TRÍPTICO DQC: A
CIDADE É SUA CASA – Vier letzte Lieder: September (As Quatro
Últimas Canções, 1948), do compositor e maestro alemão Richard Strauss, em
parceria com Hermann Hesse: O jardim está de luto. / A chuva
cai fria sobre as flores. / O verão estremece em silêncio, / aguardando o seu
fim. / Douradas, folha após folha caem / do alto pé de acácia. / O verão sorri,
surpreso e lânguido, / no sonho moribundo do jardim. / Muito tempo ainda junto
às rosas / ele se detém, aspirando ao repouso. / Lentamente ele fecha / seus
olhos cansados. Interpretação da
soprano operística alemã Melanie Diener, Konzert zum Neuen
Jahr 2006 aus dem Festspielhaus Baden-Baden. SWR- Sinfonieorchester
Baden-Baden und Freiburg. Leitender
Dirigent Sylvain Cambreling. -- De um lado, o ascendente dado íngreme de casos
com mortos e infectados pela pandemia; e de outro, o alvoroço eleitoral e do
consumo, indiferente ao risco de contaminação. Além do mais, A praga do voto vendido grassa, o Voto Moral já escasso sucumbe aos
fanatismos religiosos e às supremacias caprichosas dos estibados prepotentes.
Diante da minha perplexidade, surgiu ao meu lado Susan Brownell Anthony: Quando um homem me diz:
“Vamos trabalhar juntos na grande causa que você empreendeu, e deixe-me ser seu
companheiro e auxiliar, pois a admiro mais do que jamais admirei qualquer outra
mulher”, então direi: “Eu sou sinceramente”; mas ele deve me pedir para ser seu
igual, não seu escravo. Eu oro a cada momento da minha vida; não de joelhos,
mas com meu trabalho. Minha oração é para elevar as mulheres à igualdade com os
homens. Trabalho e adoração são um comigo. A verdadeira república: os homens,
os seus direitos e nada mais: as mulheres, os seus direitos e nada menos.
Independência é felicidade. Mais diria não fosse sua indignação com um
enfrentamento machista e homofóbico na esquina. Inacreditável como o
desrespeito gratuito é tão comum às relações humanas, não se emendam. Eis que Michael Ende me surpreende: Pessoas sem
esperança são fáceis de controlar. Há muitas coisas que não se aprendem só
pensando, é preciso vivê-las. Ao seu lado Robert Musil asseverou: Não
há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para
todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. Fechando a roda, Robert Louis Stevenson pigarreou: Não peço riquezas nem esperanças, nem amor,
nem um amigo que me compreenda. Tudo o que eu peço é um céu sobre mim e um caminho
a meus pés. Diante do estranhamento dos demais com a sua fala, ele arrematou:
A época mais obscura
é hoje. A política é talvez a única profissão para a qual se pensa que não é
precisa nenhuma preparação. Ah, tá. Realmente, entre o monstro e o
médico, quem escapa se a multidão é sempre pelo cômodo atalho e, se possível, de
mão beijada, iniciativa alguma que dê trabalho, ora. Ninguém leva em conta que
a cidade é sua casa, a qualquer um a concessão de governá-la.
DA NOITE & O ESPETÁCULO DA VIDA - Imagem:
Carimbagem – Base (2004), performance
de Luana Veiga e Ticiano Monteiro no ateliê do grupo Transição Listrada. - Deixei os convidados soltarem
suas tiradas e fui tomar ar no janelão. Percebi a chegada dela, ar enigmático e
som do balanço do gelo no drinque à mão, olhar perdido no horizonte anoitecido.
Reticente, ela citou Damon Galgut: No final você fica sempre mais atormentado
pelo que não fez do que pelo que fez, ações já realizadas sempre podem ser
racionalizadas com o tempo, o ato negligenciado pode ter mudado o mundo. Vi-a
insegura, transpirando certo nervosismo contido. Tomou um gole e deu-me o copo,
saiu sem se despedir. Tomei um gole e logo ela voltava e se despia, sentando-se
no chão e começando a carimbá-lo. Era como se sentisse o corpo no ritmo da
contagem aos lábios e bem baixinho... Cento e noventa e um, cento e noventa e
dois, cento e noventa e três... Acompanhando o seu ritmo pelas paredes e teto,
fui me despindo e me deitei na trilha que ela havia feito no assoalho, sem me
mover. Ela e a contagem, uma a uma, até deixar o quarto repleto e carimbar-se
por inteiro e depois por toda minha pele... Três mil setecentos e vinte e
quatro... Percebi que estava exausta, mais de três horas na sua empreitada...
Suava, cansada, recarimbando tudo, a ela e a mim, até deitar-se colada ao meu
corpo, completamente extenuada.
TUDO É DELA - Imagem: arte do artista
austríaco Arnulf Rainer. Ao som da Sonata Fantasy nº 2 Op 19, de Scriabin, com Valentina Lisitsa. – Abandonados ali por
longo tempo, ela me disse que se sentia como o dia em que leu O simbolismo do corpo humano: da árvore da vida ao
esquema corporal (Pensamento, 1984), da escritora francesa Annick
de Souzenelle e mencionou um
trecho: O verbo hebraico conhecer é
aquele que Moisés empregava para se referir ao conhecimento que o homem faz da
mulher. O conhecimento é um casamento, uma união entre o a ser conhecido e o conhecedor.
O conhecimento é amor. Virou-se pro meu lado e me abraçou com um
beijo profundamente ardente. Senti sua carne estremecer sobre a minha e
comungamos o prazer de um ósculo transcendental que me completava, eletrizando
todo o meu corpo. E depois ela rolou e já eu sobre ela acomodando-se para que
eu a possuísse completamente a se ajeitar por inteiro em mim e eu nela, o
prazer extremo. Alcançamos o ápice do orgasmo e a nos beijar insaciavelmente.
Foi então que ela me disse: Sabia que eu amo essa nossa liberdade? Hum, hum! E
recitou Manoel de Barros: Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou
água que corre entre pedras - liberdade caça jeito. Sou livre para o silêncio
das formas e das cores. E nos beijamos para amar até que os dias e as
noites se confundissem e nos dessem uma noção do que é a eternidade. Até mais
ver.
REYNALDO FONSECA
Faço desenhos pequenos – mas na proporção – e, depois, levo para a tela.
A arte do muralista e ilustrador Reynaldo Fonseca
(1925-2019), foi professor catedrático de desenho artístico na
Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos
fundadores da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), associação que propunha
a ruptura com o sistema acadêmico de ensino. Veja mais aqui e aqui.