OUTRA CARTA DE AGOSTO - Há quem ame em silêncio para se eternizar,
porque se é verdade ali se sustenta e persegue duradouro como passagem e
sustentáculo sobre o abismo da existência e resiste e se enreda e se refaz para
ir mais longe do que se espera. Há também aquelaqueles que por uma ou outras
razões desistem ou sujeitam o amor à morte prematura, escravos de si próprios: colecionam
aventuras só por passatempo ou na coisitude do aqui-agora. E findam carregando
quatrocentos mil grilhões desse mundo e tudo que há nele, no vazio ou ruínas de
desamor: despenca porque não era de verdade, só simulacro para volúveis e
voláteis que ditam prazo e sofisma, com seus caprichos de infelizes carentes egoístas,
usurários de paixões frívolas que ficam pelo caminho à espera de novos
episódios pros seus ardilosos corações que parecem padecer com derramados prantos
por nunca terem sido amados quando, na verdade, nunca tiveram a capacidade de amar
ou sequer amaram. Mera encenação. Havia de ter um mínimo de consideração. Mas, não.
Tudo agora é tão descontínuo, descartável. Ah, deixa para lá. Do muito tido e
havido, algo mais que a vida e anseios recíprocos, eu mesmo cruzei até as
terras do futuro desde quando acabei de nascer. Quantas vezes, passado para
trás, segui adiante, como não havia de ser nada, não conto derrotas mesmo
arrasado entre imposturas. Só há caminho para quem anda e segue, mesmo aos
solavancos, por trajetos que nunca estancam no que há de mais improvável, íngremes
e desfeitos, estéreis e refeitos, vez que o Sol cresce, a Lua mingua, o dia
anoitece e volta a amanhecer, não precisa que acredite ser tudo possível ou não.
Muitas vezes fechava os olhos na tentativa de dormir – tormentos que inflamavam
latejando no corpo a buscar forças na dor inigualável e compartilhada por
incontáveis dias, o mundo na cacunda e punhais enfiados no dorso. Afinal, não
há escuros nem palpos de aranhas, qualquer momento é hora de libertação. É só
seguir em paz. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] E era assim
que ela ia: sonhando. Feliz, feliz. E quando o caminhão alcançou o topo da
ladeira do cruzeiro, o motorista jogou para a direita, desviando-se da estrada.
Parou. Desligou o motor e ficou olhando para ela. – Me abraça – ele disse. Ela o
abraçou. – Me beija. – Ela o beijou. – Que tal a gente começa por aqui? – ele disse.
Ela não o ouviu, ou fez de conta que não tinha ouvido, nem entendido. Continuava
a beijá-lo. Então ele repetiu a pergunta e ela disse: - O quê? – E ele: - O
amor. – Virinha respondeu, entre soluços: - Ah, o amor. O amor é bom. Que bom
que você gosta. – Então vamos descer e começar por aqui. – Começar o quê? – O amor.
– Mas nós já começamos. – Sim, começamos. Estamos no bom. Agora vamos ao
melhor. – Melhor ainda? – ela disse. – Claro, ainda vai ser melhor – ele disse,
desvencilhando-se de seus braços e abrindo a porta e descendo e dando a volta
para abrir a outra porta para que ela descesse. Virinha desceu, sem dizer nada,
sem perguntar nada. Ele pegou em sua mão e foi andando. Era como um sonho: tudo
acontecia tão depressa. – Ali – ele disse, puxando-a para um regueirão que os
encobria da estrada. [...].
Trechos extraídos da obra Adeus, velho (Ática, 1985), do premiadíssimo escritor, jornalista e ocupante da cadeira 23
da Academia Brasileira de Letras, Antônio Torres. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui .
IEMANJÁ
Art by Patricia
Ariel
[...] Cercada de
algas e estrelas-do-mar, peixes, corais, conchas de madrepérola, Iemanjá se
estabeleceu na superfície das águas junto ao continente. Era a nova senhora do
mar, a filha dileta de Olocum. Iemanjá casou-se com seu irmão Aganju, e dessa
união nasceu Orugã. Um dia, aproveitando-se da ausência do pai, Orungã raptou e
violentou a mãe. Aflita e entregue a total desespero, Iemanjá desprendeu-se dos
braços do filho incestuoso e fugiu. Orungã a perseguiu. Quando ele estava
prestes a alcançá-la, ela caiu desfalecida. Então seus seios cresceram
desmedidamente, a barriga inchou até ficar do tamanho do mundo e se rompeu. Do ventre
aberto nasceram todos os orixás que ainda não haviam nascido. [...].
Trecho extraído da obra Contos e
lendas afro-brasileiros: a criação do mundo (Companhia das Letras, 2007),
de Reginaldo Prandi. Veja mais aqui, aqui & aqui.
A ARTE
DE CECÍLIA KERCHE
Um espetáculo perfeito me
faz sentir realizada. É como um cientista descobrir a cura para uma doença
importante.
A OBRA DE FRANTZ FANON
No mundo pelo qual
viajo, estou me criando infinitamente. O que importa não é conhecer o
mundo, mas modificá-lo.
A obra do psiquiatra, filósofo e ensaísta
francês da Martinica, Frantz Fanon (1925-1961) aqui.