QUARTA-FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO - A festa acabou e não houve nenhum barulho na
madrugada. A rua está pesunhada em honra de Pã, homenagem a Baco. A festa do
povo passou. Neste dia eu te ofereço minha carne em holocausto, apesar da
madrugada com o luar que azula a escuridão. As ruas são do pretérito caboclinho
do Rabeca, o reluzente estandarte da Virgem Guadalupe e a extinção de Tupác Amaru até sua
descendência em quarto grau. Tudo apaixonadamente vivo, tudo delirantemente
sentido, tudo escandalosamente passado a limpo em mim. Contaminados estão os
cultores do pecado original, do hedonismo ou do Rigveda. Hoje o morto carrega o
vivo e ontem de noite correu bicho em Matriz de Camaragibe. Anteontem o bufo
inspirou Zé da Justa pra afinar a orquestra e a Fubana dos artistas, varrida de
sonhos, impetrava um calor nas reentrâncias das senhoras e das mocinhas. A
folia fez-se noite, fez-se dia. Permita Deus este mês não seja só carnaval. Dentro
de mim passou a folia do planeta com seus trogloditas modernos e o assoalho repleto
de excrementos, a casa vazia e o reino dos fantasmas. Vozes cantarolam: saia do
sereno, saia do sereno, saia do sereno que esta frieza faz mal. De mim, o
silêncio e o meu sacrifício de Odin: apenas água para beber e braços
solidários. Tudo cinzas. Não fiz abstinência da carne, nem interdição dos
sentidos. A minha impulsividade e o suntuoso e o inexprimível: um dia tão grande
no desvario do frevo. Não quero penitência, estou debilitado pelo incenso
inebriante de mulher, aquela que dorme oculta no deleite do meu travesseiro. Tudo
viverá enquanto meu verso existir: o bar, a noite, o cigarro e a solidão. O
poeta morreu terça-feira e eu sigo inquieto. O amor assim que deveria ser: a
vida! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] O mundo perdeu sua
dimensão humana e readquiriu sua necessidade factual e fatídica, característica
dos tempos primitivos. Mas, enquanto o caos dos bárbaros era constantemente
ordenado em nome de deuses misteriosos e antropomórficos, hoje em dia só o
planejamento humano é apresentado como razão para o mundo estar assim como
está. O homem tornou-se joguete dos cientistas, engenheiros e planejadores.
Vemos esta lógica atuar em nós e nos outros.
[...] As clínicas de controle da
natalidade aumentam as taxas de sobrevivência e fomentam a população; as
escolas produzem mais desertores; quando diminui uma curva de poluição, aumenta
outra. Os consumidores defrontam-se com a realidade de que quanto mais podem
comprar, mais decepções têm que engolir [...] A exaustão e a poluição dos recursos da terra é, acima de tudo, o
resultado de uma corrupção na auto-imagem do homem e de uma regressão em sua
consciência. [...]. Trechos da obra Sociedade
sem escolas (Vozes, 1985), do filósofo austríaco Ivan Illich (1926-2002), co-fundador do conhecido e controvertido
Centro Intercultural de Documentação (CIDOC), em Cuernavaca, México. O autor
expressa que É na
liberdade universal de palavra, de reunião e de informação que consiste a
virtude educativa, ao efetuar uma análise crítica das
instituições educativas atuais e das suas características, propondo a criação
de um sistema alternativo que rebata a figura da escola na de uma aprendizagem
não enquadrada institucionalmente. Para ele, o atual sistema educativo
converteu-se num sistema burocrático, hierarquizado e manipulador, tendo como
função primordial a reprodução e o controle das relações econômicas, entendendo
que: Por toda a parte, o aluno é levado a
acreditar que só um aumento de produção é capaz de conduzir a uma vida melhor.
Deste modo se instala o hábito do consumo dos bens e dos serviços, que nega a
expressão individual, que aliena, que leva a reconhecer as classes e as
hierarquias impostas pelas instituições. Entende, portanto, que em virtude
disso os alunos estão sujeitos a currículos extensos e repetitivos, dados de
forma demasiado rápida e superficial. Os professores, já habituados a esta
rotina, não dão a possibilidade de aprofundar um ou outro tema que mais
interesse os alunos, nem são capazes de atender às necessidades específicas de
cada aluno. Por essa razão, a escola
passa assim a ser um local de desigualdades e de conflitos, uma vez que alguns
se adaptarão melhor do que outros. Para ele, o fato da escolaridade ser
obrigatória só agrava a situação, pois, aqueles que não se conseguem adaptar
aos temas curriculares obrigatórios e aos métodos de ensino vigentes, arrastam-se
durante anos na escola, nada aprendem de válido e perdem a sua autoestima.
Quando finalmente deixam a escola, os alunos não estão preparados para
ingressar no mundo do trabalho. Por consequência, observa o autor que, apesar
de muitas pessoas terem já consciência da ineficácia e da injustiça patentes no
sistema educativo moderno, não são ainda capazes de imaginar alternativas nem
de conceber uma sociedade descolarizada. Veja
mais aqui.
ALGUÉM FALOU: As pessoas que, desgostosas e decepcionadas, não querem ouvir falar em
política, recusam-se a participar de atividades sociais que possam ter
finalidade ou cunho políticos, afastam-se de tudo quanto lembre atividades
políticas, mesmo tais pessoas, com seu isolamento e sua recusa, estão fazendo
política, pois estão deixando que as coisas fiquem como estão e, portanto, que
a política existente continue tal qual é. A apatia social é, pois, uma forma
passiva de fazer política. A política não é uma ciência. É uma arte, uma ação
que se inventa. Pensamento da filosófa brasileira Marilena Chauí. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
A LUA FEITICEIRA E
A FILHA QUE NÃO SABIA PILAR - A lua tinha uma filha branca e em idade de
casar. Um dia apareceu-lhe em casa um monhé pedindo a filha em casamento. Alua
perguntou-lhe: —Como pode ser isso, se tu és monhé? Os monhés não comem ratos
nem carne de porco e também não apreciam cerveja... Além disso, ela não sabe
pilar... O monhé respondeu: —Não vejo impedimento porque, embora eu seja monhé,
a menina pode continuar a comer ratos e carne de porco e a beber cerveja...
Quanto a não saber pilar, isso também não tem importância pois as minhas irmãs
podem fazê-lo. A lua, então, respondeu: —Se é como dizes, podes levar a minha
filha que, quanto ao mais, é boa rapariga. O monhé levou consigo a menina. Ao
chegar a casa foi ter com a sua mãe e fez-lhe saber que a menina com quem tinha
casado comia ratos, carne de porco e bebia cerveja,mas que era necessário
deixá-la à-vontade naqueles hábitos. Acrescentou também que ela não sabia pilar
mas que as suas irmãs teriam a paciência de suprir essa falta. Dias depois, o
monhé saiu para o mato à caça. Na sua ausência, as irmãs chamaram a rapariga
(sua cunhada) para ir pilar com elas paraas pedras do rio e esta desatou a
chorar. As irmãs censuraram-na: —Então tu pões-te a chorar por te convidarmos a
pilar?... Isso não está bem! Tens de aprender porque é trabalho próprio das
mulheres. E, sem mais conversas, pegaram-lhe na mão e conduziram-na ao lugar
onde costumavam pilar. Quando chegaram ao rio puseram-lhe o pilão na frente,
entregaram-lhe um maço e ordenaram que pilasse. A rapariga começou a pilar, mas
com uma mágoa tão grande que as lágrimas não paravam de lhe escorrer pela cara.
Enquanto pilava ia-se lamentando: —Quando estava em casa da minha mãe não
costumava pilar... Ao dizer estas palavras, a rapariga, sempre a pilar e
juntamente com o pilão, começou a sumir-se pelo chão abaixo, por entre as
pedras que, misteriosamente, seafastavam. E foi mergulhando, mergulhando... até
desaparecer. Extraído da obra Contos populares moçambicanos
(Ndjira, 1997), organizada por Eduardo Medeiros. Veja mais aqui, aqui, aqui
& aqui.
ARTE DE VIVIANA DURANTE - A arte da bailarina italiana Viviana Durante, autora
da obra Ballet: the
definitive illustrated story (DK,
2018), um guia visual da história do balé, com fotografias
sugestivas que capturam bailarinos famosos e histórias importantes de balé,
destacando o trabalho de Margot Fonteyn, Carlos Acosta e Darcey Bussell, entre
outros, efetuando uma abordagem desde as origens na corte e nas primeiras
empresas nacionais de balé, até a cena contemporânea e locais extraordinários
que encenam. A autora foi considerada uma das
maiores bailarinas dramáticas de sua geração. Veja mais aqui.
A OBRA DE VIVIANE MOSÉ
A solidão é a base da dignidade. a dor da alma nada mais é do que seus
limites se rasgando para caber mais mundo. o homem precisa de algum conhecimento
pra sobreviver, mas pra viver precisa da arte.