TRÍPTICO DQC: BLUE GERSHWIN – Curtindo
o Piano Concerto
in F major (1925), de George Gershwin, com o piano de Yuja Wang
& London Symphony Orchestra (2016) – O dia
amanhece na janela para celebração da vida. O escarcéu do mundo no povo em
polvorosa, nem se dá conta das estatísticas assustadoras, olvidam do genocídio
e tudo como se nada acontecesse. Soletro um poema: Agonizo devagar. Não tenho
nada a dizer, nada, absoluta catarse. Os meus pedaços se perderam de mim no
labirinto da sobriedade de Cage. Devotei meu olhar a reinventar o muro à cabeça.
Criei meu tautócrono com meus versos abstrusos. A loucura me cerca, comunhão. Ah!
Meu tormento Van Gogh, minha solidão Almafuerte, sempre instigado pela
descrença na frivolidade das coisas. Mal terminara de balbuciar meus versos,
recepciono a imagem do filósofo letão Isaiah Berlin (1909-1997): Estamos
condenados a escolher e toda escolha pode acarretar uma perda irreparável.
Tal como aparecera, a sua efígie vai se apagando como se se dissolvesse aos
raios solares. Contemplo o horizonte, a vida é a tônica em todos os lugares,
ainda é possível viver.
A CENA NA COMPLETA ESCURIDÃO - Anoitecia e com a suspensão do
fornecimento de energia elétrica. As sombras ocupavam seus espaços, cada vez
maior a escuridão. De repente na parede oposta passou a rolar uma cena da
comédia em um ato A família e a Festa na
Roça (1840), de Martins Pena,
quando personagem Juca sapecou: Se sabem
que temos só por fortuna um coração amante e sincero, e quanto baste para
viverem duas pessoas honestamente, mas sem luxo, adeus, minhas encomendas. Leva
tudo o diabo. Batem com as janelas na cara, voltam as costas, não respondem...
Ao final da encenação uma voz reiterou: Realmente, estamos fritos! É caso
perdido. Procurei nos quatro cantos, era ela sentada como Sarah Bernhardt: A vida engendra vida.
Energia cria energia. É gastando-se que se enriquece. Levantou-se e deixou
escorrer a cortina na qual estava enrolada e caminhou nua até mim, recitando um
poema de Alda Merini: Se eu repouso, no lento devir / dos olhos, me
detenho / ao excesso feliz das cores: / aqui não temo mais fugas ou fantasias /
mas a "penetração" me anula. / Amo as cores, tempos de um desejo / inquieto,
irresolúvel, vital, / explicação humilde e soberana / dos cósmicos "por
quês" do meu fôlego. / A luz me impele, mas a cor / me atenua, pregando a
impotência / do corpo, belo mas ainda tão terreno. / E é pela cor a que me dou
/ que de repente me lembro do meu aspecto / e, assim, do meu limite. E com
um beijo ela em mim ficou por todas as horas vindouras de nossa afogueada
paixão.
OS TERRORES DA HORA & OS HORRORES HUMANOS - Imagem
da série Helena (2019), do fotógrafo
e professor/orientador, Marcelo Greco
– No meio da madrugada ela despertou e me assustei com sua desolação. Entre lágrimas,
debruçada na cama e sem cobertas, narrou: Era
a madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971. Cerco montado, ela foi levada para
o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador... Liberada no
início de novembro, estava profundamente debilitada em consequência das
torturas sofridas. Internada na clínica Almepe, em Salvador, no dia 4 de
novembro. O estado se agravou com a invasão do major Nilton de Albuquerque
Cerqueira ao seu quarto de hospital. Na presença da sua mãe, ele ameaçou que
parasse com suas frescuras, senão voltaria para o lugar que sabia bem qual era.
Ela foi transferida para o sanatório Bahia e morreu em 14 de novembro, com
sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos quando
foi presa. Fazia o curso secundário e trabalhava como bancária na época em que
passou para a militância. No seu prontuário, constava que não comia, via
pessoas dentro do quarto, sempre homens, soldados, e repetia incessantemente
que ia morrer, que estava ficando roxa. A causa da morte nunca foi conhecida. O
atestado de óbito diz: edema cerebral a esclarecer. Um ano depois sua mãe
Esmeraldina Carvalho Cunha, que denunciou incessantemente a morte da filha como
consequências das torturas, foi encontrada morta em sua casa. Fez um
silêncio tumular e sem se mexer por alguns instantes. Depois de algum tempo
imóvel, virou-se e me disse: Sim, hoje sou Nilda: Nilda Carvalho Cunha
(1954-1971), outra entre as filhas da dor: Izabel, Iara,
Rose, Heleny, Marilena, Helena, Labibe e Alceri. E
me abraçou como nunca, carne trêmula, dores demais. Ao meu ouvido, ela era Malala Yousafzai: Falo não por mim mas por aqueles sem voz... aqueles que lutaram por seus
direitos... Seu direito de viver em paz, seu direito de ser tratado com
dignidade, seu direito à igualdade de oportunidade, o seu direito de ser
educado. E me empurrou para que deitasse sobre mim e lábios rentes aos
meus, mencionou uma célebre frase do escritor panamenho Ricardo Miró (1883-1940): O
país é a memória… Pedaços de vida envolto em pedaços de amor ou dor; a palma
farfalhando, música conhecida, o jardim e sem flores, sem folhas, sem
vegetação. Oh tão pequena que você caber toda todo país sob a sombra da nossa
bandeira: talvez você era tão jovem para que eu pudesse tomar em toda parte dentro
do coração! E com um abraço firme e requisitante se entregou de corpo e
alma para que eu pudesse usufruir da glória que é viver contemplado pelo amor
de quem ama e é amada. Até mais ver.
TEATRO DE AMADORES DE PERNAMBUCO (TAP)
Criado em 1941, por Valdemar de Oliveira, o TAP reúne atores ao redor de um teatro de cultura que passou por diversas fases: a primeira, entre 1941-47, correspondentes aos anos de aprendizagem; a segundam, de 1948-58, concernente à renovação da cena; de 1959-1965, compreendendo a consolidação da cena; de 1966-1976, a ordenação do passado; e a partir de 1977, a cena refletida, montando espetáculos, entre eles, Um sábado em 30, de Luiz Marinho, em 1963. Hoje sediado no Teatro Valdemar de Oliveira, na Boa Vista Recife, apresentou ultimamente o espetáculo virtual E assim caminha a terceira idade, de Amanda Moraes, com atuação de Geninha da Rosa Borges. Veja mais aqui e aqui.