TRÍPTICO DQC: JANELA
DOS SONHOS - Curtindo Pepperland,
song by George Martin from the album
Yellow Submarine (1968), The Beatles. - À janela os meus sonhos
são muitos e vãos no crepúsculo. Estou perdido e diante de um templo repleto de
morcegos sobre a selva cerrada de mandrágoras e papoulas gigantescas. O acesso
é difícil e se parece distanciar o tempo inteiro. As altas muralhas exibem
todas as cores do arco-íris e duas fontes jorram junto aos portões. Onde estou
não sei nem o que fazer diante deste espetáculo. Luciano de Samósata surgiu em meu socorro, esclarecendo ser essa a Ilha dos Sonhos. O templo é da deusa da
Noite e os morcegos são os seus pássaros. Uma das fontes é a do Sono Eterno e,
a outra, a Noite Profunda: nelas a nascente do rio Viajante Noturno. A partir
disso mostrou-me as portas do campo da Indolência pelas quais escapam sonhos
terríveis, homicidas e pecaminosos; outras, como as de chifre, dão para o mar
por onde passam sonhos verdadeiros; das de marfim brotam apenas os falsos
sonhos. Não consegui ver nenhum habitante, mas ele me falou que possuem
diversos aspectos, alguns pequenos, feios e desagradáveis; outros têm asas ou
rostos espantosos. Logo percebi que não só ele, como outros povoavam o meu momento,
a exemplo de um passante que logo reconheci, Fernando Pessoa e me falou: Tenho
em mim todos os sonhos do mundo. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é
esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.
Logo apareceu Goethe: Gosto daquele que sonha o impossível. Ao
lado dele, Edgar Allan Poe: Quem sonha de dia tem consciência de muitas
coisas que escapam a quem sonha só de noite. Em seguida, Marcel Proust: Se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos é sonhar
mais. Mais vale sonharmos a nossa vida do que vivê-la, embora vivê-la seja
também sonhar. Por fim, Che Guevara:
Sonha e serás livre de espírito... Luta e
serás livre na vida. Noite movimentada enquanto me mantive sem pregar os
olhos.
AO PÉ DA BANANEIRA – Imagem: art
by Sandra Filardi - Ao som de Bananeira, de João Donato & Gilberto Gil, na voz belíssima de Bebel Gilberto: Bananeira, não sei / bananeira,
sei lá / a bananeira, sei não / a maneira de ver / bananeira, não sei / bananeira,
sei lá / a bananeira, sei não / isso é lá com você / será / no fundo do quintal
/ quintal do seu olhar / olhar do coração. – Despertei e era ela esvoaçante
na manhã, cantarolava radiante. Surpreso por me encontrar à beira-mar, à sombra
da Musa paradisíaca – Musaceae, a
erva do paraíso, originária da região Indo-malaia e ela sim, sim, ela
tagarelava sobre a pacoveira, dizendo disso e daquilo, de que não é uma árvore,
é uma erva gigante! Como é? Há o mito birmanês do Pyng Hnget, de que ela foi a
primeira fruta que o homem comeu por alimento. Foi? Uma lenda indiana dá conta
de que os antigos sábios descansavam à sua sombra e comiam de seus frutos. Há o
mito chinês da donzela espectral, que faz de tudo para salvar os amantes
separados e que, ao final da empreitada, se torna uma bananeira. Nas histórias
africanas ela está relacionada com fertilidade e parto, incluindo que o
primeiro homem nasceu dela. Em Uganda enterra-se a placenta do recém-nascido ao
pé da bananeira. Há a lenda tailandesa do Nang Tani, um espírito silvestre feminino
dos bosques da lua cheia que vingam as mulheres abusadas e maltratadas e é um fantasma
que habita nas bananeiras não comestíveis, mas que possuem propriedades mágicas
e curativas. No sertão nordestino é corrente que aquele ou aquela que meter uma
faca na bananeira no meio da noite dos festejos juninos, verá o nome do futuro
noivo ou noiva, escrito com as letras tremidas do tanino, conforme registrado
por Câmara Cascudo. E tem a maior!
Qual? Ah, não sabe, né? Não. É que anoitecia e no percurso de um caminho
deserto nas proximidades da Várzea, aqui no Recife, e lá se ouviam temíveis
gemidos femininos. Como é? Um certo dia, alguém deu uma de bravo e resolveu
tirar isso a limpo depois de tomar umas e outras. Espia, só. Lá chegando
constatou entre temores e hostilidades que o tal gemido horripilante era
produzido pela fricção das folhas da figueira-de-adão. Era? Sim, o vento fazia
com que se esfregassem e geravam a horrorosa lamúria. Então, o bicado corajoso
respirou fundo, puxou do facão e cortou a maior folha entre elas, levando-a
como prêmio para todos. Foi uma festa vê-la virar picadinhos. Dali em diante
ninguém mais temeria passar pela localidade. Só que de madrugada, mais que
entupido da carraspana, resolveu o destemido ir pra casa. Chegando lá, se
banhou e ao se deitar se viu enrolado pelo lençol por um braço de mulher
cortado, tal como ocorreu com o corte na folha da pacobeira. Dizem que disso
ele enlouqueceu narrando repetidas vezes a desventura do fato. Eita! A manhã
foi curta e já é meio dia para o alvoroço dela.
A DANÇA DA TARDE - Ao som
de Dança das Cabeças (ECM, 1977), de Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos - Ela entardeceu
dançante e me falou Margaret Atwood ao
arrebol: Na primavera, no final do dia,
você deve cheirar a terra. Eu gostaria de ser o ar que habita você por apenas
um momento. Eu gostaria de ser tão despercebida e necessária. E bailou
rodopiante como se fosse a coreógrafa, performer e bailarina alemã Toula Limnaios, com seu sensual e
transparente vestido encarnado. E seus pés pisaram os meus, suas pernas se
enroscaram às minhas e me espremeu entre suas coxas; sua mão alcançou meu sexo
aprumado ao seu, seu braço envolveu meu tórax, seus lábios às minhas faces, sua
língua revolveu meus sonhos lúbricos, sua boca me tomou por inteiro, seu corpo
é meu e ela dançava nua no meu coração, o nosso galope à beira-mar. E eu festejando nela Gonzaguinha: O galope só é
bom quando é à beira-mar, o galope só é bom quando se pode amar... Até mais
ver.
ASSOMBRAÇÕES & ARTES DE LULA CARDOSO AYRES
A arte do pintor vanguardista, desenhista, cenógrafo e programador visual Lula Cardoso Ayres (1910-1987). Veja mais aqui, aqui e aqui.