sexta-feira, fevereiro 25, 2022

STEPHEN SPENDER, KOSTÍS PALAMÁS, BERNARD CHARLOT, AMANDA ARAÚJO & NÉSTOGAS

 

 

TRÍPTICO DQP – Verba volant, scripta manent...- Ao som dos 24 preludes, op. 11, de Scriabin, na interpretação da pianista sueca Maria Lettberg. – Tudo que disse, fiz ou vivi voou. O que ficou quase nem sei: dois olhos nas escuras direções, passos sem rumo de funâmbulo, mãos soltas de quem se perdeu ou deixou escapar, peito aos ventos e circunstâncias, indiferente à maldição de Tutancâmon ou aos versos do Túmulo do poeta grego Kostís Palamás (1859-1943): ... E se você está com sede no submundo / Não beba a água da negação pobre corte de hortelã. / Não beba, ou você vai nos esquecer para sempre, por toda a eternidade... Sigo tal iconófilo sem que precise de outra oportunidade para encontrar o caminho de volta, talvez nem quisesse porque não estou pro que quer que seja, apenas prefiro o sabor náufrago da correnteza. O bom de tudo isso é que posso ouvir Amanda Araújo versejar: Dos alicerces que a vida me proporcionou / A introversão foi meu único escudo / Um silêncio mútuo se refez dentro da taberna / E quando vi já não existia conversa. Sim minha cara poeta, a festa não tem graça alguma, no outro dia só ressaca e desídia. Sei dos meus passos e mais outros quase intermináveis, mas não me cansei e sou adiante se pés sem chão ou desequilíbrio das pernas, até quando.

 


O poeta, a estação, o trem jamais virá... – Imagem: O poeta Vital Corrêa de Araújo na estação de nenhuma chegada ou partida, foto de Admmauro Gommes. - Na estação do meio dia o poeta Vital não guarda esperança, nem precisa. Ali tudo desativado, acéfalo, arbitrário e algumas coincidências: os olhos perdidos na paisagem, a calça na barra da parede, a pose para a fotografia: como se nada olvidasse da conturbada e difícil convivência entre desumanidades e coações, tal como o Pedro pedreiro penseiro do Chico e os rituais do sofrimento de Sílvia Viana Rodrigues, em que uma tela imaginária desse o tom do show dos horrores e jogos cruéis da tevê, quanta corda num mundo surreal de exceções e meritocracia do demérito nos infernos do genocídio ali da rua aqui perto agora mesmo, ouvindo insistentemente do poeta inglês Stephen Spender (1909-1995): O essencial é / Que todos os eus permaneçam separados / Apoiados em flores, e ninguém sofra / Pelo próximo. / Então o horror é adiado / Para todos até que se apodere dele / E o arraste para aquela dor incomunicável / Que é todo mistério ou nada... Mas o poeta é além de, não só espreita como uma brincadeira de outro dia após ontens e se não se passa incólume é porque algo pode ocorrer além do que vive e sonha. E há muito para fazer entre a vida e a sonhação, os olhos aberto e...

 


Néstogas... – Imagem: ArtLAM. - O quê? Se vésperas ou crástinos, o que se sabe de mesmo é que Homero primeiro escreveu Néstogas, depois é que vieram a Ilíada e Odisseia. E que Sócrates foi levado por Diotima para Néstogas: foi lá que ganhou a sabedoria dita pelo Oráculo de Delfos. E que Jesus aos três anos de idade recebeu a revisita dos três reis magos que o levou para Néstogas e só os três e os místicos sabem o que aconteceu até chegar aos trinta e três e lá vai teibei que todo mundo saber de cor... E se de anos em décadas, séculos ou milênios, assim com Mozart que trouxe de Néstogas a sua Flauta Mágica para encantar a todos e daí se propagou o que era singular em toda pluralidade, como o beijo justiçado da cambojana Rindy Sam no painel branco osso do tríptico Phaedrus do artista Cy Twombly (1928-2011): Foi só um beijo, um gesto de amor. Eu a beijei sem pensar; eu pensei que o artista fosse entender... Foi um ato artístico provocado pelo poder da Arte... Não, não, a vida não seria reduzida apenas a isso ou aos dois poemas de Marwin, nem que tenha muita sede mesmo a ponto de me pegar com pensamentos alheios ao que realmente sou, coisas da loucura iminente, incoerência irreversível da expectativa da surpresa, como se todo dia fosse a espera daquele que seria o momento exato, a horagá. Tá. E o que porra é Néstogas? O escambau, ora. Néstogas é somente Néstogas em gênero, grau & número; e o que sei de mesmo é que: antes do Fiat Luz havia apenas Néstogas! Até mais ver.

 


É possível que a educação se torne sempre melhor e que cada geração, por sua vez, dê um passo a mais em direção ao aperfeiçoamento da humanidade; pois é no fundo da educação que jaz o grande segredo da perfeição da natureza humana. A partir de agora pode-se caminhar por essa via. Pois só atualmente é que se começa a julgar corretamente e a captar com clareza o que é verdadeiramente necessário para uma boa educação. É uma coisa entusiasmante pensar que a natureza humana será sempre melhor desenvolvida pela educação e que se pode conseguir dar a esta última uma forma que convenha à humanidade. Isso nos abre uma perspectiva sobre uma futura espécie humana mais feliz...

Trecho extraído da obra A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação (Guanabara, 1976), do professor universitário francês Bernard Charlot. Veja mais educação aqui e aqui.


 


sábado, fevereiro 19, 2022

RŪMĪ, JULIA BUTTERFLY HILL, RUTH RENDELL & FRANCIS PONGE

 

 

TRÍPTICO DQP – Vertigens de lembranças, a vida dentro de um sonho... – Imagem: ArtLAM, ao som de Ciclos - sons do silêncio, da calma, do vazio, do ciclo da vida: tropeços, acertos, branco, breu, pássaros voando (2021), do compositor Marwin Lima. - Desdontem ou quasempre, umoutremoção azulalva diadia. Ah, não, há muito o que fazer da vida no gerúndio, contra a abulia do nada dizer na travessia inconclusa e sonhos para lá de postergados. Ainda escuto longe Jalāl-ad-Dīn Rūmī: A razão é como um oficial quando o rei aparece: o oficial então perde o seu poder e ninguém mais se lembra dele. A razão é a sombra que some diante de Deus que é o Sol. Talvez sirva da minha loucura. O bom é que não há outros rostos no espelho reflexivo, muito embora seja tantos eus que perdi a conta. O cenário é quase o mesmo e reinvento a cada lâmina do tempo, cortes que não saram com o átimo do voo, olhos bem abertos na escuridão. O que vale é que a Julia Butterfly Hill me sorri: As feridas na paisagem externa existem primeiro na paisagem interna. Nós recriamos essas feridas internas do lado de fora, no planeta... Se vamos pedir às pessoas que se abram para a dor da terra, devemos ter sistemas implementados que nos permitam aliviar a dor uns dos outros... Ainda bem que suas mãos sorridentes me abrigaram para que eu pudesse estar pronto mesmo que o céu despenque ruinas subterrêaneas e tudo seja feito carnaval ano após séculos, com a batucada denunciando o reino da mentira e nuvens soprassem no dolorido coração que ainda há tempo. Não fossem meus braços hélices na imaginação, tragado já estaria pelo estupor na vacância da sensatez.

 


Demorou muito, será... - Imagem: da artista norueguesa Kesja Tabaczuk - Uma vez mais testemunho o meu país ruindo pelas tabelas do que se compra e se vende e tudo demora. No peito ainda os escalavros do que esperei e retardou demais, alguns até nem vieram ou serviram, outros se foram com a fumaça e fiquei como se ouvisse A hora chegou da poetativista australiana Louisa Lawson (1848-1920): Como ela lutou? Ela lutou bem. / Como ela ascendeu? Ah, ela caiu. / Por que ela caiu? Deus, que tudo sabe, / Só pode dizer. / Aqueles pelos quais ela estava lutando – eles / certamente iriam até ela? Não! / E a dor dela! Deles é o ganho. / Sempre o caminho. / Eles não a ajudarão a se levantar / Se houver morte em seus olhos? / Você não pode ver? Ela os libertou. / E se ela morrer? / Não podemos ajudá-la? Oh não! / Em sua boa luta é assim / Que todos os que trabalham nunca devem fugir / do sofrimento e da aflição. / Mas ela nunca vai deitar - / Em sua cabeça, na poeira, está uma coroa / Jóia e brilhante, sob cuja luz / Ela vai subir sozinha. Era um estalo no meio do tempo da gente e o de todas as coisas: um verso não brota à toa e o poema de Admmauro Gommes dizia que também sigo sozinho. Melhor nunca tive a satisfação cabotina da enrolação nem aos achegamentos hipócritas mais simpáticos, já me despi das carapuças, carapaças, amarras, camisas-de-força, grilhões, apenas um metido a beletrista que não passa de um escrevinhador cheio das pregas desembrulhando o presente, enquanto ouço o arrastado de relógios e calendários vidafora. Dela a voz da escritora inglesa Ruth Rendell (1930-2015) afagando os meus ouvidos: Sempre sabemos, quando estamos acordados, que não podemos estar sonhando, embora, ao sonhar de fato, sintamos que tudo isso pode ser real. Alguns dizem que a vida é o que importa, mas eu prefiro ler. Nela aprendi com as minhas mil maneiras de errar o próprio caminho entre tumultos e agonias, errâncias indissolúveis, desvios demais de perder o rumo e o atalho. Bati cabeça demais, agora já passou, resta o olhar de quem vai rasgando quantos nãos, os pés prontos para voar.

 


Os lábios da Sibila...- Imagem: do artista visual mexicano Armand Rom. - Demorei tanto para aprender o que sou e já nem tenho chão, só abismos. E a salvação se mostrava no meio do labiríntico verbo vital. Ainda bem que ela voltou tal Ariadne, com aquele Insignificante do poeta francês Francis Ponge (1899-1988): O que há de mais atrativo que o azul, a não ser uma nuvem, na dócil claridade? / Por isso prefiro ao silêncio uma teoria qualquer e, mais ainda, a uma página branca um escrito quando passa por insignificante. / É todo meu exercício e meu suspiro higiênico. O que fiz de mim foi nos lábios oraculares dela de Pítia Sibila e o que sobrou de ânimo diante de todos os mais fugazes relentos que me fizeram partir. Até mais ver.

 

A principal tarefa da educação moderna não é somente alfabetizar, mas humanizar criaturas.

 


Pensamento da escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais da autora aqui e sobre Educação aqui, aqui e aqui.

 



sábado, fevereiro 12, 2022

SAROJINI NAIDU, FULNI-Ô & WANDA WITOTO, ALICE LONGWORTH & RENATA SANTANA

 

 

TRÍPTICO DQP – Ano após outro e mais. – Imagem: ArtLAM, ao som do álbum Cafurnas Fulni-ô (Tratore, 2019), com o Povo Fulni-ô & sua língua mãe Yaathê no ritual Ouricuri. - O que me diz este céu das águas desse rio que corre em minhas veias e era pra festa de passárvores que fugaram das queimadas morro acimabaixo. São nuvens de sombra carregadas de fumaça e fuligem da ganância para roubar o azul da respiração. Conto nos dedos, ano após outro e mais, basta uma mão e nela: dores seculares. Essa a minha herança ancestral, no que sou da terralma, porque tudo é difícil pros meus outros Zés e neurodivergentes, com a teimosia de vida que nos faz ressurretos na tragédia do Fecamepa que se perpetua na iniquidade e na desgovernança coisonária. Nessa escuridão o Canto da Nênia alumia pro dia chegar e trazer a ativista Wanda Ortega Witoto do Parque das Tribos: Estamos muito angustiados com nosso futuro. O indígena tem um desfecho mais desfavorável que qualquer outro grupo brasileiro, se comparar com a população branca e até negra. Tudo aqui é uma grande dificuldade, muita luta, a gente é abandonado. Não se lamenta a morte de indígena no Brasil. É com ela que revigora a força do braço, a coragem no peito e a reverberação da voz no eco de Catarina Eufémia para nos dizer de Olga: Em momentos difíceis é preciso pensar em alguma coisa bonita. Iluminar, iluminar, essa é minha missão e a do sol. Preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. E entoar o canto para resistir como se ouvisse de Lucille Clifton: Venha comemorar comigo que todos os dias algo tentou me matar e falhou. A poesia é uma questão de vida, não apenas uma questão de linguagem. E se não tenho mais que o espólio de toda desfortuna da gente geral, resta o desterro dos sonhos e a teimosia de viver em nome dos mortos de todas as injustiças.

  


Passos mancos e quejandos ... – Imagem da artista japonesa Tomie Ohtake. - O meu país é a minha cidade engalanada na festa dos prazeres e da ostentação oniomaníaca, com seus contratos e outras escusas dominações. É onde sou tão estrangeiro quanto fotografias desfiguradas pelos que foram apagados da memória das enchentes e da indiferença. Nalguma esquina inadvertida é que encontro fugidios fantasmas e da passagem deles é que me surge alguém para me dizer da escritora estadunidense Alice Longworth (1884-1980): Se você não pode dizer algo bom sobre alguém, sente-se aqui ao meu lado. Eu tenho uma filosofia simples. Preencha o que está vazio. Esvazie o que está cheio. E coce onde coça... Como não tenho para onde ir deixo que ela me leve a levitar sobre o território de onde sou e nem sabia, até ao topo do monte no qual se encontram tantos levados pela LIDIHUS da EERP-USP, porque havia um evento com estudos, reflexões, discussões, pesquisa e extensão, juntando interessados sobre as interações existentes entre o movimento da afirmação dos Direitos Humanos e o Direito à Saúde, debatendo sobre nossos direitos e das crianças e adolescentes, das mulheres e das populações indígenas e das pessoas com deficiência e das LGBTQIA+ e das em situação de rua e das que estão privadas de liberdade e das profissionais do sexo e de toda situação de vulnerabilidade que campeia em meu país. E estão todos pelas calçadas e ruas da minha cidade que é o Brasil inteiro de famélicos atentos disfarçados pela elegância da hora no anfiteatro da praça, em que uma atriz desconhecida recita os versos de um poema, Pecados da mulher, da poetativista indiana Sarojini Naidu (1879-1949): Perdoe-me o pecado dos meus olhos / -oh meu amor- se você ousou por um instante / invadir o querido santuário do seu rosto /com iguarias delícias ardentes e insistentes / como pássaros selvagens e destemidos /que percorrem o sublime templo do céu. / Perdoe-me o pecado das minhas mãos / se eles foram muito ousados / em seu desejo latejante de acariciar / sua carne, abrace -oh meu amor- / e te encher de presentes / tão inumeráveis como as areias / Ó perdoa o pecado das minhas mãos!  Perdoe-me o pecado da minha boca / oh meu amor, se ele te ofendeu / com silêncio ou canção indesejável, / se ele atacou e oprimiu você / e tomou posse dos teus lábios, / Ó perdoe-me o pecado da minha boca! / Perdoe-me o pecado do meu coração / se ele transgrediu contra a voz. / Se você tentou cativar ou violar nosso amor / para apaziguar sua chama / para saciar sua fome, / para aliviar sua dor / de sua profunda tristeza. / Ó perdoe o pecado do meu coração! Os aplausos soaram febris depois da apresentação e não sei se ouviram cada palavra ou se deixaram levar pelo eco do sistema de som apenas por estarem ali. O que é bom é que não estou só, mas como se estivéssemos todos no centro do isolamento de todas as incertezas e nenhum amanhã.

 


Terceiro ato... – Imagem: arte da pintora e gravurista francesa Joan Mitchell (1925-1992) – Sobe o pano da noite e a manhã expõe o cenário de mais um espetáculo a cada dia. Como se eu tivesse este dia e esta manhã foi possível encontrar brecha qualquer, assim como se me permitisse sair de um túnel diário para o que quer que fosse de diferente no cotidiano, pelo menos, por instante fugaz que desse. Não sabia e zis enredos no que sou de um só, a presenciar do alto o que seria uma trilha de formigas dispersas por todas as direções e lugares. Sequer eu sabia de nada, só para me espantar com o movimento porque é possível criar sonhoutros é possível sim. Em um ponto qualquer lá está a saudade da mulher que sinto e vivo do que foi mãe e que partiu para nunca mais. Ela me aponta possíveis formas de viver, a me salvar dos abismos e fracassos, sou abençoado por isso e grato. E era como se minha mãe ressuscitada me dissesse Lou Salomé: A vida humana- Ah! / A vida sobretudo - é poesia. / Inconscientes, nós a vivemos, dia a dia / passo a passo- mas em sua intangível / plenitude ela vive e se nos traduz em poesia. Ah, poesia. E me trouxe na tarde quase noite daquele momento a expressão de Renata Santana que sorria e soltava um verso: nós somos os bandidos molhados. Mais sorriu pro meu prazer com versoutro: você é um deus de plantão no final do mês. E mais que admirado recebi o prêmio máximo dela: estou só / mas estou comigo / quando não resta / mais nada / resta um. E mais um, quando não outro e tantos e quantas. Nunca será demais dizer que só a poesia torna a vida suportável. Até mais ver.

 

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segunda-feira, fevereiro 07, 2022

LAURA INGALLS WILDER, IZAURA RUFINO FISCHER, RITA VON HUNTY & JOÃO CÂMARA

 

 

TRÍPTICO DQP – Entre devires e distopias... - Ao som do álbum Dedicado a você (1967), de Rogério Duprat. – Ouço a música do dia, as ruas dão nas estradas caminhos afora e se por trás das montanhas ao redor da minha cidade, o dia dorme, a noite é viva para que ninguém, ninguém mesmo, Anteu vunerável arrede dali - resíduos que sobram de mim entre o latente e o que se perdeu. Não vejo ninguém e voo perdido, até que a escritora estadunidense Laura Ingalls Wilder (19867-1957) me saúda com um sorriso: Uma boa risada supera mais dificuldades e dissipa mais nuvens negras do que qualquer outra coisa. Estou começando a entender que são as coisas simples e doces da vida, que são as verdadeiras. Entendo o que fala, mas sei que meu povo teima temores de certo fantasma vermelho que atenta suas vidas e pode se danar pelo precipício. Nada mais bizarro porque não enxergam nada mais além do colorido das vitrines ou imersos nos seus rancores por desejar o ócio da riqueza dos seus sonhos triturados queimando a carne, enquanto singram pela milenar mentira do crucifixo entre as mãos, pedintes de paz que só fazem guerrear porque a escola é a grande vaca reprodutora dos estúpidos que se escondem medrosos com a tela acesa na sala. É só o que veem e não vivem. Eu sei que a vergonha do meu país não é de hoje! Como disse Antônio Cândido: A vergonha do Brasil sobreviveria até em páginas de poetas imortais, como uma de Heine em que o poeta fala no capitão negreiro que deixou trezentos escravos no Rio. É tudo tão deprimente, quando nem me dou conta de cruzar com Michel Laub que me fala: ... sobre o que era ser jovem numa América tomada por corporações, individualismo e falta de perspectivas... Bem que me lembro que me vivi ilhado por tudo isso, nada mais sem graça e os que passam e voltam logo somem nas sombras que se alimentam do meu sangue e não viverei tanto para ver este século 21 seguir à revelia de todos.

 


Duas ou três coisas de nada... – Imagem: Arte de CarybéMas que dia é hoje e nem sei das horas, faz tempo que ontem se repete cabisbaixo por quantos anos de escuridão e incúria. Vivo de acenos esporádicos, quando não abruptos encontros, a exemplo do escritor hondurenho Augusto Monterroso Bonilla (1921-2003) que de longe traz suas dores: Você sofre de uma das doenças mais normais da raça humana: a necessidade de se comunicar com seus pares... Sim? E prossegue: Acredite em si mesmo, mas não tanto; duvide de você, mas nem tanto. Quando você sentir dúvida, acredite; quando você crê, duvide. Nisto reside a única sabedoria verdadeira que pode acompanhar um escritor. Sim, eu sei, e como apareceu, sumiu. Às vezes um ou outro aparece sem novidades, a exemplo de Amos Oz que me dizia baixinho coisas que gritava dentro dele a me surpreender: Às vezes é exatamente a fala tranquila que desperta a ira e a agressão dos opositores... Nossos ancestrais inventaram o sentimento de culpa. Depois vieram os cristãos e fizeram o marketing com um sucesso colossal por todo o mundo. Mas a patente é nossa. Eu, como judeu, tenho sentimentos de culpa terríveis por termos inventado o sentimento de culpa. E mais adiante apenas o canavial de nenhuma esperança. Ele deu-me as costas para que a pesquisadora Izaura Rufino Fischer alertasse: O problema tem raízes na concentração da terra e se expressa de forma diferenciada nos vários recantos do país. Na Zona da Mata de Pernambuco, a cultura própria do latifúndio dá nitidez às desigualdades sociais e ao antagonismo de classes... O que resta de dor, pés no chão, olhar no horizonte, voo sem rota prevista porque a tarde é quase a mesma no calendário.

 


De pés e caminhos... - Imagem: Arte de João Câmara. - O tempo sangra e mais adiante o que poderia ser e não é. Se não tenho onde cair morto, resta penar vida afora, tropeços e falência. A mãe que se foi ainda vive em mim órfão da vida. De um lado pra outro a soberba deselegante, vozes do umbigo e desfile da indiferença. Quase não reconheço ninguém porque tudo é muito estranho e hostil, exceto sorrisos amigáveis e passageiros que logo se vão sem deixar rastro. E se uma ou outra vistosa me chama a atenção, logo fenece pro meu desinteresse. Outra é a Mamie Van Doren: Eu nunca quis ser uma esposa troféu. Eu queria fazer sozinha. Eu não queria depender de um homem... O meu melhor trunfo é o meu cérebro. Sem meu cérebro, não acho que o resto de mim estaria muito quente. Sou solidário e compreendo a milenar imposição patriarcal. Surpresa agradável é dar de cara com a professora e atriz Rita Von Hunty: Precisamos visibilizar os corpos e vozes ainda tão invisíveis... Ao mesmo tempo eu tento quebrar o estereótipo também de que todo professor é homem, branco e pedante. Não existe só um jeito de ser intelectual... Com a possibilidade da morte, podemos criar mecanismos para realizar os próprios desejos, antes que seja tarde demais. E isto pode ser positivo. Ouço dela o eco que povoa minhas ideias insistindo que não temos nada a perder, a não ser quebrar de vez e definitivamente todos os nossos grilhões: não ceder à paralisia do medo nem à tristeza da maldade é o primeiro passo... O que sei é que certeza alguma ditará o que fazer, as dúvidas me fazem respirar e sinto que posso renascer a cada momento. Até mais ver.

 

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domingo, janeiro 30, 2022

V. ALEIXANDRE, AUGUSTINA BESSA-LUÍS, ARMANDO LÔBO & JULIA BONDAR

 

 

TRÍPTICO DQP – Veneno Bento... – Inspirado ao som do recém-lançado álbum homônimo (Projeto Mucambo/CO.MO, 2022), de Armando Lôbo. - Nenhuma pegada e a rodagem sou eu na pisada de quem se perdeu pelas paragens do Catimbau dum sonho de Samico e não sei onde mais as curvas dos ventos. É só a poeira no vestido da mulher com seu manto vermelho, e se eu não sei quem é, segue ao meu lado e meus passos por onde houver caminho. Não sei se a Fera do Sol na seca da minha cabeça de voo matagreste pro litoral, e é para lá talvez o galope porque foi um sonho de Luiza na miragem de Marcela que dançava branca com Isaac no que restou de açude ali e acolá. Ouço o poeta aboiar lá longe para animar o gibão do fantasma vaqueiro que comigo perseguia o regaço no chão batido, como se o lengotengo fosse Romero altivo no que foi Raimundo de Lua&Barbalho e o lamento das horas, porque apagaram as lendas que as nuvens choraram noutro lugar. É só o abismo no dedilhado das violas e se disparo veloz é a voz de Surama que carpe incelenças porque vou subir até satori, onde Sue solfeja com se fosse um coral de fêmeas. Levo aboiado no peito e a disparada segura para driblar tocaias & hybris, morena ou cabocla, a salvação na alquimia da zabumba. Preciso já a garganta seca, se não há veneno bento não há vida, fica tudo incolor até que o diabo apareça no fundo da garrafa com episódios da vida de Block e sirva de unguento para salvar a noite de todos os dias e as coisas tais como são. O gole de nenhum castigo ou recompensa, à custa do que sou, sem engano ou tédio, ouvindo Luís Jardim: O que há de bom em nós é herança da criança que fomos. E as cores são muitas na festa do amanhecer.

 


Todo ápice cambaleia... – Inspirado no livro homônimo e inédito de Vital Corrêa de Araújo. - A beira do abismo é redonda e a poesia em queda livre no que não sabia de Heisenberg: O Universo não é apenas mais estranho do que pensamos, é mais estranho do que podemos pensar. A eternidade é inútil, o infinito é pequeno, quem não desmoronou, quem não soterrado pelas circunstâncias imprevistas. Quando eu vi a equação de Torricelli era a minha maçã de Newton e eu só queria o pomo da imortalidade de Idun, ledo engano. Nem adiantou ter feito o décimo primeiro trabalho de Hércules, as maçãs douradas do Jardim das Hespérides foram escondidas por Afrodite porque sou Sísifo e fadado à queda de Camus. Não sabia que a banana era a musa paradisíaca de Lineu, tudo porque desci ao inferno de Rimbaud como se fosse Galileu no alto da Torre de Pisa. Quanto equívoco e era eu a árvore envenenada de Blake, sonhando com as da Ilha de Avalon onde foi forjada Excalibur. Para quem perdido, só restava a estrofe final da Felicidade do poeta Nobel italiano V. Aleixandre (1898-1984): Canto o céu feliz, o azul que se desponta, / canto a felicidade de amar doces criaturas, / De amar o que nasce sobre as pedras limpas, / agua, flor, folha, sede, lâmina, rio ou vento, / amorosa presença de um dia que sei existe. Precisava desse dia, acaso existisse e talvez o que não sabia, porque me perdi por quantos parágrafos e tantos se opuseram ao que fiz ou deixei de fazer, feitos que nem lembro e imputam o que nada elucida, ah, chutei as evidências centrípetas e os segredos suspensos nos livros, aliás, pus tudo de lado para depois, era só do que me servia, a esperança nos tendões do amanhã.

 


A salvação de Pítia... - Imagem: arte da artista visual ucraniana Julia Bondar. - O que fiz ou deixei de fazer? Mandei meu ego dar uma volta no quarteirão e fui trocar de alma. Sim. A primeira que encontrei foi a dela: a camponesa consagrada pitonisa de Apolo na dança das chamas e eu mais que dionisíaco como se buscasse a árvore Bo entre o nascimento e a morte. Era uma jovem delgada que aspirava um fumo aromático das folhas de louro e da farinha de cevada queimada num altar jamais visto e me fez passar pelo oikis até o adyton que ficava no subsolo, para se agachar na frente de um túmulo no que se podia saber da fonte de Cassotis. Depois do ritual explicou-me que tudo foi feito para oficiar como se eu fosse um deus insular. Logo se entusiasmou só porque fui sorteado pela promancia e consagrou a mim a sua virgindade sob o império de Piton. Era bom para quem errou demais da conta e  me serviu purificada depois dos ritos preparatórios na fonte de Castália que brotou ao pé das Fedríades. Nem deu para piscar o olho e ela logo se arranchou nua com seu sexo no meu a dançar com tremores e convulsões agitadas, enquanto no êxtase dos lábios frases desconexas aravam meu coração e aliviavam o jugo da fatalidade, e temperavam de piedade o frio rigor das velhas leis e ensinavam a não desesperar. Depois do gozo extraordinário, ela me deu o talismã de ônfalo – a pedra sagrada encerrada em uma rede fita de lã branca, o umbigo do mundo. Fiquei maravilhado e lá para as tantas, já saciada de mim, disse-me Augustina Bessa-Luís: Só se pode sentir a evidência das coisas até um certo ponto: além disso, ou nos rebaixamos ou nos aproximamos do sentimento superior que nos liberta. De fato, o verdadeiro estado de liberdade é o de ultrapassar a imaginação. Era a cantiga da nova hora e o universo dentro de mim. E lá fui eu além do tempespaço sem ter que me valer da angústia do amanhã. Até mais ver.

 

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domingo, janeiro 23, 2022

ELLA WILCOX, NOAM GORDON, KELLY VERDANA, TARIK ALI, MORGAN LLYWELYN, JOUBERT & ÁLVARO LINS

 

 

TRÍPTICO DQP – Só a poesia torna a vida suportável...- Ao som do Klavierkonzert nº 20 in d-moll KV 466 - 1. Allegro 2. Romance 3. Rondo: Allegro assai (1785), de Wolfgang Amadeus Mozart, na interpretação da pianista austríaca Ingrid Haebler, com a Klavier London Symphony Orchestra Dirigent: Alceo Galliera – Tempoutros, naveganamnese... Jovem impúbere e o teatro à flor da pele. Andava às tontas até ser encaminhado por Enock Queiroz, Gildásio Santana e Maurício Melo, afora o amável casal Dudu e Léa – esta atriz de muitos palcos -, pra conversar com seu Odyllo da banca de jornal - que era Costa para todos e Ferreira como ator. Sim, dos palcos de Fenelon Barreto e que protagonizou, entre outras peças, o Náufrago do Mafalda. Dele as instruções para melhor conduzir a Adoração que eu queria montar com o Luizinho Barreto. A paciente e dedicada ilustração dele para mim era de suma importância, ouvia-o atentamente, experiência que contava. Tantas vezes a ele recorri para esclarecer esta ou aquela cena, sempre saindo do encontro mais pujante quanto invencível. Depois do malogro da empresa, todos os dias eu pegava o jornal diário e indagava de dona Maria: Cadê seu Odyllo? E de lá de dentro ele se aproximava com um bom dia e troca de algumas ideias: Este o sobrevivente das tragédias! Ele com um meio sorriso, reiterava: Nas peças de Felelon só quem escapava mesmo era Enock que era o ponto e fugia antes do final, senão nem ele saía vivo! Ressuscitado depois de tantas apresentações, guardava ele as boas lembranças de quantas vezes não enlouqueceu em cena, quantos naufrágios, quanto enlutamento e desespero. E a gente se ria contando do sucesso que explodia quando fechava o pano. Era a glória! Os olhos dele chega marejavam. Pois bem, o tempo passou e, dia deste, do inesperado me aparece a conterrânea Odyla Gorette Fronrath em vídeo e fotos. Sim, com o seu Vida aos 50 – Teste os seus limites, enfrente os seus medos e não deixe que nada impeça você de pelo menos tentar. Conversa vai e vem, seu Odyllo? Sim. Nossa, que maravilha! E conversamos um bocado e com ela outra lembrança, um dia que o pai dela me falou do jornalista, advogado e crítico literário da Academia Brasileira de Letras, Álvaro Lins (1912-1970): Durante algum tempo – e ainda hoje em certos meios – a história nada mais significava do que um peso morto, isto é: luxo de erudição, para uns; amontoado de fatos e datas, para outros. Tudo mais ou menos frio e inerte como se o passado fora um outro mundo, uma região estrangeira. Pois há quem não compreenda a verdadeira significação do tempo; neste caso, o que está para trás sendo uma paisagem distante e indiferente. Sim, foi dele que ouvi pela primeira vez o nome do imortal acadêmico caruaruense. E o que dissera me soava como um alerta para os que têm olhos e não veem, ouvidos e não ouvem, só se arrastam e se debatem espíritos rasos e fúteis do ódio e do egoísmo na tagarelice da insipidez do proselitismo, nas tolices de endeusamentos conservadores das religiões e superstições ou dos preconceitos das convicções e das disparatadas panaceias carregadas de recalques e com todo o tipo de restrição disso ou daquilo. Sim, uma advertência para quem bebeu as águas nos infernos de Lete para olvidar do passado inglório da história, como real pusilanimidade, pois se prestar atenção a um detalhe irrecorrível, saberá que, por maior que seja a indiferença, as ninfas das nove noites amantes de Mnemósine estarão sempre em riste. Por isso só a poesia, viva.

 


Menoscabo aos pávidos... Imagens da artista canadense Claire Wilks (1933-2017). - Lá estava eu no meio do Trilema de Epicuro e exumado pelo bombardeio estúpido daqueles do Efeito Dunning-Kruger. Ninguém merece. É como se eu esquecesse o que repetia o escritor estadunidense Noam Gordon (1926-2021): A vida é gloriosa, mas pode ser considerada cruel. Sim, mais do que nunca é preciso sobreviver às bravatas dos insensatos com seus dislates e platitudes! Ouço bem Tarik Ali: Como vivemos nossas vidas não depende, infelizmente, apenas de nós. Circunstâncias, boas ou ruins, intervêm constantemente. Uma pessoa próxima a nós morre. Uma pessoa não tão próxima de nós continua vivendo. Todas essas coisas afetam a forma como vivemos... Afinal, vivemos em um mundo onde as ilusões são sagradas e a verdade, profana. Ah, não! Se os desmiolados esdrúxulos pintam de azul o horror e querem por que querem impor sua bizarrice sobre os telhados e peitos abertos nas calçadas e ruas para contaminar a miséria tenebrosa como se fossem ofertas faustosas, estou careca de saber daquela do moralista francês Joseph Joubert (1754-1824): O medo depende da imaginação; a covardia, do caráter. E muito mais do que fez a poeta estadunidense Ella Wheeler Wilcox (1850-1919): Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes. Para quem acha que não há quem salve a dor da traição, sigo adiante.

 


Truz era o meu verbo... - Imagem da artista visual alemã Silke Host - Quantas quedas, tombos e topadoutras, não herdei sozinho as múltiplas maldições terceiromundistas. Se este é o meu pecado, mantenho-me desobediente! Ao procurar identificar qual o meu verbo, ouvi algo mais ameno e afetivo da enfermeira e professora Kelly Graziani Giacchero Vedana: Se perdoe. Perdoe pela falta de tempo consigo; pelas vezes que disse sim quando deveria ter dito não; perdoe seu passado, você não sabia das coisas que sabe hoje. Não seja severa assim. Você não merece carregar todo esse peso nas costas. Olhe no espelho e diga: eu te perdoo, tudo vai ficar bem daqui para frente. E lá estava eu na InspirAção para melhor ouvir e entender o que me dizia Morgan Llywelyn: A intuição é a voz do espírito dentro de você. O único poder que um homem tem que não pode ser tirado dele é o poder de não fazer nada. Nós nascemos sozinhos e morremos sozinhos, eu aceito isso. Mas por que, Deus, temos que ficar sozinhos no meio? Os corpos se desgastam para nos lembrar que são temporários e nos forçam a pensar mais em nossos espíritos. Sim e se hoje tudo anda em marcha à ré pelas trevas da ignorância maldita, não se pode ficar com um pé atrás: um passo a mais e outro adiante, não há por que nem como se calar. Até mais ver.

 

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