TRÍPTICO DQC: SEGUNDA FEIRA, O TRÂMITE DA
SOLIDÃO – Não estou morto e respirei aliviado. Veio o sol e não sei
nada, nem me eternizo. Não tenho ninguém para ficar comigo a esta hora e as
pessoas patéticas e tolas, saíram para não sei quê nem onde: fabricam sonhos
nas ruas. Os barulhos indômitos refazem a cidade de pernas pro ar. Sorrio e
choro, lavando o destino. Nenhuma ressurreição no tempo: o sisifismo louco dos
dias e a contagem regressiva das horas. Coabita comigo as imagens de ontem e a
migração dos ponteiros no corrimão tortuoso da manhã. Ademais, me deprimo com
tudo isso: tudo no espelho. Não estou morto e respirei aliviado com o
amanhecer.
DOIS CAFUNÉS & O INFERNO DO MUNDO É O MAIOR PARAÍSO!!!! - Imagem:
curtindo os álbuns Impressões
(Volatinos, 2015), Venenos &
antídotos (Volatinos, 2017) & Perspectives
& Avatars (Laurent Carrier, 2020), da cantora, musicista, compositora, harpista,
autora e produtora francesa, Laura
Perrudin. - Solitário em Stonehenge,
não sabia como havia chegado ali. Dedilho outsider
a lira a herança do inominável e a perseguição incomunicável da bestialização dos
desmemoriados a me esboroar dia a dia. Demolido estou e nem me importo, faço
perguntas, não tenho respostas. Prefiro insolente de tudo cantarolar: Eu adoro uma iaiá, / que quando está de
maré, / me chama, muito em segredo, / pra me dar seu cafuné. / Abre o cabelo de
banda, / dá-me quatro cafuné / raiva de homem não dura / pra mansidão de
mulher. / Não sei que jeito ela tem / no revolver dos dedinhos, / qu’eu fecho
os olhos, suspiro / quando sinto os estalinhos. Ouvi um riso agradável. Quem?
Dela só a pergunta: Cafuné? Em resposta àqueles olhos lindos, citei O médio São Francisco: uma sociedade de pastores
guerreiros (Brasiliana/CEN/INL, 1983), do ensaísta, jornalista e escritor Wilson Lins (1919-20014): o cafuné bem catado pelos
dedos lerdos da mucama quente, influem poderosamente no perfil psicológico do homem
rural, refletindo na sua vida doméstica e explicando a sua tendência para viver
o mais possível dentro de casa. Ela lindamente
mais se ria a repetir: Cafuné? Sim? Nome engraçado, poético. Expliquei com mais
detalhes, ao que ela, aparência de Fannie
Hurst na capa da Esquina do Pecado
(Record, 1958), a me dizer Nathalie Sarraute: A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisível. Como é que se
aplica? Demonstrei e ela deitou minha cabeça no seu colo: Assim? Sim. Como dizia
musa imortal Leila Diniz: Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até
de macaco. Ah, se nunca acabasse, tudo seria festa. Eu sei, amanhã é outro
dia e não mais.
TRÊS PALAVRAS & UMA ESPERANÇA - Imagem: a arte do
artista visual, cineasta e multiartista angolano António Ole – O quarto, a distopia e o mundo devastado. Invisíveis ocupam
meu espaço, isso eu sei, afora fantasmas resilientes que povoam minha loucura e
os indiferentes passantes que sequer sabem que flagro uma barata pelos cantos e
uma aranha tece da quina do teto, haja vista sejam meus adoráveis inquilinos,
aliás, sei que outros de ultradimensões ou sei lá povoam meus espaços, todos convidados
para o banquete da minha solidão. É muito melhor sentir assim do que sem fazer
nada como se carregasse pedras num labor inútil. Um gafanhoto voou de um lado
para outro e todos os cantos do quarto. Enfim, era uma Esperança, pousou ao meu
ombro e o milagre aconteceu na voz de Miguel Ángel Asturias: Seja de que forma a
vida te trate, à medida que o tempo vai passando tens sempre a sensação que
perdeste a vida no próprio ato de a viver. Que maravilha! Fiquei feliz com
o inusitado. Sei, não estou recluso ao meu quarto por medo de morrer, nada
disso, para não disseminar nem contaminar os outros. A sindemia pulverizada no
meu rumo, vou assim mesmo. Para outroutras, se eu morresse agorinha mesmo, já
iria tarde. Voo. Até mais ver.
A ARTE DE MESTRE BARACHO
Essa ciranda quem me deu foi Lia / Que mora na ilha / de Itamaracá.
Ó cirandeiro / cirandeiro ó/ a pedra do seu anel/ brilha mais do que o sol...
Formiga come do que carrega, / lá não deu pra mim, / eu
inventei outra ideia.
Agora fico bem satisfeito porque morro, mas meu nome
fica na história como o rei sem coroa.
A arte
de um dos ícones da cultura popular pernambucana, Antonio Baracho da Silva (1907-1988),
o Mestre Baracho, o Rei da Ciranda
& o Mestre de Maracatu. Veja mais aqui & aqui.