sexta-feira, outubro 30, 2020

POUND, TESLA, VALÉRY, LOÏS JONES, ROSANA PAULINO & DELANO

 

TRÍPTICO DQC: BODAS DE SANGUE - Eu me disse sim, me disse assim, me disse sim mais de mil vezes no meu sacrário que não se pode ultrajar. Noutra hora, ainda os demônios da noite no tempo e todos os dias no pêndulo e as batidas do meu coração, a repugnância pela maledicência e o meu cordão umbilical no ninho das enfermidades da boceta de Pandora. Oh não! Estou pro que der e sucederá. E tantas vezes fui ao encontro do amor, padecendo à custa de avassaladora paixão. Tantas vezes desfalcado pelo amor, vento algum recusará que me faz falta e até maltrata o bem-querer e o querer-bem. Tantas vezes fui ao encontro do amor e por isso sete vezes perdoei para poder fugir duma prisão pelo sortilégio do amor, setenta vezes ousei amar e busquei uma meizinha do estrume de Jauaraicica para me curar de paixão profunda e proibida, setecentas vezes amei com um pensamento vivo de que tudo transcende este universo absoluto, sete mil vezes amarei para que exista a paz de Isaías em nosso estado e lugar. O amor me deu e só o amor levará tudo na vontade de viver errante por todos os continentes, na minha eterna gratidão à habitação dos vivos e dos mortos.

 


CONFIDÊNCIAS DE ARREPENDIMENTOS & INCERTEZAS - Imagens: Série Assentamento (2013), da artista visual, educadora, gravurista e curadora Rosana Paulino. – A noite alongada nas horas. Ela rasga a clausura com sua intempestiva invasão tagarela sobre os arrependimentos da Bronnie Ware: Vivo a vida como sou, nem sou escrava de trabalhar; sou cristalina quanto aos meus sentimentos e feliz dentro do possível; não tenho amigos, os perdi pelas muitas faces emotivas do tempo. Sim? Só tenho a mim, o melhor que posso fazer. Além do mais, um país que elege um Coisonário com seus ministros bestas quadradas, não é digno nem de estar no mapa, porque o povo que elege um traste desse presidente não é mais um país nem nação nem nada: é o reino da excrescência humana. A morte está instalada pelo incomunicável, irrespirável, se não medíocre, fútil. Ah, esse o Fecamepa, disse-lhe. Inquieta, fitou-me com desdém e vociferou: Não preciso viver, não faço parte disso, sou ex-humana. E desaforada saiu porta afora sem se despedir. Voltei às leituras, não conseguia concatenar o que lia nem o que ela havia dito. Ah, fiz um esforço tremendo para focar no que lia. Nada, dali um tempo ela atravessava o quarto com uma frase em riste do cientista e inventor austríaco Nikola Tesla (1856-1943): A maioria das pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que está totalmente alheia ao que está acontecendo em si. E manteve-se agitada, visivelmente atordoada. Estendi-lhe a mão e preferiu ficar zanzando pelos quatro cantos, agitando as mãos, estalando os dedos, mordendo os lábios, olhava para algum lugar incerto sem parar quieta e imersa em seus pensamentos. Rente à porta ela me encarou e mandou o recado com Paul Valéry: O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser. O homem enfeita-se com a sua sorte. Veio até mim, beijou-me as faces enquanto visualizava o espetáculo dos seus seios solto no decote, lambeu-me os lábios com um ósculo carregado de luxúria e saiu com um aceno amável de quem voltaria não se sabe quando: Volto já.

 


É NELA QUE TUDO GIRA – Imagem: da artista visual, professora, ilustradora e designer de estampas afro-americana Loïs Mailou Jones (1905-1998) - Sou sobrevivente na emboscada do desgoverno, a solidão cada vez mais aguda e em voz alta não me ouvia. O chão se moveu e cada parede uma porta tagarela até o teto obscurecido, a me dizer do que fiz e deixei de fazer – uma tela de cinema em cada pálpebra. Olho pros lados e só tenho brechas, frestras: um algoz desconhecido na maior pachorra sobrevoa meus sonhos e por toda a minha andadura como quem põe em prática o justiçamento da minha reputação. Cônscio de haver pago por tudo, voo aonde meus pés me levam sem ter que dever nada, porque não me resta mais nada além do desemprego, do desamor, dos desentendimentos, desgoverno e sindemia geral. Sozinho, não há porquê vacilar ou sofrer: o sagrado só ocorre ao anoitecer, é quando dói mais fundo e a palavra é alma. Longe o amanhecer. Sei, tudo é vivo de dia: muitas coisas para prestar atenção. Só se esquece do que não mais vive. Velhas vozes relembram e dá vida aos esquecidos para remoer remorsos e revides. Subitamente ela surge do nada na voz da poeta britânica Adelaide Anne Procter (1825-1864): Nunca é tarde demais para ser aquilo que sempre se desejou ser. E me beija ardentemente vestido esvoaçante e minhas mãos por sua pele nua, o meu sexo no seu, a vida real. Aperta-me contra o seu corpo já seminu e manhosa recita Ezra Pound em meu ouvido: Faça forte os velhos sonhos para que nosso mundo não perca a esperança. Sim, sim. Outro beijo e adia a dor, a solidão, o perigo e o extermínio para depois. Agora sou eu que giro em tudo que é dela e nela. Até mais ver.

 

A ARTE DE DELANO

Eu gosto mesmo é de pintar. A selvageria também tem sua expressividade. O desenho é fundamental.

A arte do pintor, desenhista e gravador, Delano - Flanklin Delano de França e Silva (1945-2010), foi ilustrador do Jornal da Tarde, participou de diversas mostras coletivas pelo Brasil afora, integrou o Ateliê + 10, em Olinda, e participou da criação da Oficina Guaianases de Gravura. Veja mais aqui & aqui.


 


 

PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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