TRÍPTICO DQP:
Esquinas sou possibilidades - Ao som da Sinfonia em sol menor (1893), de Alberto Nepomuceno,
com a Orquestra Sinfônica
Municipal de Campinas, diretta da Benito Juarez. - Da morte, outra vida – falimos e ressoamos a cada instante. O que
fomos, não mais; o que somos, adiante. Se de um lado, um monturo dos que
sucumbiram nas estatísticas do desgoverno genocida no Fecamepa e da pandemia; do outro, uma porta: fechadaberta, a
contingência. Se do lado de fora, destroços sob o Sol: a cidade terrestre com
todos os pecados – herança do escravagismo e das quarteladas; aqui dentro, uma
vontade imensa de viver – seja como se fosse n’O tratado de harmonia (Unesp. 2002) de Schönberg, ou
como A relação entre o
físico e a moral do homem (Rapports Du Physique Et Du Moral de l'Homme, 1797 - Hachette, 2017), do
fisiologista francês Pierre Cabanis (1757-1808), ou mesmo no meio da The
Voyage to Icaria (Au Bureau du Populaire, 1842),
do filósofo francês Étienne Cabet (1788-1856).
Seja como for, dixit Caio Fernando Abreu: porque o mundo, apesar de redondo, tem muitas
esquinas. E cada um siga seu caminho, atento ou não, escolhas
inevitáveis. Alguns, nesta hora, rompem lacres; outros não. Um aviso do sociólogo Ricardo Antunes n’O privilégio da servidão: o novo proletariado
de serviços na era digital (Boitempo, 2018): Se o mundo atual nos oferece como horizonte imediato o
privilégio da servidão, seu combate e seu impedimento efetivos, então, só serão
possíveis se a humanidade conseguir recuperar o desafio da emancipação. Pelo sim, pelo não, só nos restam as panaceias
de amar e sorrir, o que levará deste mundo. Voo ao sabor dos devires e
esquinas.
O bico do
adeus...– Imagem: Uma quina, duas: para lá ou para cá (AcervoLAM). - A cidade é a ilusão de uma névoa numa quarta-feira de
cinzas, imagens distantes reduzidas à quina de um cubículo no salão onde festas
centenárias para a cura das almas ambulantes foram sepultadas pelas platitudes anquilosas
duma rainha neanderthal: memória apagada, páginas rasgadas, historias
arrancadas e vidas perdidas para nunca mais. Se tudo foi passado a limpo, na
verdade restou a experiência esvaziada: o veneno e o lixo no sangue, para que
tudo se tornasse postiço, haja resiliência. Não
estou falando daquela Cinchona do Mapuche nem da Quila do misterioso Lago Lácar, não nasci do nada, minha senhora, estou do lado que não é visto ou não
se quer enxergar. Quase não ouço Ivonaldo
Porto falar dos Homens de Plástico (Igarapé, 2020): ...Torturas, prisões ilegais, desaparecimentos – as vítima
jamais retornavam ao seio de suas famílias... – eram corriqueiros. Por isso
mesmo, todo o cuidado era pouco. Fazia-se necessário ter cautela quanto a com
quem se relacionar e principalmente quanto ao que proferir... Cenas de um filme que já vi aqui mesmo. Nem deu tempo para que eu
me despedisse dele como Joel Silveira:
Para que saiba
como ando em matéria de amizades, basta dizer que já perdi de vista o meu amigo
mais próximo. A despeito de todo flagelo, foi
um ato de quantas adagas, cimitarras, iatagãs, não, não era hora de haraquiris
coletivos, era ausência de quem esqueceu e demoliu, perdeu-se o que não pode
ser mais guardado: histórias que foram contadas e se esgarçaram na indiferença.
Logo me vi na pele do Emilio Salgari:
A vocês, que se
enriqueceram com a minha pele, mantendo eu e minha família em contínua semi-miséria
ou pior ainda, só peço que em compensação pelos lucros que lhes proporcionei,
cuidem as despesas dos meus funerais. Eu saúdo você quebrando a caneta. Pronto.
Saí de cartaz, outros virão. E se me tornei ensimesmado
por tapumes, gessos, lajes, incomunicabilidade, como se nada tivesse ou fosse
nada, enxotado como um êmbolo emperrado ou fumaça intragável, circunscrito ao
léu da rua, saravá! A festa dos cirenaicos dagora: a estupidez virou moda,
pelas passarelas a história se repete.
Canto &
sou xexéu... - Era aquele
sentimento de quem deposto do que sequer possuía e reduzido à escória dos
corroídos sonhos invertidos, em pleno exílio e imposta penitência. Era de novo
o castigo de quem vivia no céu cantando para Tupã dormir. E só quando a peste
se alastrou pela tribo desci de lá para consolo deles, pousando em cima da oca
central da aldeia para cantar e expulsar todos os malefícios. Assim fiz e se
deu, a tristeza demovida e todos se curaram, graças! Fiquei com eles como se
fosse o protetor da floresta e cuidei de encantar seringueiros,
ribeirinhos, quebradeiras-de-coco, quilombolas e outros no meio de trovões,
relâmpagos, ventos, arco-íris, eclipses. E me trataram como seu eu fosse o dono
daquilo tudo, o rei. E folgado mais brincava, e
protegido fiz pouco caso dos outros, até o inconveniente das
queixas gerais. Foi Câmara Cascudo quem
denunciou: iludiu a sabidíssima raposa que o levava para os filhos. E juntaram
outras façanhas do inadequado. Por causa da
empáfia, a punição: De hoje
em diante, perderás o teu canto e só poderás imitar o canto de outras aves.
Além disso, todos os pássaros hão de te odiar e de te perseguir. Assim e
fui expulso. A minha cidade não existe mais no
voo pelas bordas das várzeas e matas onde posso ser cacique do caribe espanhol,
corcel grego, o preto de Möhring, ou apenas um Passeriformes da Icteridae. Na verdade, Japuíra catando gravetos,
João-conguinho juntando capim pro ninho nas palmeiras. Maribondamigo levou-me
pros seus e me deu guarida lá pelas bandas de Macaco na povoação de Aurora dantanho e pelas mornas terras
dos Campos Frios pude sobreviver remediando as dores – era bonito ver o dia
nascer ali. Hoje não sou só tema das lendas e mitos de Teobaldo Miranda (Nacional, 1985) e o assovio da canção do maestro Waldemar Henrique (1905-1995): Por isso, meu branco eu lhe aviso / Não mate mais Japiim / Anhangá que
zela por ele / Persegue a quem lhe der fim. Sou o que restou do cochicho no trâmite da solidão: desafinado
e sozinho, poligínico papa-banana, onívoro pelos mangueirais urbanos, nenhum despojo
para revolver, bagagem extraviada, a vida qualquer hora depois de zero. Até
mais ver.
A verdadeira
educação consiste em pôr a descoberto ou fazer atualizar o melhor de uma
pessoa. Que livro melhor que o livro da humanidade?
Pensamento
do advogado e fundador do Estado moderno indiano Mohandas Karamchand Gandhi
(1869-1948). Veja mais artigos, resenhas e dicas sobre Educação aqui, aqui,
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