TRÍPTICO DQC: POEMÁTICA – Ao som de Appello - I. Quietly, and with a cruel reverberation -
II. A vague chimera that engulfs the breath - III. ...a perhaps hand (which comes carefully out of Nowhere) -
e.e. cummings - IV. And I remembered the
Cry of the Peacocks - Wallace Stevens, da compositora estadunidense Barbara Kolb, for solo piano, played by
Jay Gottlieb. - A minha solidão de Toulouse: Não era Saint-André-du-Bois, nem Paris, nem Alagoinhanduba. Noite alta madrugada adentro, nenhuma estrela no céu e o
dia amanhecerá logo logo. Sei e ouço lá longe o alvoroço do pau-de-arara
levando os ticoqueiros para o corte da cana. Esse o anúncio de que o dia já se
avizinha. Não sei como eles vivem de safras e entressafras aqui e acolá pelas
estradas sazonais. Sei das famílias penduradas nos morros e eles lá da botada à
pejada, da aurora ao anoitecer, chova ou faça Sol. Ouço pegadas, alguém se
aproxima da janela. É Toulouse-Lautrec:
O amor é uma doença que nos enche com o
desejo de ser desejado. Ah, sim, o
amor, sempre o amor. Sinto o seu ar de Moulin Rouge, um aperto de mão e um
brinde. Não estou escondido em Montmartre, apenas no meu próprio casulo. Não
tenho nenhuma Carmen Gaudin para posar, nem ouvi Yvette Guilbert, nem vi a
dançarina Louise Weber, a La Goulue, nem a Jane Avril. Faço hoje apenas colagens
imitando o que fez de design gráfico e revolucionou os cartazes litográficos
para a Arte Nouveau. Nenhuma
revolução nas minhas pretensões. Toparia tomar o seu Terremoto, embora só me
reste a Teibei! – Deus me livre,
quem é doido, hem? Outro brinde, mudo como chegou assim permaneceu até seguir
pela trilha do horizonte e a solidão é maior que a noite.
O REINO DA LOUCURA – Ao som da Symphonie de Printemps (1986) – 1. Spring – Incantaion, Autum – Poetic, 3. Winter – Unrealistically, 4. Summer
– Finale, da compositora e pianista
francesa Ida Rose Esther Gotkovsky. - Este quarto é a minha prisão. Não sei que horas são, nem
que dia é hoje, perdi a noção de tudo. Ainda é noite na solidão, só o que posso
distinguir à janela. Nenhuma culpa, nenhum crime, se me privo é por conta do
risco, apenas o estar só a esta hora e manter-me vivo, o que importa. Tento sair
e não consigo. É como se estivesse protagonizando o premiado drama de mistério Oldeuboi (2003), o segundo da Trilogia da Vingança, do cineasta sul-coreano Park Chan-wook,
baseado num mangá homônimo japonês, de Nobuaki Minegishi e Garon Tsuchiya. Mas eu
não sou Dae-Su para ser mantido em cativeiro por longos anos num quarto de
hotel e sem qualquer contato com o mundo lá fora. Muito menos tenho uma missão
obsessiva por vingança nem sou acusado de assassinar ninguém, nunca! Longe de
mim o suicídio e não entendo porque seria perseguido pela justiça ou por quem
quer que seja, numa rede de conspiração violenta. Para minha surpresa me chega a atriz sul-coreana Kang Hye-jung que me fala coisas em um
idioma que sou incapaz de entender, repetindo insistentemente Mi-do e se
desnuda aproximando-se sedutora e a me cativar com sua expressiva beleza.
A REDENÇÃO DA CHEGADA DELA – Imagem: arte do escultor dinamarquês Kai
Nielsen (1882–1924). - Chegou com o amanhecer toda
Julieta Venegas de Primer Día. Um beijo ensolarado e já nem
me lembrava do que passei solitário durante toda noite. Dormiu bem? Agora já
nem sei. Quer brincar de quê? De viver. Que tal eu virar uma estátua e você Pigmaleão descobrir em mim a sua Galatéia? E fez poses a se desnudar
cantarolando Andar Conmigo: Dime si tu quisieras andar conmigo, oh-oh-oh
/ Cuéntame si quisieras andar conmigo, oh-oh-oh / Dime si tu quisieras andar
conmigo, oh-oh-oh / Cuéntame si quisieras andar conmigo, oh-oh-oh. Depois de
muito encher o ambiente com seus zis encantos, achegou-se íntima a se esfregar
em mim, ousada, atrevida, deliciosa. Venha! Sou
apenas um Zé, não possuo talento de
artesão, mas hei de amá-la mais e mais para sempre: sou seu; você, minha. E riu
e ria com seus beijos picantes incendiando minha alma e libido. E me disse Arundhati Roy: Nós não pertencemos a nenhum lugar.
Navegamos sem âncora em mares turbulentos. Podemos nunca ter permissão para
desembarcar. Nossas tristezas nunca serão tristes o suficiente. Nossas alegrias
nunca são felizes o suficiente. Nossos sonhos nunca são grandes o suficiente.
Nossas vidas nunca são importantes o suficiente... para importar. Sim, eu
sei. Esta vida é uma passagem, só o amor faz
imortal. Até mais ver.
A ARTE DE NHÔ CABOCLO
Não conheci ninguém, nasci só. Não gosto de coisa de loja. Gosto de trabalhar peça para museu: museu de matuto. Gosto de fazer peça de penas e guerras. É muita luta e o derradeiro a ficar vivo sou eu mesmo.
A arte
do escultor, carpinteiro e sapateiro Nhô
Caboclo (Manuel Fontoura 1910–1976), descendente indígena, representante da
arte popular e explorador de matérias-primas como o barro, a madeira, o metal e
as folhas de flandres, imprimindo em suas obras os sentidos de luta, guerra e
escravidão. Veja mais aqui e aqui.