TRÍPTICO DQC: JANELARIRÁ
– Ao som da Freedom Qashoush Symphony, do pianista e compositor
sírio-estadunidense Malek Jandali – Sou raiz arrancada de mato varrido e
solto aos ventos das mil e uma noites
de sonhos à janela. Voos atravessando encruzilhadas de espelhos e pisos falsos,
redomas e armadilhas às quedas de errar e o erro constante, as escolhas mais
difíceis e nenhum atalho, nenhum desconto. Se há um paradoxo, persigo. Até Kurt Gödel nesta hora: Todo erro se deve a fatores externos (como a
emoção e a educação); a razão nunca erra. Logo agora e o que menos
precisava era um paradoxo a mais e a incompletude e o que há de inconsistente. Sou
peixe e escapei de iscas e redes de lagoas e rios, só tenho o corpo, a força do
braço e amor do coração. Encontrei Duília de Melo no meio da noite e era uma estrela iridescente sem poupar minha
desolação: É preciso não desistir e
continuar um dia atrás do outro que uma hora acontece, a estabilidade chega e
cada vez mais a gente vai adicionando conhecimento sobre o universo. Sua voz
é um afago na minha resiliência de pés suspenso pelos descampados e
ribanceiras, como se fosse P. D. James
a me dizer: Não
podemos vivenciar nada além do momento presente, viver em nenhum outro segundo
de tempo, e entender isso é o mais próximo que podemos chegar da vida eterna.
Não simulo os instantes, perdoei
tudo e todos, nenhum ressentimento, nenhuma conta nem pendência. Recito o poema
Desterrado de Manuel Scorza e a vida
larilará.
FALANDO SOZINHO – Imagem: arte da videoartista, pintora e artista
multimídia performática polonesa Anna Kutera,
ao som da Tron Suite (1982), da
compositora e musicista estadunidense Wendy Carlos & London Philharmonic Orchestra. - Só tenho paredes, meu abrigo. Da janela, a lonjura de
tudo. Em mim dias e noites atravessam telhados e aerovias estelares, e me levo
a percorrer o horizonte circundante para além dos limites e me pego como se o
que fui de tão distante mundo afora, era lugar algum além daqui onde me
encontro. Ouço vozes e alertam e anunciam o que não compreendo, estou atento e são
tantas e se confundem com o voo das almas e aves noturnas. Distingo Horácio revelador: Quando a casa do vizinho está pegando fogo, a
minha casa está em perigo. A adversidade desperta em nós capacidades que, em
circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas. E uma vez lançada, a
palavra voa irrevogável. E o silêncio impera mais uma vez e me perco
na escuridão, como se Raduan Nassar
me espreitasse: Há mais força no perdão
do que na ofensa, há mais força no reparo do que no erro. O tempo, o tempo é
versátil, o tempo faz diabruras, o tempo brincava comigo, o tempo se
espreguiçava provocadoramente, era um tempo só de esperas, me guardando na casa
velha por dias inteiros; era um tempo também de sobressaltos, me embaralhando
ruídos, confundindo minhas antenas, me levando a ouvir claramente acenos imaginários,
me despertando com a gravidade de um julgamento mais áspero, eu estou louco! Sim,
acho que estou mesmo enlouquecendo e não tenho mais que um cubículo retangular
para sobreviver e que me priva a oportunidade ser-me para além do outro e algo
mais.
POR UM LUGAR
ESPECIAL – Imagem: arte da poeta, cineasta,
artista conceitual performática polonesa Ewa Partum, ao som da Cantilène pour violon (1990), da compositora suíça Geneviève Calame (1946-1993), na
interpretação da violinista suíça Désirée Pousaz. - Desejo
o seu desejo e ela está distante, por enquanto. Se ela chega e quando o faz, é
festa noitedia. A espera é dolorosa. Subitamente, a porta se abre e ela invade
luminescente com ar de Anita Leocádia
Prestes: Mobilizar
o povo é chave para transformar sociedade. Todas e todos se organizem pelas
suas reivindicações. É na organização popular que a gente faz as coisas mudarem
rumo a uma sociedade melhor. Está inquieta e me beija apressadamente
como quem tem algo de muito importante para fazer. E eu só queria um beijo que
fosse para matar a saudade saneando o possível instante de qualquer diferente
paisagem, onírica e instantânea, e desse descanso ao meu tormento. Ela caminha
pelos quatro cantos como se quisesse dizer algo inexprimível e gesticula
buscando as palavras num esforço gigantesco. Logo se transforma na atriz e
escritora britânica Fanny Kemble
(1809-1893) e passa o texto: Eu quero fazer tudo no
mundo que pode ser feito. Simplicidade é um grande elemento de boa criação. Muitas
causas tendem a tornar bons senhores e amantes tão raros quanto bons servos. As
grandes e rápidas fortunas pelas quais pessoas vulgares e ignorantes se tornam
possuidoras de casas esplêndidas, esplendidamente mobiliadas, não lhes dá, é
claro, os sentimentos e maneiras de gente gentil, ou de qualquer forma
realmente os eleva acima dos criados que empregam, que estão bem cientes desse
fato, e que a posse de riqueza é literalmente a única superioridade que seus
empregadores têm sobre eles. Sua inquietação me comove e me envolvo na sua trama e
somos dois aos motins e barricadas tentando nos salvar de qualquer jeito. Lá
fora, tudo horror e ruína. Não temos tempo para enfrentar tantas adversidades.
Precisamos viver o que nos resta e a nós a vida a passos largos pela entrega de
se amar. Não titubiei, roubei seus lábios e os fiz com ósculos de música
duradoura no seu corpo, meu cenário e moradia, tudo nela, o amor é o que vale. Até
mais ver.
A ARTE DE FLÁVIO GADÊLHA
O retrato, para mim, é uma maneira de entender as pessoas, penetrar a alma, através do olhar, de gestos e posturas. Tem um sentimento que eu quero passar. Assistir às pessoas vendo a pintura, ver o que elas querem passar. Tudo isso eleva a inspiração que eu procuro. Eu gosto de pintar a família, os amigos e também pessoas desconhecidas, que têm características fortes e me inspiram. Quando pinto coisas despercebidas, elas se tornam muito importantes. Queria trazer à luz o descaso, o preconceito e ganância das grandes potências que está levando ao extermínio os povos indígenas.
A arte
do pintor, escultor e gravurista Flávio
Gadêlha, membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste, formado em artes
plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), restaurador do Museu
do Estado de Pernambuco e já participou de exposições internacionais, a exemplo
do Porto, Barcelona, Buenos Aires, Atlanta e Georgia. Veja mais aqui e aqui.