TRÍPTICO DQC: PALÁVORA METAFÁBULA - Estradafora passadopasso futuronde errânbulos
vidoutráfego. Realizarpar precisora, adivinhanando portabertas &
realsonhalizar velacesa desertormentas. Volvouver, voltainda, vamboramanhã,
desdontem jagora! Feridoída, saravento. Dylan Thomas: A bola
que lancei quando brincava no parque ainda não tocou o chão. A
lição de Graciliano Ramos: É o processo que adoto: extraio dos
acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. E faço e refaço, torno a
refazer, sempre. O que foi e o que irá: todos. O que não
me mata me faz viver. O que não me atiça não me falta nem existe. Quem não tem
audácia não vive. Quem não se arrepende não faz.
A SEREIA DA LOROTA - Imagem: Art Deco handmade Sculpture nude beauty
Mermaid Bronze copper Statue. - Depois do Pipoco da porra, da paixonite do besouro doido, da presepada com a culpa no cartório e das emboanças
malsucedidas no Big Shit Bôbras,
Robimagaiver havia desaparecido fazia tempo e, de repente, deu as caras para lá
de lívido e às carreiras. Que foi que houve? Escapei fedendo! Como assim?
Arfante, não dizia coisa com nexo. Aí Zé Corninho sapecou: Esse cabra mente que o cu apita! Todos concordaram e
juntando curioso ao redor dele, só de mutuca para apurar a pinoia. Foi de
mesmo, cara! A gente já saca tua pacutia, fidapeste! Foi mesmo! Vai-te! Vou contar.
Então, conta. Seguinte: uma reboculosa daquelas que não é pro meu bico, sei o
trampo que carrego, meu carrinho de mão e coisa e tal, e pelo jeito ela deu
mole! Espia só: o sujeito juízo curto, mulher bonita, só dá merda! E deu. Passo
o rodo, caiu na rede é peixe. E era. Foi só me abestalhar nuns xambregos bons e
ineivados e lá pras tantas findar na beira do rio. Pega aqui, pega acolá. Nem
aí, depois do sarro era a hora do vamos ver e ela timbungou, tirou a roupa e
ficou só me atiçando. Sou lá de refugar na horagá, desvesti tudo num mergulho
só. Dali a pouco no meio dos agarrados e umbigadas, um peixão passou pela
batata da perna: Tem peixe grande na área! E ela se ria toda não me toques e
vem e vai. Passou de novo, pelo volume, vôte, é dos grandões. Tá doido, quero
lá ser devorado por jacaré ou sei lá o quê, pulei fora. Oxe, ela danou-se a
cantar e a vista escureceu, tonteei e apaguei. Quando dei fé depois de num sei
quanto tempo, ela era a peixa. Pode? Aí, foi pior, tive um troço com o
pega-pega e só me acordei num lugar desconhecido em que ela não era mais
uma peixa, era uma ave com cara de mulher! E queria me pegar. Onde já se viu? Dei
uma carreira, nadei num sei quantos dias, ela atrás, grasnando, eu tome
braçada, pelo jeito acho que rodei o mundo até despistá-la e chegar em casa.
Ufa! Escapei fedendo, meu! Como é? A tropa toda deu sinal de lorota: E quando
foi que aprendesse a nadar, desgraçado? A necessidade ensina! Ah, não! Nessa
hora ia passando o doutor Zé Gulu
que foi atrapalhado pela mangação e teve de ouvir todo relato do dito cujo. Ah,
sim, se é verdade ou não, pela descrição do lugar que você deu, não resta
dúvida que é a Ilha das Sereias. Como? Sim, é uma ilha incerta do Mediterrâneo
e que muitos autores falaram deste lugar: a Odisseia
de Homero, a Argonáutica de Apolônio de Rodes, a Die Lorerei de Henrich Heine
e o Ulisses do James Joyce, reza a lenda: com seu canto melodioso, as Sereias
atraem os marinheiros que, inconscientes do perigo, naufragam nos rochedos da
ilha. Êpa! A turma com o mestre pelo canto do olho: Ô doutor, diga cá uma
coisa: como é que um frebento desse passa por uma dessa e sai ileso, me diga? A
turma do qual é: Nem nadar o bexiguento sabe! Onde já se viu um embola-bosta
desse todo topetudo pra bancar o bonzão pra cima da gente, ora! Com todo
respeito, doutor, mas não dá para acreditar numa lorota dessa!
ELA ENCENA & O AMOR É REAL - Imagem: arte da atriz estadunidense Jean Acker (1893-1978) – Adentrou
seminua na noite e disse: Sou Rose. A
jornalista e defensora dos direitos humanos, Rose Nogueira. E passou o texto: “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e
beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente.
Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma
caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte. Todos deram
risada quando entrei. ‘Olha aí a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra,
mas tem um quadril de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca
terrorista’. Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca
leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio
para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim.
Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o
vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões
nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus
braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles
riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas
minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns
dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse.
Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um
cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível
e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse
terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção.
Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me
e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse
leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai para o barranco,
porque aqui ninguém fica doente.’ Esse foi o começo da pior parte. Passaram a
ameaçar buscar meu filho. ‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com
cigarro’, dizia outro”. E chorava com todos os poros, vísceras &
sangue, estirada no chão e a mencionar nomes perdidos, Heleny, Marilena, Helena, Labibe, Alceri: sou todas
elas e elas são em mim o último suspiro de vida. Levantei-me até ela e, num
abraço, soluçava. Disse-me Sylvia Plath:
Acho que criei você no interior da minha
mente. Quando você entrega todo o coração a uma pessoa e ela não aceita, não dá
para pegar de volta. Você o perde para sempre. Disse-lhe apenas: vivocê! E
nos beijamos para a eternidade. Até mais ver.
O MUNDO DE JOSÉ BARBOSA
A arte do escultor, entalhador, pintor, desenhista, ilustrador e gravador José Barbosa da Silva, que organizou o Movimento Arte Ribeira, em 1963, e participou do início da Tropicália, do Cinema Novo e da Nova Figuração de artes plásticas, tendo participado de individuais e coletivas em países como Alemanha, França, Espanha, Chile, Inglaterra, USA, Suíça, entre outros. Veja mais aqui e aqui.