terça-feira, agosto 13, 2019

LUCIEN SFEZ, FERNANDO ARRABAL, LUCIA SANTAELLA, BRUNO GIORGI, DAREL & ALAGOINHANDUBA


CIDADE DEVASTADA, MEMORAÇÃO – Alagoinhanduba não existe, nunca existiu, parece. Alguém apenas lembrava vagamente e não sabia como nem causa. Suspeita-se que seus mortos resistiram ao esquecimento e os fundadores rebelados induziram a uma indecifrável e aparente vingança em honra dos ancestrais, para cancelamento das cidades atuais. Ressurretos tramaram com sofreguidão enlouquecer os vivos, feito invasores da memória, como recidiva - como se os que se foram dali na suposta tragédia, provocassem suas cobaias vivas no presente, domados para que não se esquecessem de nada ocorrido. Tudo começou com simples sonho de um morador desconhecido: um pesadelo com a tribulação remota do lugar perdido no tempo, e entender desperto como se desde ontem flagelasse os seus e a si. Uma vez possuído pelas lembranças, contaminação inevitável: ninguém mais se libertava, invadido inadvertidamente a dar com a língua nos dentes, por narrativas sem fim de fatos revivescentes entranhados no éter, imersos em nuvens carregadas de recordações incorporadas ao cotidiano e, vez em quando, escapulindo para influenciar ditos, jeitos e fazeres onde quer que estivesse e com quem escolhesse aleatoriamente. Os devaneios alheios se reuniam e mudavam os rumos da ventania vertiginosa para desenterrar tesouros recônditos e inválidos, denúncia em riste. Em seguida, deu-se o auto-enlouquecimento do padre no púlpito. Logo outros começaram a proceder com endoidecimentos similares: um médium numa sessão de mesa branca; um pai-de-santo no meio de um ritual, tambores e danças; um internauta capturado por um vírus de computador; e recém-chegados fugando atônitos pelas matas revoltas desencavadas, homens que se danaram largados por fêmeas pérfidas; mulheres esbeltas que se envultavam com suas ancas e mamilos nus fenecendo lúbricas de amor por machos errantes; crianças esmagadas pelo desamor dos pais; jovens que sucumbiam aos amores não correspondidos; idosos que se matavam ao abandono entre páginas, folhas e detrito soltos aos ventos; combustões por iras incontroláveis, presidiários suicidas, viajantes à deriva, confusão de partidas e retornos por ruas giratórias enoveladas fincando insepultos entre pedras e paralelepípedos, abolindo leis, destruindo patrimônios, destroçando jardins e praças, demolindo alvenarias e pavimentos arruinados; pugnas escorregadias, estuários explodidos, mentiras desmascaradas, milagres ambíguos, escombros, cidades umas as outras amontoadas ali, habitadas por zumbis que seguiam sem saber para onde, nenhum cumprimento e tanta hostilidade, desentendimentos e perseguições, inarticulados a se desconhecerem perdidos às caretas entre cemitérios e purgatórios. Entre eles, um anônimo que se esquecera de si e de seu próprio nome e passado, a repetir insistentemente: Fui acometido por uma estranha enfermidade. Eu sabia; os médicos, não. Todos os exames, nenhum diagnóstico, nada. Eu não estou bem, febril sem febre, doente sem doença; eufórico sem euforia, tomado completamente, esfacelado pelo desespero, herdeiro de ruínas que nunca vira, memórias na pele de autômato, autônomo, ninguém. Como pode? Desisti de compreender, sou a soma de tudo e sou nada. Mas, não sei quem sou, muitos povoam em mim e sou apenas as lembranças de Alagoinhanduba. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
Híbrido, hibridismo, hibridação e hibridização são os atributos que mais frequentemente têm sido utilizados para caracterizar variadas facetas das sociedades contemporâneas. Essas palavras podem ser aplicadas, por exemplo, às formações sociais, às misturas culturais, à convergência das mídias, à combinação eclética de linguagens e signos e até mesmo à constituição da mente humana. [...] o ciberespaço e a cibercultura vieram adquirir uma natureza híbrida na constituição de espaços que tenho chamado de espaços intersticiais. [...] Não resta dúvida de que a pluralidade se constitui na marca mais característica das mídias locativas. [...] além de funcionarem como exemplares mais legítimos de uma ecologia pluralista da cultura, os projetos de mídias locativas também funcionam como indicadores precisos dos dois lados antitéticos da psique humana que foram explorados por Freud. Em um extremo, o lado destrutivo da pulsão de morte e, no outro extremo, o lado construtivo sob a égide de Eros. É justamente esse último extremo da gangorra que os projetos estéticos de mídias locativas buscam explorar contrabalançando as forças contrárias exercidas pelo poder dissimulado do rastreamento e vigilância ubíquos. É por tudo isso que a ecologia pluralista das mídias locativas, unificada pelas forças de Eros, entre outras coisas, está nos incitando a rever e relativizar as teorias cujo pessimismo monolítico cobriu o ciberespaço e a cibercultura com premonições negras sobre a obsolescência do corpo, o colapso dos espaços geográficos e a inexorável perda de significados do passo da vida.
Trechos extraído de A ecologia pluralista das mídias locativas (II Simpósio Nacionalda ABCiber - Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008), da professora e pesquisadora Lucia Santaella. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

O CINEMA DE FERNANDO ARRABAL
Fama é um pedaço de nada que o artista agarra no voo sem saber por quê. Eu sou feio, mas Deus me ama.
Entre as obras destacadas aqui do do poeta, dramaturgo, roteirista e diretor de cinema Fernando Arrabal, destacamos desta vez, em primeiro lugar, o documentário Borges: una vita di poesia (1998), sobre a obra do escritor argentino Jorge Luis Borges; e o drama ¡Adiós Babilonia! (1992), contando a história de uma jovem sonhadora e serial killer, que passeia pelas ruas encontrando vários personagens estranhos que povoam os subúrbios da cidade grande. Veja mais aqui, aqui & aqui.

A ESCULTURA DE BRUNO GIORGI
A arte do escultor e professor Bruno Giorgi (1905-1993). Veja mais aqui.

A OBRA DE LUCIEN SFEZ
Todas as tecnologias de vanguarda, das biotecnologias à inteligência artificial, do audiovisual ao marketing e à publicidade, enraizam-se num princípio único: a comunicação. Comunicação entre o homem e a natureza (biotecnologia), entre os homens na sociedade (audiovisual e publicidade), entre o homem e seu duplo (a inteligência artificial); comunicação que enaltece o convívio, a proximidade ou mesmo a relação de amizade (friendship) com o computador.
A obra do escritor e professor tunisiano Lucien Sfez aqui e aqui.
&
Outras de Alagoinhanduba aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui aqui & aqui (Arte de Darel Valença Lins).