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segunda-feira, julho 15, 2024

MÓNICA OJEDA, BORA CHUNG, AZA NJERI & DÉBORA LAÍS FERRAZ

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos concertos Nights from the Alhambra (2007), A Mediterranean Odyssey (2010), Troubadours On The Rhine (2012) e os álbuns The Wind That Shakes the Barley (2010) e Lost Souls (2018), da cantora, compositora, pianista e harpista canadense Loreena McKennitt.

 

MONÓLOGOUTRO: E SE VIU O RIO & O QUE ALÉM MAIS HAVIA... – Horoutrera: aqui ninguém escutava e o eco do que nunca dissera trocava a noite pelo dia. Havia qualquer coisa de perdido à espera da sinistra surpresa. O que mais me aconteceria na vida... Tirava forças da fraqueza e era quase inútil, mas era uma chance, quem sabe. Quantos futuros e a fulminação pelas oitavadas dores. Dava de cara com os abortados vivos zanzando encarcerados em suas bolhas exclusivas. Escapava de quantos assaltos, até o nocaute previsível a qualquer momento entre vindicações e platitudes. Havia de aparecer sutil sinal. E do imprevisível dava fé da minha própria sombra: era uma mulher e não me foi arredia, tal Phoebe Mary Waller-Bridge: Comecei lendo como uma fuga, depois como uma tarefa, depois como um hábito e depois como um luxo. Só agora percebi que isso é uma necessidade... Era como ensinasse o inexpresso visinvisível, a me dar ciência num poema escrito na palma da mão, de que sou não mais que inominômino, um alcunha para nada mais. A bom termo, não sei: quem, quando, como, onde agora, aporias, estases e devires. Indagações outras desfeitas no instante, o primeiro talvez e apenas a perspicácia de ser antes do já anterior e o depois. Ela era Espido Freire: Se você vive de acordo com a sua consciência, a fé não é tão importante... Todo livro tem que quebrar o silêncio... E não estava só porque ela me levou pelos túneis solares de Nancy Holt. Seguia seus passos e pernas bem torneadas – toda mulher é uma deusa, sabia! Muito depois ela me disse que fora uma aberração escravizada e fugira de atrações circenses, coisa escandalosa da população inteira em polvorosa nos poleiros entupidos das sessões reprisadas três vezes ao dia. Inacreditável! Então, empunhou um poema sem face e recitou escondendo sua fisionomia. Era como se me desse um olho de tamburutaca e nele espelhos duplicassem as imagens refletidas e a promessa do infinito. Era a prova dos nove. E disse-me Nathalie Sarraute: Acho que é muito doloroso e que é melhor não ter dúvidas. Invejo quem não tem; eu os invejo muito. Eles são pessoas felizes... Horaquela achegou-se como a explosão de Betelgeuse, tão diurna na sua pujante vitalidade, e refratária ensinou-me o beijo para quem às amarguras; se se perdeu, o abraço; aos suicidas, o apoio; em desgraça, o afeto. E dei meus olhos ao primeiro cego; minha esperança, ao suicida; o meu suor, ao emergencial enfermo; e os ossos, aos tocadores da primeira orquestra. O meu sorriso guardei para ela ali noturna, com seus olhos bíblicos de vivos faróis. Baixou as pálpebras que depuseram a terna tristeza de quem já serviu de pajem para histriões. Era como se restasse apenas o agora e ofertou seus pulsos à hora inadiável e seus mil e um encantos eclodiram ubíquos. Sorriu-me tímida e abriu as coxas para atravessá-las e nela eu amanheci, muito chovi e fiz sol, entardeci e, quando findou o dia, anoiteci pelas paisagens de sua imensidão corpórea. Até mais ver.

 

CRÂNIO – CRÂNIO = X

Imagem: Acervo ArtLAM.

Desconhecido na linguagem dos mortos. \ Poema nulo. \ Ouvi dizer que você cavalga nas cabeças das Fúrias \ e você foge \ e mancha os terrenos baldios de leite coalhado \ meu leite coagulado \ e eles bebem e te dão luz \ uma caveira com canhões prateados apontando para meu peito \ conjunto de trilhas elétricas e membranas salgadas \ fio-mãe de navalhas \ mãe abutre cinerário \ Os três lambem as gengivas sob o limiar quente dos teus rins em flor: \ Eles têm cascos e abrem caminho desde os rios gástricos até os milharais. \ Eles se espalham pela Via Láctea montando em você. \ Eles urinam nas orelhas dos dentes que se desprendem para oeste. \ “Mãe e filha é uma antinomia”, \ a clarividência subaquática do seu trinômio perfeito de cães canta para você \ e você repete ao sul de sua debandada: \ “Mãe e filha são uma antinomia \ com pernas e cabelos de tarântula \ em uma gaiola de gelo vazia.” \ Seu cabelo queima como elefantes marciais cruzando os desertos \ babuíno zibelina \ casca de peixe aéreo. \ Você quer minha carne no seu leite terrível \ cozinhando na alta temperatura dos furacões \ (Escolas de esperma do deus morto \ povoar acima das águas galácticas do norte). \ Eu tremo nos abrigos derrubados pela sua barriga de baleia em histeria \ Esplanada \ Maddrácula dos mausoléus \ As cabeças das Fúrias sorriem tortuosamente para o sangue, \ rígida sob as coxas do galgo e a escultura perfeita do tórax; \ Eles querem me cozinhar no seu néctar de hera vencido, \ forçar o leite dos fígados para dentro de mim através do sulco celestial de suas primeiras manhãs. \ Espigas de dentes descascam e mordem meus restos imóveis à medida que passam. \ Eu me escondo entre as peles dos vertebrados \ e transformo meu corpo em um saco de penas \ que surge fresco entre os fêmures selvagens. \ Mãe e filha são uma antinomia. \ Uma caveira desgastada observa meu sinal nu: \ todo tipo de fuga termina \ nas cavidades profundas \ de um animal morto.

Poema da escritora equatoriana Mónica Ojeda Franco, autora das obras La desfiguración Silva (Prêmio Alba Narrativa, 2014), Nefando (Candaya, 2016), e O ciclo das pedras (Rastro de la Iguana, 2015).

 

COELHO AMALDIÇOADO – [...] Depois que você passa por um trauma terrível e entende o mundo de uma perspectiva extrema, é difícil superar essa perspectiva. Porque a sua própria sobrevivência depende disso. [...] Se eu pudesse fazer um desejo, quero ser um pouco mais feliz Se eu ficar muito feliz sentirei falta da tristeza [...] Para algumas pessoas, suas vidas são governadas por um evento chocante que repercute em seus instintos de sobrevivência. A vida se reduz a uma armadilha feita de um momento brilhante do passado, uma armadilha onde repetem incessantemente aquele momento singular em que tinham mais certeza de estar vivos. Esse momento é curto, mas muito depois de ter passado, os bons e os maus momentos escorregam como areia por entre os dedos enquanto se repetem sem sentido e confirmam a sua sobrevivência. [...] A vida é uma série de problemas. Principalmente quando se é casado e tem família. Porque mesmo quando você consegue evitar os problemas do mundo exterior e voltar para casa em segurança, sua família está lá esperando com um conjunto totalmente diferente de problemas próprios. [...]. Trechos extraídos da obra Cursed Bunny (Honford Star, 2021), da premiada escritora e tradutora sul-coreana Bora Chung.

 

ÉTICA, FILOSOFIA, GÊNERO & RAÇA - Para o sujeito negro, viver é o seu maior ato de afronta... Eu encho meus filhos de amor para que, quando eu me tornar ancestral, seja merecedora de seu respeito e reverência e possa, assim, zelar diretamente por eles e pela minha descendência... Pensamento da filósofa Aza Njeri (Viviane Moraes), que na obra Amor: um Ato Político-Poético - Ética e filosofia: gênero, raça e diversidade cultural (Fi, 2020), expressa que: [...] Nosso maior Ato Político-Poético é amar. Como já abordado neste ensaio, não o Amor alienante ocidental, mas as pluriformas possíveis de Outridade no amar. É libertador, para nós, o “Outro”, perceber que Amor não é o conto de fadas das adormecidas e abobalhadas princesas europeias à procura de um patife que passou a vida inteira sendo servido por mulheres como eu; nem volúpia sexual, que faz com que se fique três dias e três noites entregues aos “desejos da carne”; não tem coraçõezinhos pulsando, nem canção, muito menos loucura insana e mortal. [...] Compreender que não existe verdade única que determina uma experiência universal una dentro de um mosaico plural que é a Humanidade. O Amor, portanto, pode ser entendido a partir de uma pluriversalidade de cosmovisões, e neste artigo, busquei sulear minhas reflexões, para pensar o Amor enquanto energia fundante de movimento, necessária para a luta dos oprimidos no Ocidente. Longe de querer destituir o Ocidente para impor uma verdade afroperspectivada universal, ao contrário, almejei nessa discussão o diálogo que aponta para a necessidade do Outro falar e experienciar diversas formas de amar que estejam mais em sintonia com sua experiência no mundo que é atravessada pelo Presságio do Abismo, Monstro do Genocídio e pela fratura banzística de insílio. [...]. Já no seu texto Imprevisibilidade da Vida (Coletivo Indra, 2021), ela expressa que: [...] uma das minhas piores características é ser controladora. Gosto de ser organizada e ter controle sobre minhas pesquisas, aulas, vídeos, família, casa, Vida. Tenho consciência dessa amarra e trabalho diariamente para me desapegar e entender que viver é uma experiência radical e imprevisível.  Nesses 36 anos recém-completados, aprendi a necessidade dos três S: Solaridade, Sabedoria e Silêncio. Com eles, exercito a minha vitalidade atenta diante das peripécias do viver. Setembro foi um mês de muitas reviravoltas. Cíclico e potente, me chacoalhou dizendo: você não tem controle. Então sigo repetindo, sem controle da Vida, que Viver é um ato de afronta fundamental para resistir à desgraça coletiva do Brasil. Vou vivendo-sendo. Organizada, mas ainda impotente. Atenta e resiliente. Saúdo a Primavera, plantando girassóis solares no peito de cada um. [...].

 

ENQUANTO DEUS NÃO ESTÁ OLHANDO...

[...] Eu era incapaz de chegar a um lugar e dizer o que queria. Sempre envolvida pelas possibilidades de estar querendo—ou acreditando querer—a coisa errada. Sempre que eu ia a uma lanchonete com meu pai, eu precisava ver o cardápio inteiro, todas as vitrines de bolos, ponderando, desesperadamente, sobre as opções. Ele sempre se impacientava com isso. Em lanchonetes, ele caminhava decidido ao balcão e, sem perguntar o que serviam, sem ter em mãos o cardápio, pedia: Um misto quente e um café. Ele não se preocupava com as opções. E por que deveria? Eu é que tive opções demais na vida. Ele, não. Ele sabia o que queria. Adaptou-se ao fato de que qualquer birosca ofereceria misto quente e café. Ele teve uma só possibilidade. [...] Pessoas assim nunca vão crescer, de fato. Pensei, desanimada, sobre minha própria incompetência para uma vida adulta [...].

Trecho extraído da obra Enquanto deus não está olhando (Record, 2014), da escritora e jornalista, Débora Laís Ferraz, autora de obras como Os anjos (2003) e o conto O filhote de terremoto (Prêmio SESC de Contos Machado de Assis em 2012), adaptado para o cinema pelo curta-metragem Catástrofe (2012), dirigido por Gian Orsini. Veja mais aqui.

 

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segunda-feira, outubro 19, 2020

MIGUEL ASTURIAS, LAURA PERRUDIN, FANNIE HURST, NATHALIE SARRAUTE, ANTÓNIO OLE, MESTRE BARACHO, CAFUNÉ & LEILA DINIZ

 

TRÍPTICO DQC: SEGUNDA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – Não estou morto e respirei aliviado. Veio o sol e não sei nada, nem me eternizo. Não tenho ninguém para ficar comigo a esta hora e as pessoas patéticas e tolas, saíram para não sei quê nem onde: fabricam sonhos nas ruas. Os barulhos indômitos refazem a cidade de pernas pro ar. Sorrio e choro, lavando o destino. Nenhuma ressurreição no tempo: o sisifismo louco dos dias e a contagem regressiva das horas. Coabita comigo as imagens de ontem e a migração dos ponteiros no corrimão tortuoso da manhã. Ademais, me deprimo com tudo isso: tudo no espelho. Não estou morto e respirei aliviado com o amanhecer.

 


DOIS CAFUNÉS & O INFERNO DO MUNDO É O MAIOR PARAÍSO!!!! - Imagem: curtindo os álbuns Impressões (Volatinos, 2015), Venenos & antídotos (Volatinos, 2017) & Perspectives & Avatars (Laurent Carrier, 2020), da cantora, musicista, compositora, harpista, autora e produtora francesa, Laura Perrudin. - Solitário em Stonehenge, não sabia como havia chegado ali. Dedilho outsider a lira a herança do inominável e a perseguição incomunicável da bestialização dos desmemoriados a me esboroar dia a dia. Demolido estou e nem me importo, faço perguntas, não tenho respostas. Prefiro insolente de tudo cantarolar: Eu adoro uma iaiá, / que quando está de maré, / me chama, muito em segredo, / pra me dar seu cafuné. / Abre o cabelo de banda, / dá-me quatro cafuné / raiva de homem não dura / pra mansidão de mulher. / Não sei que jeito ela tem / no revolver dos dedinhos, / qu’eu fecho os olhos, suspiro / quando sinto os estalinhos. Ouvi um riso agradável. Quem? Dela só a pergunta: Cafuné? Em resposta àqueles olhos lindos, citei O médio São Francisco: uma sociedade de pastores guerreiros (Brasiliana/CEN/INL, 1983), do ensaísta, jornalista e escritor Wilson Lins (1919-20014): o cafuné bem catado pelos dedos lerdos da mucama quente, influem poderosamente no perfil psicológico do homem rural, refletindo na sua vida doméstica e explicando a sua tendência para viver o mais possível dentro de casa. Ela lindamente mais se ria a repetir: Cafuné? Sim? Nome engraçado, poético. Expliquei com mais detalhes, ao que ela, aparência de Fannie Hurst na capa da Esquina do Pecado (Record, 1958), a me dizer Nathalie Sarraute: A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível. Como é que se aplica? Demonstrei e ela deitou minha cabeça no seu colo: Assim? Sim. Como dizia musa imortal Leila Diniz: Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco. Ah, se nunca acabasse, tudo seria festa. Eu sei, amanhã é outro dia e não mais.

 


TRÊS PALAVRAS & UMA ESPERANÇA - Imagem: a arte do artista visual, cineasta e multiartista angolano António Ole – O quarto, a distopia e o mundo devastado. Invisíveis ocupam meu espaço, isso eu sei, afora fantasmas resilientes que povoam minha loucura e os indiferentes passantes que sequer sabem que flagro uma barata pelos cantos e uma aranha tece da quina do teto, haja vista sejam meus adoráveis inquilinos, aliás, sei que outros de ultradimensões ou sei lá povoam meus espaços, todos convidados para o banquete da minha solidão. É muito melhor sentir assim do que sem fazer nada como se carregasse pedras num labor inútil. Um gafanhoto voou de um lado para outro e todos os cantos do quarto. Enfim, era uma Esperança, pousou ao meu ombro e o milagre aconteceu na voz de Miguel Ángel Asturias: Seja de que forma a vida te trate, à medida que o tempo vai passando tens sempre a sensação que perdeste a vida no próprio ato de a viver. Que maravilha! Fiquei feliz com o inusitado. Sei, não estou recluso ao meu quarto por medo de morrer, nada disso, para não disseminar nem contaminar os outros. A sindemia pulverizada no meu rumo, vou assim mesmo. Para outroutras, se eu morresse agorinha mesmo, já iria tarde. Voo. Até mais ver.

 

A ARTE DE MESTRE BARACHO

Essa ciranda quem me deu foi Lia / Que mora na ilha / de Itamaracá. 

Ó cirandeiro / cirandeiro ó/ a pedra do seu anel/ brilha mais do que o sol...

Formiga come do que carrega, / lá não deu pra mim, / eu inventei outra ideia.

Agora fico bem satisfeito porque morro, mas meu nome fica na história como o rei sem coroa.

A arte de um dos ícones da cultura popular pernambucana, Antonio Baracho da Silva (1907-1988), o Mestre Baracho, o Rei da Ciranda & o Mestre de Maracatu. Veja mais aqui & aqui.

 


 


terça-feira, outubro 22, 2019

DORIS LESSING, NATHALIE SARRAUTE, NELSON PEREIRA DOS SANTOS, FRANCISCO DOS SANTOS & PINTANDO NA PRAÇA


DOS IDOS & ACONTECIDOS - UMA: SERÁ QUE VAI CHOVER HOJE? - De manhãzinha, DuCoice olhou pro céu ensolarado e indagou sinal chuva. Boko-Moko que tinha sempre uma ideia de tudo, ia passando, ouviu e disse: Eu não ouvi o Amana-manha não! Quem? 1º de janeiro caiu pé-d’água? E eu sei, cara! 12 de fevereiro caiu toró? Sei lá, doido! Se aguou novembro, é mau sinal! Vixe? A porta da casa do João-de-barro tá pro nascente ou poente? Quem lá sabe, meu Deus! Tá um calorzão, para garoar tem que contrariar o santo, senão vamos morrer tudo enturido! Pronto, endoidou, o que tem a ver uma coisa com outra? Rapaz, o negócio tá feio! Que foi? O pencó tá solto em Brasília! Como assim? Você tá aonde, hem, meu filho, o Brasil todo está de pernas pro ar e você nem aí. Hem? O Brasil só não, o Chile, o Equador, Líbano, Hong Kong, Haiti, Catalunha, Iraque... Hum!? Só sei que para empiorar caiu um avião e periga chover meteoros! Santa Bárbara, pelamordedeus! Só Jesuis na causa, meu! DOIS: BOLO DO ANEL – Enquanto isso, as anjas da morte, Teté & Loló peiticavam para dar fim ao caritó. O que a gente faz, mulher? Ninguém quer servir de enfeite para vassoura, né? Vamos fazer a corrida do anel! Eita, é mesmo! E foi o maior puxa-encolha: chamaram a patota das vitalinas, cada uma mais devota que a outra, com suas figas, galhos de arruda, azeviche, escapulários, terços, pés-de-coelho, trevos, carântulas, veneras, nôminas – isso escondido nas mãos apertadas, pendurados no pescoço, costurado nos cós das saias, escondido no sutiã e por aí vai –, tudo para o culto antonino. Treze dias, elas lá: orações de joelhos, preces devotadas, ao pé da letra com as trezenas e a recitação do responso. Entre elas o maior cochichado: Quem será a sortuda que achará o anel do bolo, hem? TRÊS, A SAIDEIRA: O PRINCESO DELA – No ano passado a sortuda foi a Dinha! Quem? A Decildita, mulher! Hum? Aquela irmã daquele que a casa caiu em cima! Ah, sim, que foi que houve? Foi ela que no ano passado ganhou a corrida do anel e um princeso apareceu! Ah, eu já sei, mas aquele traste é lá príncipe, mulher! Oxe, ele é todo jeitosão! Meu marido mesmo disse que aquilo vivia comendo coração de anum pensando nela e depois ficava atocaiando ela aparecer, pegava o bico da ave comida e esfregava no chão por onde ela passasse. Anum? Sim, senhora. E o que tem? É pra ela ficar doida de paixão por ele, é tiro e queda, minha filha! É mesmo? É. E funciona? Você mesma disse que ela foi a sortuda e, na verdade, não era, né? Por quê? Aquilo lá é um aru! Vôte, que é que é isso, hem? Um sapo peba desses que vira gente arrumada só pra buscar a mãe da mandioca que mora nas cabeceiras do rio, só para visitar roçado e mais nada, some para nunca mais. Danou-se! Você tem visto o sujeito por aí? Coitada, anjo não tem costas mesmo! E vamos aprumar a conversa, gente! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] À tarde elas saíam juntas, levavam a vida das mulheres. Ah! Como aquela vida era incrível! Iam aos "chás", comiam doces que escolhiam com delicadeza e certo ar de gula: bombas de chocolate, bolinhos e tortas. O ambiente era como um viveiro barulhento, caloroso, alegremente iluminado e decorado. Elas ficavam lá, sentadas, apertadas em volta de suas mesinhas, e falavam. Havia, em volta delas, um clima de excitação, de animação, uma leve inquietação cheia de felicidade, a lembrança de uma escolha difícil, sobre a qual ainda tinham dúvidas (aquilo combinaria com o tailleur azul e cinza?, mas claro, ficaria maravilhoso), a perspectiva de uma metamorfose, de uma evidência súbita de suas personalidades, de um brilho. Elas, elas, elas, elas, sempre elas, vorazes, barulhentas e delicadas. O rosto delas parecia marcado por alguma tensão interior, seus olhos indiferentes deslizavam sobre a aparência, sobre a máscara das coisas, analisavam-na por um instante (aquilo era bonito ou feio?), depois deixavam-na cair novamente. E os disfarces davam a elas um brilho duro, um frescor sem vida. Elas iam aos chás. Ficavam lá, sentadas durante horas, enquanto tardes inteiras desapareciam. [...] Sempre disseram a elas coisas daquele tipo. Elas sempre ouviram falar de coisas assim, elas sabiam: os sentimentos, o amor, a vida, eram essas suas especialidades. Isso lhes pertencia. E elas falavam, incessantemente, repetindo e girando as mesmas coisas, depois girando-as novamente, de um lado, depois do outro, moldando-as, moldando-as, enrolando sem parar entre os dedos aquela matéria ingrata e pobre que tinham extraído de suas vidas (aquilo que elas chamavam de "vida", suas especialidades), moldando essa matéria, esticando-a, enrolando-a, até que ela não passasse de um montinho entre seus dedos, uma pequenina bola cinza. [...]. Trechos extraídos da obra Tropismos (Luna Parque, 2017), da escritora e advogada francesa Nathalie Sarraute (Natacha Tcherniak - 1900-1999). Veja mais aqui.

O CINEMA DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS
O cinema brasileiro, hoje, é tematicamente plural e expressa identidades regionais diversas.
NELSON PEREIRA DOS SANTOS – Já publicado diversas vezes por aqui, a trajetória do cineasta Nelson Pereira dos Santos (1928-2018) compreende desde a sua incursão na área com o curta-metragem de 1949, Juventude, até os documentários A música segundo Tom Jobim e A luz do Tom, ambos de 2012, passando por Mandacaru vermelho (1961), Boca de Ouro (1962), Vidas secas (1963), Tenda dos milagres (1977), Memórias do cárcere (1984), Jubiabá (1987), A terceira margem do rio (1994), Brasília 18% (2004), entre tantos outros. Ele foi o primeiro cineasta a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e foi homenageado in memoriam na cerimônia do Oscar 2019. Confira mais aqui, aqui & aqui.

A ESCULTURA DE FRANCISCO DOS SANTOS
A arte do escultor e pintor português Francisco dos Santos (1878-1930). Veja mais aqui.

A OBRA DE DORIS LESSING
Tudo o que você deve fazer, faça agora. As condições são sempre impossíveis.
A obra da escritora britânica Doris Lessing (1919-2013) aqui, aqui, aqui & aqui.
&
PINTANDO NA PRAÇA
Veja detalhes aqui & aqui.


segunda-feira, julho 18, 2016

NATHALIE SARRAUTE, GALINA USTVOLSKAYA, EMMELINE PARNKHURST, SARAH GRAVON, TAKASHI AMANO, CAREY MULLIGAN, MAXIMILIEN DE WALDECK, CHABAS & ZAKARELLA


NÃO ERA PRA SER, NEM FOI – Quando Getulídio terminou o segundo grau, os pais deles bancaram a faculdade na capital pra ele ser gente na vida. Dos sosnhos deles, queriam dele doutor, ou médico, ou engenheiro, ou advogado. Nem ele sabia bem o que queria da vida. Mas foi. Foram cinco anos empunhando bandeiras da moçada, botando em dia a solidariedade com protestos em nome da democracia e da dignidade. Sentia-se cidadão do mundo engajado socialmente na luta por um país melhor. Aí fez pedágio, campanhas, passeatas, motins, barricadas, tudo combatendo o neoliberalismo, a desregulamentação, a injustiça, a privatização, a pobreza, a flexibilização, o diabo a quatro e o escambau. Fez coro com sem-teto, sem-terra, sem-saúde, sem-educação, sem-segurança; ingressou nos exercícios pra luta armada, guerrilhas e fez trocentas revoluções sem sair do lugar. A cada cervejada a comemoração da tomada do poder; no outro dia a ressaca do lema de que a luta continua. Finalmente se formou e teve que se embecar pro trampo, estava graduado pra vida, tudo seria diferente. E não foi. Ganhar dinheiro não é fácil, tinha mais é que ralar, se firmar como profissional de respeito, agora com anel no dedo. Depois de muito insistir, não deu. Voltou pra terrinha bacharel, mãos na cabeça mais que esfarrapado, morto de vergonha e pronto pra retornar pro útero do seio familiar. Precisava cuidar da vida, do bem-estar; tinha que se arrumar de forma individual, vez que o coletivo não dava sustento, nem vingava pra nada. Abriu mão de todas as ideologias ao perceber que não era igreja pra viver de caridade. Encarou, assim, de resolver seus próprios problemas, pros outros que viesse outro salvador. Tudo resolvido: reassumiu os negócios da família, maior comodidade, patrão sem ter que ralar. Pra quem não era nada, agora era o chefe do comando: trocou o direito pelo privilégio. Logo esqueceu o passado, dos cinco anos ralando com as mãos abanando. Ideais de estudante no pretérito, agora nas fileiras do empresariado seguindo a cartilha de chover-no-molhado, botar o Brasil pra frente que ninguém vai dar mais jeito, como está tudo perdido, não ia ser ele o mártir do futuro. Melhor deixar rolar e seja lá o que Deus quiser. Não era pra ser, nem foi. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

 Imagem: a arte do pintor e ilustrador francês Paul-Émile Chabas (1869-1937).


Curtindo o álbum Piano Sonata (ECM Records, 2014), da compositora russa Galina Ustvolskaya (1919-2006). Veja mais aqui.

PESQUISA:
Nature Aquarium Wordl & Aquarium Plant Paradise, do fotógrafo, designer e aquariofilista japonês Takashi Amano (1954-2015).

LEITURA

Um poeta não é, como a gente acredita, aquele que sabe melhor do que os outros enxergar a terra e o céu, escutar o barulho do mar, no chilrar das nascentes e dos pássaros, um poeta, você será um, meu pequeno amigo – as peças tocam, ela o cumprimenta baixinho – um poeta, dizem que é verdade, é aquele que sabe fabricar um poema com palavras.
Trecho extraído da obra Entre la vie et la mort (Gallimard, 1968), da escritora francesa Nathalie Sarraute (1900-1999), autora dosdos movimentos tropísticos, definidos por ela mesma como os movimentos que resvalam da consciência por serem ínfimos, mas que estão na origem dos gestos e, sobretudo, das palavras. Ela os define como movimentos interiores que só podem ser recuperados pela escrita num trabalho de reflexão posterior ao da experiência desses movimentos, que são anteriores às palavras.

PENSAMENTO DO DIA: 
Nós não queremos quebrar as leis. Nós queremos fazer as leis.
Frase da sufragista & ativista inglesa Emmeline Parnkhurst (1858-1928), que inspirou o longametragem As Sufragistas (2015), dirigido pela cineasta Sarah Gravon, um grito por representatividade inspirado no movimento sufragista do final do século XIX e início do XX, na Inglaterra, retratando a vida de um grupo de mulheres que resistia à opressão de forma passiva, sendo ridicularizadas e ignoradas pelos homens. A partir do momento em que começam a encarar uma crescente agressão da polícia, elas decidem se rebelar publicamente, reivindicando os direitos da mulher e a luta por sua dignidade. Destaque para a atuação da atriz inglesa Carey Mulligan.

IMAGEM DO DIA: 
Zakarella, a heroína dos quadrinhos criada pelo pintor e ilustrador português Carlos Alberto Santos.

Veja mais sobre Claude Debussy, Thomas Kuhn, Yevgeny Yevtushenko, Sandrine Piau, Tristan Corbière, Leilah Assumpção, Eric Rohmer, Hyacinthe Rigaud, Marie-Christine Barrault, Françoise Fabian, Vittorio Polidori & New Erotic Photography aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA

Gravuras do cartógrafo, explorador, artista e antiquário francês Jean-Frédéric Maximilien de Waldeck (1766 - 1875).
Veja aqui e aqui.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
Veja aqui e aqui.



YŌKO TAWADA, BRENÉ BROWN, ALEYDA QUEVEDO ROJAS & JESSICA MARTINS

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som da obra multimovimento Sarojini (2022), da compositora, etnomusicóloga e vocalista estadunidense Shruth...