, molda metais, vapor, borracha, tijolos. Dele, outros ditados: Fênix para o Sul, o Dragão, a Quimera; da salamandra que dele se alimenta: a justiça e paz, renovação, superação, proteção e amor à natureza. Tatwa Tejas, o triângulo vermelho dos hindus, Deus-Pai dos Wicca. Daí em diante, da iniciação à iluminação: hora de comungar de si ao Um, tudo e todos. De todos os benefícios, trapaceiros prosperam, ignorantes sucumbem. E ao usá-lo para limpar a terra, as abomináveis queimadas e o desmatamento afetando habitats de plantas e animais, a extinção – o culto da morte. O que chamam de fim apocalíptico, o crime insano de atear fogo em vegetações nativas contra a humanidade. De cada um a soberba ou humildade, abraçados àquele casal tragicamente carbonizado estamos nós. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
A introdução do uso indiscriminado da queimada, como técnica de preparo dos terrenos para a agricultura, é atribuída equivocadamente aos povos tribais de floresta. Tanto entre cientistas, quanto entre leigos, a crença de ser o uso descontrolado do fogo um legado indígena é tida como verdadeira. Monteiro Lobato foi mais longe, atribuindo a destruição de recursos naturais pelo fogo ao desprezado caipira, que teria recebido tal legado do seu ancestral índio. Estas interpretações não levam em conta a degradação humana, a perda da solidariedade e da mútua ajuda que decorrem, por sua vez, da perda do domínio do pequeno produtor familiar e do grupo tribal sobre a terra motivada pela concentração fundiária, que passou, com a agricultura colonial de exportação, ao controle dos grandes latifúndios, destruindo as culturas de subsistência e a troca de excedentes, em favor da monocultura. [...] a diferença entre o uso que os índios e as culturas de exportação fazem da queimada não é apenas identificável na escala da área desmatada, mas na sua integração e adequação com o meio: a indígena, permitindo a recuperação da floresta, promovendo a diversidade e o adensamento; a não-indígena, queimando e desmatando de forma irreversível. As primeiras levas de seringueiros que entraram na Amazônia, por terem sido conduzidas pela mão do índio foram menos predatórias. Os colonos e pecuaristas do último surto de ocupação contaram com US$ 1 bilhão em incentivos para queimar, e os lotes de colonos que apenas seriam reconhecidos se fossem queimados, eram considerados pelo Incra como produção, ao contrário do saber indígena. Os últimos 30 anos, com o avanço descontrolado da fronteira, é que vieram dar o sinal de alerta até o ponto atual em que o Brasil se encontra por causa do desmatamento por queimada: entre os dez países mais poluidores do mundo em emissões de gás carbônico, podendo, segundo cenários apresentados por estudos do Inpe na última reunião da SBPE, comprometer a temperatura da região e do planeta. Além disso, corre o risco de savanização de amplas faixas da atual cobertura florestal, repetindo o passado de destruição da Mata Atlântica. Das 280 milhões de toneladas de carbono emitidas pelo Brasil, grande parte seriam devidas ao desmatamento por queimadas. O modo adequado de uso dos recursos naturais pelos índios na floresta tropical deveria, assim - ao contrário da crença arrogante e preconceituosa -, orientar a correção dos antigos e dos novos assentamentos, adicionado às contemporâneas pesquisas agroflorestais e de mercado, privilegiando a agricultura familiar sustentável, compatibilizando o ecossistema com as necessidades sociais de milhões de brasileiros.
Trechos extraídos do estudo O uso do fogo: o manejo indígena e a piromania da monocultura (Estudos Avançados, 2000), do professor e pesquisador da USP e da Unesp, Mauro Leonel.

O FOGO
Imagem: Fire, art by Kostas Korovilas.
ORIGEM DO FOGO: Outrora os índios viram o macaco acendendo o fogo e aprenderam a acendê-lo do mesmo modo.
[...] Ficando só, o macaco atritou com as mãos um galho com outro e obteve chama e luz. Acendeu lenha, assou o peixe e depois saboreou. [...].
Trechos extraídos da obra Os Bororos orientais(EN, 1942), de Antonio Colbacchini e César Albisetti.
O ROUBO DO FOGO: Em priscas eras o urubu-rei foi dono do fogo. Por isso, os Tembé secavam a carne expondo-a ao calor do sol. Então resolveram roubar o fogo do urubu-rei. Começaram por matar uma anta. Deixaram-na estendida no chão e, depois de três dias, o bicho estava podre, bulindo de vermes. Vendo a carniça lá embaixo, o urubu-rei desceu acompanhado de seus parentes. Para melhor se banquetearem despiram a vestimenta de penas, assumindo a forma de gente. Tinham trazido um tição aceso e com ele fizeram grande fogueira. Cataram os vermes, os envolveram em folhas de mato e assaram. Os Tembé que se mantinham escondidos, à espreita, tocaram para lá. Mas os urubus bateram as asas e levaram consigo o fogo para um lugar seguro. Assim, os índios perderam o trabalho de tantos dias. A seguir, fizeram uma tocaia ao pé da carniça e um velho pajé ali se escondeu. Os urubus voltaram àquele lugar e fizeram seu fogo, desta vez bem mais próximo da tocaia. – Quando eu fugir, levarei comigo um tição aceso! -, disse o pajé consigo mesmo. quando os urubus despiram sua vestimenta de penas, viraram homens e se puseram a assar os vermes, ele deu um pulo para a frente e os bichos ficaram espavoridos. Correram para suas vestes de penas e começaram a vestir-se, atabalhoadamente. O velho aproveitou-se da confusão, pegou um tição aceso e fugiu. Os pássaros juntaram o resto do fogo e voaram, levando-o consigo. Então, o pajé ateou fogo em todas as árvores com as quais hoje se faz fogo e que são: urucuiva, cuatipuruiva, ivira e muitas outras.
Extraído da obra Mitos dos índios Tembé do Pará e Maranhão (Sociologia – ESPSP-MME, 1951), de Curt Nimuendaju Unkel. Veja mais aqui.

A DANÇA DE BELTANE
Cenas do Beltane Fire Festival, um evento anual de artes participativas e drama ritual, ocorrido em Calton Hill, em Edimburgo, na Escócia. É um evento inspirado nas tradições gaélicas e no antigo festival celta de Beltane, realizando danças pagãs e elementais, com exibição deslumbrante celebração do fogo, pela passagem da primavera para o verão. 
&
CORPOS CIDADÃOS DE ISABEL MARQUES
[...] Corpos cidadãos, nesse sentido, não são apenas aqueles a quem outros outorgam o direito de dançar. O corpo cidadão é um corpo que escolhe dançar, que pode escolher o que dançar, como dançar. O corpo que pode escolher, assumindo e refletindo criticamente, sempre, sobre suas escolhas, pode escolher também como dialogar com o mundo em que vive. Face da mesma moeda, corpos cidadãos deveriam se comprometer com a construção desse mundo, dançando. Ao propormos a educação de corpos lúdicos em nossas salas de aula de dança, propomos também a possibilidade de que esses corpos sejam capazes de criar e de recriar suas danças e, assim, a sociedade. Ao sugerirmos a educação de corpos relacionais, acreditamos na possibilidade de olhar, de perceber e de articular danças entre pessoas. Ao sermos capazes de criticar em nossos corpos, ou seja, dançando, seremos também capazes de construir e desconstruir o mundo em que vivemos. Enfim, ao apostarmos na educação de corpos cidadãos em salas de aula de dança estaremos também apostando na capacidade dialógica dos corpos que dançam e, assim, na capacidade humana de “sair da concha” e de estar no mundo com seus corpos.
Trecho extraído do estudo Notas sobre o corpo e o ensino de dança (Caderno Pedagógico, 2011), da bailarina, coreógrafa e professora Isabel Marques, que é autora de diversos livros na área e diretora da Caleidos Cia de Dança. Veja mais aqui.

A OBRA DE MARIO VARGAS LLOSA
Você não pode lutar consigo mesmo, pois essa batalha tem apenas um perdedor.
A obra do escritor, jornalista e político peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010 aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.