AS ARTES DE BESTINHA - Cansado
das lorotas de Tolinho, Bestinha deu as caras para outra coisa: um curso de
artes. E o bom que era pras bandas da casa dele, maior comodidade. Fez a
inscrição, claro, era grátis e durante os finais de semana: Melhor que isso não
tem. Para quem não sabia nada de nada, era esperança de tomar jeito de gente na
vida: Vou ser artista, cara! E foi. A professora era uma bonitona, elegantíssima,
jeitosa. Logo encheu seus olhos: não despregava a vista dela para nada. Para
onde ela fosse, espiava cada detalhe: Uma potranca e tanto, ah eu nela, lavava
a jega! –, pensava ele. Duas semanas depois, como o local do curso não dispunha
de estrutura ideal, foi transferido para o ateliê da mestre, ambiente
sofisticado, cheio de livros e de coisas que ele nunca tinha visto: A jumentuda
é rica, meu! -, era ele arrotando solilóquio. Olhou pros lados, fez uma cara de
enjoado, como quem comeu e não gostou. O jeito era tapiar, pegou o primeiro
volume na biblioteca. Pronto. Ao dar uma folheada nas páginas: repletas de
mulheres nuas, tudo dos grandes nomes artísticos. Eita! Ah, o negócio é bom,
ainda morro disso! Nunca mais desgrudou deles, disfarçava leitura, foi o que
chamou a atenção da educadora. Coitada, pensava ser ele o aluno aplicado ideal,
tanto que deixou ficar todo final de semana, de sexta a domingo, café da manhã,
almoço, janta, cama forrada, lanche e suco de tudo, conforto, parecia mais adotado
pela preceptora. Achando pouco, ainda deu de se enciumar pelo privilégio de um jeitosão
lá no maior paparicado dela, o namorado. Vingava-se trancado no banheiro, passando
os fascículos de arte erótica. Tanto é que um domingo desse a educadora saiu
com o pariceiro dela e, inadvertidamente, deixou ele lá, preso. Não fosse o
caseiro, passaria a semana toda lá. Nem aí. Tolinho mesmo logo desconfiou: Por
onde tem andado Bestinha? Rapaz, descobri uma mina. Onde? Uns livros cheios de
mulher nua de todo jeito! Larga de ser besta, ver com o olho e lamber com a
testa! Ah, deixa para lá. No último final de semana a educadora estava com cara
de poucos amigos e ouviu ao telefone ela dizer algo que não dava para entender,
só juntando uma coisa a outra, ao ver o bacana dela enchendo o tampo e roendo
uma dor de corno, aos prantos da maior lamúria, sem entender patavina do que
dizia, só conseguiu distinguir as palavras repetidas: hiato, passado e falo
novo. E aí, quando volta? Ah, para ela só o Corvo de Poe: nunca mais. E disse
para si: Esse povo sabichão tem cada uma, entendi nada. O homem estava mesmo
arrasado. Deu de ombros, foi para escola e logo tudo se esclarecia: havia outro
bonitão lá paparicado pela educadora, um novo namorado. Hem? Nos cantos a
língua ferina comia no centro. Como é? Isso mesmo! A professora é fogo! Por
quê? Ela mede o pau do apaixonado, manda o bilhete azul e passa na cara!
Danou-se! Ela já vai nuns vinte casamentos desfeitos. É mesmo? Não deu conta,
leva rasteira. Se fosse comigo não queria vê-la nem pintada! Mexer com a
macheza dos outros é o fim! Danada, né? Solteirona macha, nariz empinado. Mas
isso não é lá muito elegante. Sabe de nada! Muito indelicada, ora. Vai se catar!
Nem bem ele ia entrando para a aula, foi dispensado. Ele e a turma toda por
conta das fofocas, ao que parece. Um ano e quatro meses, um chute daquele de
Mozart, acabou-se o que era doce. E Bestinha, nada mais nas mãos. Pior seria. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] E quem era o misterioso herói? Talvez seu
nome seja encontrado nos assentamentos dessa terrível Corte de Justiça, quem
dera uma sentença rigorosa demais para o seu tempo, mas gloriosa nos tempos
futuros, por sua humilhante lição ao monarca e alto exemplo aos súditos.
Escutei dizer que sempre que os descendentes dos Puritanos precisam mostrar o
espirito dos seus antepassados, o velho aparece novamente. Quando já oitenta
anos haviam transcorridos, ele andou outra vez por King Street. Cinco anos
depois, na meia luz de uma manhã abril, ele estava na relva, ao lado da casa
dos dissidentes, em Lexington, onde agora um obelisco de granito, com uma laje
embutida, comemora a primeira derrota da Revolução. E quando nossos pais
trabalhavam nos parapeitos de Bunker Hill, durante toda a noite o velho
guerreiro percorreu os seus contornos. De longe em longe ele volta novamente.
Sua hora é a da escuridão, da adversidade e do perigo. Mas se a tirana
intestina nos oprime, ou o pé do invasor infesta nosso solo, ainda pode voltar
o Heroi Misterioso, porque ele encarna o espírito hereditário [...]. Trecho
do conto O herói misterioso (Ediouro,
2004), do escritor Nathaniel Hawthorne
(1804-1864). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: O avanço social depende tanto de um aumento da sensibilidade moral
quanto de um senso de dever... De todos os aspectos da miséria social, nada é
tão comovente quanto o desemprego... Esperávamos com entusiasmo que pudéssemos
arrancar da própria tragédia humana a consciência de um destino comum que
deveria trazer sua própria cura, que extraíssemos dos infortúnios da vida um
poder de cooperação que deveria ser eficaz contra eles. A vida não pode ser
administrada por regras e regulamentos definidos; que a sabedoria para lidar
com as dificuldades de um homem só vem através de algum conhecimento de sua
vida e hábitos como um todo... Pensamento da socióloga, filósofa,
assistente social e ativista feminista pacífica estadunidense, Jane Addams
(1860-1935), considerada a mãe do trabalho social, ganhadora do Prêmio Nobel da
Paz, em 1931. Veja mais aqui e aqui.
A MÚSICA DE JÚLIA
TYGEL
Experimente muitas coisas, descubra o que te
faz feliz. Você só vai descobrir fazendo. Se você tiver isso já claro, paute
sua carreira por essa prioridade e não pelo que (você acha que / te dizem que)
o mercado “espera”. Eu sempre
gostei mais de compor que de tocar o repertório pianístico. A composição veio,
por um lado, da busca por preencher esse lugar – eu queria fazer uma música que
ainda não conhecia – e também porque sempre gostei muito mais de ficar
“brincando” no piano do que ficar de fato estudando o repertório pianístico.
JÚLIA TYGEL – Curtindo a arte da pianista e compositora Júlia Tygel. Ela é doutora em
musicologia pela USP e atualmente é Assessora Artística na Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo (Osesp), tendo realizado parte do programa na City
University of New York como bolsista CAPES-Fulbright, além de bacharel e mestre
em música pela UNICAMP. Lançou em 2011 o álbum Entreameados e em 2012, O
Delírio do Verbo: Manoel de Barros em Canções, com Tatiana Parra (voz) e
participação de Neymar Dias (viola caipira), e e está preparando “Diálogo /
Dialogue”, um projeto bilíngue francês-português com canções sobre poemas de
seu avô belga Simon Tygel, com Tatiana Parra. Ela possui artigos publicados no
Brasil e exterior, e é autora de notas de programa da Osesp. Veja mais aqui.
A ARTE
DE NEUZA
LADEIRA
À venda
a ideologia morta já acariciada / Numa grande loja de brinquedos / No fogão a
lenha reacende a fogueira / No coração desmaiado da mulher torta / Que tonta
tenta desentortar a simplicidade da alma / Já tão fracionada / Mora no vento do
mundo, mas come a bananinha um paladar bem tropical.
NEUZA LADEIRA – Poema A mulher torta, da poeta e artista plástica Neuza Ladeira, militante pelas
liberdades democráticas, ela foi prisioneira política da ditadura militar nos
anos 1964-1985. Veja mais aqui.
A OBRA DE JAMES HILTON
As pessoas cometem erros na vida crendo
demais, mas elas se aborrecem demais se acreditam muito pouco.
A obra
do escritor britânico James Hilton (1900-1954) aqui.
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