sexta-feira, novembro 13, 2020

DAMON GALGUT, ANNICK DE SOUZENELLE, SUSAN BROWNELL ANTHONY, MELANIE DIENER, ARNULF RAINER, REYNALDO FONSECA & TRANSIÇÃO LISTRADA

 

TRÍPTICO DQC: A CIDADE É SUA CASA – Vier letzte Lieder: September (As Quatro Últimas Canções, 1948), do compositor e maestro alemão Richard Strauss, em parceria com Hermann Hesse: O jardim está de luto. / A chuva cai fria sobre as flores. / O verão estremece em silêncio, / aguardando o seu fim. / Douradas, folha após folha caem / do alto pé de acácia. / O verão sorri, surpreso e lânguido, / no sonho moribundo do jardim. / Muito tempo ainda junto às rosas / ele se detém, aspirando ao repouso. / Lentamente ele fecha / seus olhos cansados. Interpretação da soprano operística alemã Melanie Diener, Konzert zum Neuen Jahr 2006 aus dem Festspielhaus Baden-Baden. SWR- Sinfonieorchester Baden-Baden und Freiburg. Leitender Dirigent Sylvain Cambreling. -- De um lado, o ascendente dado íngreme de casos com mortos e infectados pela pandemia; e de outro, o alvoroço eleitoral e do consumo, indiferente ao risco de contaminação. Além do mais, A praga do voto vendido grassa, o Voto Moral já escasso sucumbe aos fanatismos religiosos e às supremacias caprichosas dos estibados prepotentes. Diante da minha perplexidade, surgiu ao meu lado Susan Brownell Anthony: Quando um homem me diz: “Vamos trabalhar juntos na grande causa que você empreendeu, e deixe-me ser seu companheiro e auxiliar, pois a admiro mais do que jamais admirei qualquer outra mulher”, então direi: “Eu sou sinceramente”; mas ele deve me pedir para ser seu igual, não seu escravo. Eu oro a cada momento da minha vida; não de joelhos, mas com meu trabalho. Minha oração é para elevar as mulheres à igualdade com os homens. Trabalho e adoração são um comigo. A verdadeira república: os homens, os seus direitos e nada mais: as mulheres, os seus direitos e nada menos. Independência é felicidade. Mais diria não fosse sua indignação com um enfrentamento machista e homofóbico na esquina. Inacreditável como o desrespeito gratuito é tão comum às relações humanas, não se emendam. Eis que Michael Ende me surpreende: Pessoas sem esperança são fáceis de controlar. Há muitas coisas que não se aprendem só pensando, é preciso vivê-las. Ao seu lado Robert Musil asseverou: Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. Fechando a roda, Robert Louis Stevenson pigarreou: Não peço riquezas nem esperanças, nem amor, nem um amigo que me compreenda. Tudo o que eu peço é um céu sobre mim e um caminho a meus pés. Diante do estranhamento dos demais com a sua fala, ele arrematou: A época mais obscura é hoje. A política é talvez a única profissão para a qual se pensa que não é precisa nenhuma preparação. Ah, tá. Realmente, entre o monstro e o médico, quem escapa se a multidão é sempre pelo cômodo atalho e, se possível, de mão beijada, iniciativa alguma que dê trabalho, ora. Ninguém leva em conta que a cidade é sua casa, a qualquer um a concessão de governá-la.

 


DA NOITE & O ESPETÁCULO DA VIDA - Imagem: Carimbagem – Base (2004), performance de Luana Veiga e Ticiano Monteiro no ateliê do grupo Transição Listrada. - Deixei os convidados soltarem suas tiradas e fui tomar ar no janelão. Percebi a chegada dela, ar enigmático e som do balanço do gelo no drinque à mão, olhar perdido no horizonte anoitecido. Reticente, ela citou Damon Galgut: No final você fica sempre mais atormentado pelo que não fez do que pelo que fez, ações já realizadas sempre podem ser racionalizadas com o tempo, o ato negligenciado pode ter mudado o mundo. Vi-a insegura, transpirando certo nervosismo contido. Tomou um gole e deu-me o copo, saiu sem se despedir. Tomei um gole e logo ela voltava e se despia, sentando-se no chão e começando a carimbá-lo. Era como se sentisse o corpo no ritmo da contagem aos lábios e bem baixinho... Cento e noventa e um, cento e noventa e dois, cento e noventa e três... Acompanhando o seu ritmo pelas paredes e teto, fui me despindo e me deitei na trilha que ela havia feito no assoalho, sem me mover. Ela e a contagem, uma a uma, até deixar o quarto repleto e carimbar-se por inteiro e depois por toda minha pele... Três mil setecentos e vinte e quatro... Percebi que estava exausta, mais de três horas na sua empreitada... Suava, cansada, recarimbando tudo, a ela e a mim, até deitar-se colada ao meu corpo, completamente extenuada.

 


TUDO É DELA - Imagem: arte do artista austríaco Arnulf Rainer. Ao som da Sonata Fantasy nº 2 Op 19, de Scriabin, com Valentina Lisitsa. – Abandonados ali por longo tempo, ela me disse que se sentia como o dia em que leu O simbolismo do corpo humano: da árvore da vida ao esquema corporal (Pensamento, 1984), da escritora francesa Annick de Souzenelle e mencionou um trecho: O verbo hebraico conhecer é aquele que Moisés empregava para se referir ao conhecimento que o homem faz da mulher. O conhecimento é um casamento, uma união entre o a ser conhecido e o conhecedor. O conhecimento é amor. Virou-se pro meu lado e me abraçou com um beijo profundamente ardente. Senti sua carne estremecer sobre a minha e comungamos o prazer de um ósculo transcendental que me completava, eletrizando todo o meu corpo. E depois ela rolou e já eu sobre ela acomodando-se para que eu a possuísse completamente a se ajeitar por inteiro em mim e eu nela, o prazer extremo. Alcançamos o ápice do orgasmo e a nos beijar insaciavelmente. Foi então que ela me disse: Sabia que eu amo essa nossa liberdade? Hum, hum! E recitou Manoel de Barros: Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito. Sou livre para o silêncio das formas e das cores. E nos beijamos para amar até que os dias e as noites se confundissem e nos dessem uma noção do que é a eternidade. Até mais ver.

 

REYNALDO FONSECA

Faço desenhos pequenos – mas na proporção – e, depois, levo para a tela.

A arte do muralista e ilustrador Reynaldo Fonseca (1925-2019), foi professor catedrático de desenho artístico na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos fundadores da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), associação que propunha a ruptura com o sistema acadêmico de ensino. Veja mais aqui e aqui.