TRÍPTICO DQP:
Leio a vida, sou da rua... - Ao som de Looking
for Smetak (2021 UA), da
violonista, compositora e performer musical Silvia Ocougne. - Meio dia ou
meia noite, tanto faz, tudescurecido & nada vale. Meus passos pelas
calçadas e paredes, aparências de lugarermos pralgures. Quandedia a indiferença
– aqui, ali, acolá só consumo e ganhos, hipnose geral com o glamour das ofertas
e os simulacros das caveiras engravatadas, empaletozadas. Sai da frente: pisadas
no asfalto, óbices, calçamento, gente e o que vier a mais. Quanoite, zanzam pervígeis
fantasmas pelas avenidas e travessas despovoadas. Dentro das casas as pálpebras
voyeurs dão sinal de vida - imóveis e entretidas com telelágrimas, vigílias das
catástrofes do outro lado do mundo, mediocridades. É como
se ao meu lado Susan Neiman insistisse
aos meus ouvidos: O banal não despedaça o
mundo, o compõe. Qualquer ética que precise de religião é má ética, e qualquer
religião que tente fazer isso é má religião. Claro, há muitos de ambos ao redor.
Pras coisas daqui só o asco da indiferença: meninos
sonambulam entre perdidos pela miséria e abatidos à bala ou afugentados da
fortuna. Nenhuma solidariedade, muito menos mão estendida. Não olvido os versos
da saudação natalina de Marie Under:
Sempre penso naqueles que foram
arrancados daqui... / Os céus ressoam com os gritos de sua angústia. / Eu acho
que todos nós somos culpados / do que lhes falta, porque temos comida e cama!
E algo rasga o silêncio, não sei nem adianta
chamar, há sempre quem condene o que se passa por aqui - se um grito murmura tácito,
velado e ecoa, nadianta: todos estão cegos&surdos com a vida nos visores
ligados. Sigo só.
Néstogas:
atos & desatos... - Aindontem
resquícios breves de quase nada: o que era rio restou insepulto, irrespirável. Era
nada mais que o Caudal do Una de Pelópidas uma pingueira insistente e inconciliável, feito palavras
incompreensíveis jogadas na lata de lixo, transbordando pelas imundícies dos
esgotos a ganhar o vento com estranhos vocativos. Parecia mais com o que me
disse o poeta francês Francis Ponge
(1899-1988): Um passo
a mais para nos perdermos e reencontramo-nos. Às vezes, é pela forma como morre
que um homem mostra que era digno de viver. Não era isso que eu
queria ouvir, os caminhos são muitos na encruzilhada das incertezas: sereias
vistosas demais, alvos ocultos e de menos – mais desterros na hora aguda que
abrigo escondido e os olhos a céu aberto. No meio do nada o escritor japonês Shusaku Endō (1923-1996) alertava: Toda fraqueza contém em si uma força.
Pecado é um homem andar brutalmente sobre a vida de outro e ser completamente
alheio às feridas que deixou para trás. E o que fez valer a pena nada mais
inútil: a servidão e o embotamento, enquanto a loucura necessária. Não restam
alternativas, para onde e quando jamais se saberá ao certo. Quem não sentiu a
afiada faca das horas na carne, não tem a mínima noção de viver. Só quem
amou desarmará.
Ela beija o meu dia com o sorriso de Sol... - O
poema dissolvido era poeira reconstituinte em uma das minhas mãos: era a caligrafia
de sangue na pele - a tatuagem de Sei Shonagon nas cenas Greenaway. E tomou
toda palma ampliada na mente, para que ela logo emergisse inteira, olhos
radiantes, braçabertos, como o dia de verdade e carregada de versos do
dramaturgo mexicano Xavier Villaurrutia (1903-1950) por baixo das vestes:
Tudo na noite vive uma dúvida secreta:
silêncio e barulho, tempo e lugar. Amar é prolongar o breve momento de
angústia, ansiedade e tormento em que, enquanto espero, sinto você na sombra de
suspense e delírio. A morte sempre toma a forma do quarto que nos contém. Era
o efêmero e o corpo um palimpsesto. E ela se espalmou na ventania para que eu
pudesse ler nas suas entranhas as mais insólitas revelações da luz e da sombra.
E me ensinou o que devera sobre o que é da vida e o que é da morte. Ao longo do
tempo mais se fez e a mim se deu, até voltar-se Adrienne Rich: E eu pergunto a mim e a você, qual de nossas visões nos
reivindicará, qual reivindicaremos, como continuaremos vivendo, como tocaremos,
o que saberemos, o que diremos um ao outro. O que
dizer melhor silêncio, a barulhada é grande: entopem pulmões e arruínam o que
podiam ser ideias antes já malditas. Vale só o desconforme e todas as tolices
no geral. E era Agnès Varda: Sempre luto contra a estupidez, inclusive a
minha. Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens. Diga apenas o
que tiver pra falar, faça alguma coisa, nunca será tarde demais. E ela sabia
que eu estava mais que perdido no meio daquilo tudo e sorriu para que fosse
feliz, pelo menos, um instante. Ela era o poema inteiro na minha mão. Até mais
ver.
Se a
educação lhe parece cara, não queira saber o preço da ignorância.
Pensamento do advogado e educador estadunidense Derek Bok. Veja mais aqui e aqui.