O MORTO QUE SE PERDEU – Quando o
filho caçula do Barão rebentou foi um alívio. Na verdade, uma festa para mais
de uma semana do lado de lá. A cidade inteira acompanhou o festeiro do lado de
cá do rio. O regabofe teve todo tipo de pipoco: tiros e foguetórios do muito. Um
estardalhaço de comemoração. Pudera, a filha dele, Maria Joãozinho, já estava
virando mundo, casando e descasando como quem troca de roupa, avalie. Ela já ia
pelo vigésimo matrimônio– ou era trigésimo? Sei lá. Ô mulher virada na gota!
Destá. Era o cabra se afrouxando do sopapo dela e ela já arrumando outro na
lata, fogosa, atirada. Que coisa! Entretanto, ela saía da manchete na família e
entrava de férias no desassossego deles; a bola da vez era o bruguelo que
berrava para felicidade do mais rico do lugar: Agora sim, um filho macho
dignifica a família! E mimou tanto o pixote de quase deixá-lo pior que a filha:
mimada e revoltada. Ensinou tudo de macheza pros dois, caprichando,
evidentemente, no menino, que já crescia com os maus bofes e não queria errar a
mão: Vai que por azar da sorte o presepeiro desse de desmunhecar, hem? Seria um
desgosto duplo. Bastavam as doidices dela. Mas não, o pirralho adolesceu de
virar um galalau disputado entre as recatadas, esvoaçantes e perdidas. Era o
Barãozinho. Para se ter uma mínima ideia do que se sucedia com o sortudo, as
casadas suspiravam, os homens queriam por amigo, as crianças faziam festa, os
velhos endeusavam, afinal, duas eram as principais razões para tal: era o filho
do Barão, meu; a outra, era gente boa, mão aberta, filantropo de nascença, um
santo, no dizer de todos. As filhinhas de papai ou mesmo as mais assanhadas,
disputavam às tapas e puxavanques, lasquinhas que fosse de pedras de ara, só
pra servir de amuleto e prendê-lo às redes do amor. Ele escapulia, sabido;
sapecava a bimbada, dava cheiro, presentes e carícias, depois arribava para as
capitais, agitar noutras plagas. Enquanto isso, não faltava quem deitasse
tapetes suntuosos ou tirassem as próprias vestes para que ele não pisasse em
poças ou lamaçais. Ele, sempre grato, sacava dos bolsos cédulas e moedas,
agradecendo com paga além do chaleirismo. Tanto é que bebiam o mijo dele –
diziam ser curativo -, até achavam a bosta dele cheirosa, pode? Ô cabra
perfumado da gota! Bebia suco de graviola, só pode ser. Qualquer um que se
arvorasse a sair dos trilhos, como manda o figurino, logo era admoestado: Você
não é o Barãozinho, fique quieto, amanse os cornos. Parecia mesmo ser um
sujeito exemplar, todos que o digam. Na verdade, caiu nas graças do povo. Fizesse
o que fosse, sempre incólume, indelével, imaculado. Chegou a ponto da Câmara de
Vereadores de Alagoinhanduba, em uma das esfuziantes sessões, dar-lhe o título de cidadão local –
apesar de ter nascido naquelas terras, o Barão fez questão de registrá-lo como
se nascido na capital federal -, e logo emplacou proposta de canonizá-lo, o que
recebeu a simpatia do padre que providenciou tudo para que o Vaticano assim
procedesse. Aplausos, salves e vivas! Malogrou. Poderia até ter dado certo, não
fosse um trágico acidente de automóvel naquela mesma noite, numa das curvas da
rodovia de acesso à cidade. Não fosse isso, era bem capaz da gente hoje saber
do Santo Barãozinho. Não duvido. Quando souberam da fatalidade, a cidade em
peso foi pro local. Lá estava ele esmagado entre as ferragens. Trouxeram corpo
de bombeiros e começaram o resgate: Oxe! Cadê o homem? Sumiu, era ele que
estava aí dentro mesmo? Era, o carro é dele, ora. Estava o canto mais limpo:
Ué, essa máquina não podia andar sozinha, né? Cadê o corpo, meu? Vasculharam. Até
que alguém teve a iniciativa de abrir o porta-malas. Lá estava ele: nu e de pau
duro. Como pode? Eita, parece que ele morreu de priaprisma. E agora? Chama o
Barão, ele sabe o que deve ser feito. E lá vinha ele cagando raios. Que é que
foi dessa vez, cambada? Quando viu o filho naquele estado, desmanchou-se na
maior tremedeira. Segura o homem, gente! Aí caiu o maior pé d’água! Corre-corre,
levaram o corpo para um lugar improvisado na casa grande, fizeram o velório e
passaram três dias e três noites chorando de joelhos, até que a irmã chegasse
embaixo do maior espalhafato. Maior lamúria de carpideiras, o mundo todo aos
prantos no atacado e no varejo, até os céus choravam arreando a maior
tempestade. Prosseguiam as cerimônias, orações exaltadas de padres e pastores,
todos juntos em procissão até o local do sepultamento num terreno que o Barão
mandou organizar como cemitério particular e, nessa hora, uma tuia de raios
clareou o céu e revirou a terra. E tome coriscos, relâmpagos a granel, trovões
retumbantes, mais de horas de aguaceiro. Todos correram e deixaram lá o corpo
insepulto. Depois da procela, foram para lá e a urna funerária estava toda
espatifada, lascas de madeira para todo lado. E o esquife? Sumiu. Perdeu-se. Nunca
foi encontrado. Corre até uma lenda que ele ressuscitou e saiu errante pelo
mundo afora. Ainda hoje esperam, todos esperam o seu retorno. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Os dois rapazes
pouco tinham em comum, mas não se apercebiam disso, visto que possuíam um certo
número de afinidades superficiais. por exemplo, ambos eram requintados e
exigentes Depois daquela manhã de lubrificação, passaram cerca de uma hora no
toilette da garagem. Dick em roupas interiores era muito diferente do Dick
completamente vestido. Assim, parecia um rapazola magro, de altura média,
descarnado e talvez com o peito metido para dentro; despido, via-se que não era
nada disso, mas sim um atleta treinado em peso e alteres. O focinho de um gato
tatuado em azul, com uma expressão de riso, cobria-lhe a mão direita; sobre um
dos ombros floria uma rosa. Outros sinais, desenhados e tatuados por ele,
ornamentavam-lhe os braços e o tronco: a cabeça de um dragão com uma caveira
entre as mandíbulas; mulheres nuas de seios
opulentos; um diabrete brandindo uma forquilha; a palavra PAZ acompanhada com
uma cruz rodeada de riscos a
imitar raios de luz; e duas composições sentimentais – uma delas um ramo de flores dedicado à MÃE e ao
PAI, o outro um coração que celebrava
o romance de Dick E CAROL, a rapariga com quem se casara aos dezenove anos e da qual se separara seis
anos mais tarde, a fim de reparar a sua
falta para com outra jovem, mãe do seu filho mais novo. (“Tenho três filhos dos quais tomarei definitivamente conta” -
declarara ele ao ser liberto condicionalmente.
“A minha mulher casou outra vez. Fui casado duas vezes, mas com a segunda não quero nada”) [...] Uma bátega súbita
crepitava no telhado da arrecadação. O ruído, semelhante a um rufar de tambores
numa parada, precedeu a chegada de Hickock. Acompanhado por seis guardas e o
capelão que rezava em voz baixa, entrou no fúnebre local algemado e envergando
um feio dispositivo de correias que lhe mantinha os braços ligados ao tronco.
Junto da forca, o diretor da cadeia leu-lhe a ordem oficial da execução, um
documento de duas páginas; e durante esse tempo os olhos de Hickock,
enfraquecidos por meia década de sombra, percorriam a reduzida assistência, até
que, não conseguindo avistar o que procurava, perguntou em voz baixa a um
guarda se estava presente algum membro da família Clutter. Ao receber uma
resposta negativa, o prisioneiro pareceu desapontado, como se achasse que o
protocolo que rodeava este ritual da vingança não estava a ser cumprido à
letra. Como é hábito, o diretor, no fim de recitar o documento, perguntou ao condenado
se tinha qualquer coisa a declarar. Hickock sacudiu a cabeça:- Só desejo
afirmar que não quero mal a ninguém. Vocês mandam-me para um mundo melhor do
que este. - Depois, como que para acentuar a afirmação, apertou as mãos dos
quatro homens que haviam sido mais diretamente responsáveis pela sua captura e
condenação, e que tinham pedido expressamente para assistir à execução da
sentença [...].
Trechos extraídos da obra A sangue frio (Nova Fronteira, 1965), do
escritor e jornalista estadunidense Truman
Capote (1924-1984), relatando o brutal assassinato de uma família
estadunidense, dando a ideia inicial do crime até a execução dos assassinos. O
livro descreve minuciosamente a reação dos moradores da cidade, a investigação
policial e os passos dos criminosos durante a fuga, bem como a história
pregressa dos mesmos. Poucos meses depois do crime, Richard Hickock e Perry
Smith são presos pela chacina e, condenados à morte, em 14 de abril de 1965,
eles são enforcados. Veja mais aqui.
PIED PIPER DE HAMELIN DOS GRIMM
Há
muitos e muitos séculos atrás , na cidade de Hamelin, numa bela manhã seus
habitantes encontraram a cidade repleta de ratos famintos, devorando todos os
grãos armazenados nos celeiros dos ricos comerciantes do local. Apavoradas,
muitas pessoas começaram a fugir da cidade, os moradores desesperados
reuniram-se e decidiram oferecer uma grande recompensa a quem acabasse com
aquela terrível invasão dos ratos. Logo surgiu um flautista a quem ninguém
havia visto antes, e lhes disse: “A recompensa será minha. Esta noite não
haverá um só rato em Hamelin”. O flautista pegou então sua flauta e saiu pelas
ruas de Hamelin entoando uma linda melodia que encantava os ratos, e fazia com
que todos os ratos o seguissem pelas ruas de Hamelin totalmente hipnotizados
pela linda melodia oriunda da flauta. O flautista seguiu então por uma longa
estrada, ao fim desta estrada havia um grande rio; os ratos ao tentar
atravessar o rio para seguir o flautista, acabaram por morrerem afogados. Assim,
os habitantes de Hamelin se viram livres da odiosa praga de ratos que havia
lhes tirado o sossego. No dia seguinte, o flautista foi falar com os
responsáveis pela cidade, que fizeram a promessa de entregar um grande
recompensa em dinheiro a quem desse fim a todos os ratos. Porém o Conselho da
cidade por pura avareza decidiu não pagar ao flautista pela exterminação dos
ratos. Furioso pela atitude dos avarentos homens do conselho da cidade de
Hamelin, o flautista desta vez decide se vingar. Num linda manhã quando todos
os habitantes se encontravam na igreja em oração, o flautista começou a tocar a
sua flauta e a hipnotizar todas as crianças da cidade, levando-as para uma
caverna e aprisionando-as para sempre lá. Nunca mais as crianças apareceram e a
cidade de Hamelin ficou triste, silenciosa e por mais que se procure lá nunca
se encontra nem um rato, nem uma criança.
Fábula
extraída da obra Contos dos Irmãos Grimm (Rocco, 2005), dos irmãos escritores Jacob
e Wilhelm Grimm. Veja mais aqui e aqui.
PS: O
escritor e compositor Bráulio Tavares
também escreveu a respeito, O flautista misterioso e os ratos de Hamelin (34,
2008), em sextilhas rimadas e bem divertidas, contando, em forma de cordel, a
célebre lenda do flautista de Hamelin, acrescida de toques engenhosos e alusões
contemporâneas, não faltando tiradas e comentários engraçados sobre uma cidade
que, além de ser vítima dos ratos, é vítima também de seus políticos corruptos.
Veja mais aqui, aqui e aqui.
A ARTE
DE INGRID SILVA
Eu sempre pensei que a dança poderia ser meu sonho e eu estou tão feliz,
de compartilhar sobre minha vida e meu mundo de dança com você, a dança
realmente mudou a minha vida.
A arte
da bailarina Ingrid Silva, que
iniciou sua carreira aos 8 anos de idade, no Projeto Dançando Para Não Dançar e
continuou seus estudos na Escola de Dança Maria Olenewa e no Centro de
Movimento Debora Colker com bolsa integral. Aos 17 anos, juntou-se ao Grupo
Corpo como estagiária. Em 2007, ela ganhou uma bolsa de estudos para o Dance
Theatre of Harlem School e, em 2008, no Dance Theatre of Harlem's Dancing
Through Barries Ensemble. Atualmente ela é embaixadora cultural para os Estados
Unidos ao dar workshops na Jamaica, em Honduras e em Israel. Participou do
BrazilFoundation Gala, em 2014, no Lincoln Center, e foi destaque no filme Maré, Nossa História de Amor (Brasil). Recentemente,
marcou presença na mídia nas revistas Vogue e Glamour, no Brasil, e tornou-se Embaixadora
Global da Activia. Veja mais aqui.
A OBRA DE FARADAY
Nada é maravilhoso demais para ser verdade, se for consistente com as
leis da natureza.
A obra do filósofo, físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867) aqui.