terça-feira, outubro 20, 2020

RIMBAUD, ELFRIEDE JELINEK, ZHANG YIMOU, NENÊ CAVALCANTI & DEMÉTRIO ALBUQUERQUE


 

TRÍPTICO DQC: TERÇA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – Toda noite ali na minha visão esquálida de poeta amotinado, vou sozinho cortejando a vida na catarse de Gismonti. Todas as noites tal como o mar que nunca dorme, a perseguir um grande amor, voo todas as noites no cálice da agonia onírica dos casais dançando no menir do navio e seus namorados contornando o dólmen das fadas. E eu vou só a remover do labirinto febril a meio caminho da loucura. Todas as noites ali no meio da lua cheia que é tão fêmea eu vou sozinho e voo. Ah, como é tão imprudente semear o insopitável amor perdido que a esta hora é tão pernicioso e não se pode evitar nem repelir, ah eu vou sozinho e voo. Ah, todas as noites nesta longa noite longa onde é maior a solidão - um cobertor de inefável sonho, vou sozinho e voo. Ah! Quantos sonhos eu vi acabar e valeram iludir por que não sei agora nem de mim nem de nada, muito menos de mésons, de pobres rhesus, não sei nada da cidade perdida de Nko, no meio da selva africana, onde feiticeiros mortos reencarnam no corpo de gorilas amestrados, vou sozinho, pra quê exceder às necessidades coletivas, não sei, não sei nada e vou sozinho qual neurótico homo faber a renunciar da vida e pra que viver se vou sozinho e voo só. Ah! Como eu vivo sonhando no interior das aberrações de Fellini sigo itinerante e só amaldiçoado e só por amor e é por este desejo que passo as noites em claro todas as noites nesta noite e vou só pelo inventário de quem sorri, na vigilância de quem ama, na insônia de amar.

 


O LUGAR DOS SONHOS VOADORES – Imagem: cena do drama histórico-romântico Shi mian mai fu (2004), do cineasta, roteirista e produtor chinês, Zhang Yimou. – Do meu quarto o cenário incerto. Apenas era dia e eu não sabia: o banho da guerreira cega Mei, cobiçada pela paixão de dois soldados na missão de captura a um líder do clã das adagas voadoras. O encanto dela ao lavar-se, eu entretido. Naquele mesmo e instante, uma mão pousou ao meu ombro, virei-me e era a surpreendente presença da atriz Zhang Ziyi. Como podia? Ela sorriu docemente e me disse: Vamos para Cocaigne. Hem? Para onde? Ah, saber de mesmo, só muito mais tarde ao ter às mãos o volume de Jurgen, A Comedy of Justice (1919 - Prabhat Prakashan, 2017), do escritor estadunidense James Branch Cabell (1879-1958): Ilha situada adiante de Sargyll, reino de Anaitis, conhecida como Dama do Lago, suposta filha do sol e parente da lua. Ela viaja muito, demonstrando especial interesse em tirar os ascetas da trilha espiritual que conduz à canonização. Diz a lenda que o tempo adormeceu na ilha na hora mais agradável do dia e na estação mais prazerosa do ano e pode ser visto numa ampulheta de cristal guardada numa pequena câmara azul do palácio. Há somente uma lei nesse reino insular: “Faze o que parece bom para ti”. Nada muda jamais em Cocaigne e a vida é um fluxo interminável de prazeres curiosos. Não há arrependimento. Curiosa circunstância que relevei pela singular companhia. Chegando lá, providenciou que eu fosse logo levado à biblioteca, sabia da minha preferência por livros. A recepcionista explicou: contém registros de tudo o que o homem inventou em relação a prazer, bem como manuscritos raros de Astyanassa, Elephantisis e Satades. Podem-se ver uma coleção de fórmulas dionisíacas e um quadro de posturas eróticas. Dois volumes únicos, A litania do centro das delícias e As trinta-e-duas satisfações, são o orgulho da biblioteca. Dei-me por feliz, livros aos montes, prateleiras cheias, estantes muitas, volumes folheados, do tempo passar e nem me dar conta. Fui surpreendido ao anoitecer, ela reapareceu e me contou sobre o costume do lugar: Os convidados de Cocaigne são levados para uma sala branca com placas de cobre nas paredes. Ali são banhados por quatro moças que lhes fazem carícias estonteantes com suas línguas, unhas, cabelos e mamilos. Depois são untados com quatro óleos diferentes e vestidos, para então degustar as comidas típicas da ilha: ovos, grãos de cevada, pães vermelhos triangulares e romãs, acompanhadas de vinho misturado com mel. Assim foi e me regalei além da conta. À ceia, apenas eu e ela vestida por uma túnica transparente. Jantar concluído, duas serviçais que pareciam nipônicas, de mim se ocuparam para conduzir-me à alcova. Aboletado no leito, retiraram minhas vestes e deram início a um ritual com massagem estranha: uma aos meus pés e, a outra, à cabeça; e trocavam de lugar, deslizando os dedos em minha pele, demorando cada qual em fricções carinhosas no meu sexo logo enrijecido para que, a cada volta, tateassem combinando que uma entre elas tivesse vez à felação, como se competissem em se mostrar a melhor em me proporcionar prazer. Só solfejavam uma música desconhecida, ambas excitadas com a disputa. No auge da rivalidade, eis que ela adentrou levitando, dispensou as serviçais, abriu a túnica que escorreu por seu corpo nu abaixo e se aproximou com um beijo ardente e eterno.

 


VOO ONÍRICO DA INESQUECÍVEL PAIXÃO - - Imagem: a arte da escultora Nenê Cavalcanti (Maria das Neves Cavalcanti Moreira), que já participou de inúmeras exposições com as suas obras originais. – Daqueles olhos, toda ventura; daquela boca, tentação; daquele corpo, o meu refúgio e ela ubíqua, onipresente, presença inconfundível, nenhuma distância regulamentar, precipitado por seu regato, obstinado em sua emanação. Ela, então, no meio da noite, Elfriede Jelinek: O amor aponta a direção. O desejo é seu conselheiro ignorante. Atração descontrolada, aos seus pés, sabia-me vulnerável, rendido ao amor. Rimbaud que dissesse noutras horas: É preciso reinventar o amor, toda a gente sabe. Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens. A vida é uma farsa que toda a gente se vê obrigada a representar. Ali eu que me desinventasse se pudesse e nela a minha própria reconstrução. Se eu tivesse que me safar de alguma coisa, teria que ser impune dos feitiços dela, o que jamais me passou pela cabeça, nem nunca quisesse. Sou-me nela o tanto que sou. Até mais ver.

 

A ARTE DE DEMÉTRIO ALBUQUERQUE

Não basta você só fazer arte, você tem que colocá-la bem, mostrá-la.

A arte do premiado arquiteto, escultor e pintor Demétrio Albuquerque, autor do monumento Tortura Nunca Mais, residiu no Japão para desenvolver a arte da cerâmica Yakimono e possui seu ateliê em Olinda. Veja mais aqui & aqui.

  



PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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