UMA BANDEJA, APENAS E... - Zé do Mé
prosperou. Três meses seguidos de apurados na bodega sortida, além da
expectativa e frutos de muito trabalho, noitedia. Olhos dele só cifrão,
contando e recontando, polegar no indicador viciado. Fiado? Quem vê morre! Só
tome lá, dê cá. Conversa mole? Oxe, tenho mais o que fazer, ora. Lengalenga:
Ah, deixa disso e vá arrumar uma lavagem de roupa! Ele lá, juntando o molho da
dinheirama embaixo do colchão, moedas e cédulas. Trancou-se no quarto,
desconfiado e ficou totalmente ferrolhado brincava de jogo de bafo: Um pra eu,
dois pra eu, três pra eu... Refletiu: era hora de mudar de vida. Aí, deu logo
um jeito no guarda-roupa bocomoco cheínho de vestes novas, deu um banho de loja
na esposa e filhos, pintou a casa, ajeitou o bar, deixou tudo nos trinques.
Depois de muito gasto, apurou direitinho e viu que dava para adquirir um carro
zero. Não deu, se ajeitou mesmo num carango meio mandú, do tipo de ricaço, com
inscrição Diplomata nas portas e na traseira, quatro portas, seis bocas – Oh,
bicho bebão da gota! Mas dos bons: basta encarcar o pé que dá mais de cem no
mesmo instantinho! É só apertar que ele corre, vrum, de nem botar a língua de
fora. Levou para casa e ficou paparicando a aquisição: lavava, cobria com
cobertor, alisava, mimava, conversava por horas, como se fosse de estimação. Na
hora da folga do final de semana, tirou da garagem, juntou a família com altas
recomendações para não sujarem sua posse e, na primeira debreada, o bicho
empancou: Ué!?! Desce todo mundo. Rebocou para a oficina, diagnóstico do
mecânico sabido: a caixa de marcha está cheia de pó de serra, só uma nova.
Eita! Tem jeito não, só outra. Um amigo socorreu com indicação de um ferro
velho próximo, que tinha uma da mesminha, seminova, seis cilindros como a dele
e por menos da metade do preço. Comprou a vista. Uma semana depois, tudo
consertado. Danou-se a passar marcha: Agora, sim! Virou a cabeça e instalou um
som incrementado e danou-se a dar volta só para se amostrar e matar os vizinhos
de inveja, às risadagens, dentes no quarador. Equipou com pisca-pisca, lameiro,
reboque, bagageiro, pneus novos com cinta branca, antena maria-mole para
radioamador e bregueços outros. Maior matutagem. Depois de gastar mundos e fundos,
juntou a família de novo e aos bregues para controlar a mundiçada: Num vão
arranhar nem sujar o carrão, seus porras! Acomodou todo mundo, sentou-se ao
volante, a mulher se intrometeu: Liga o ar condicionado pra gente saber como é!
Tá doida, é? Se ligar esse bufante num dá pra gente nem sair do canto, o danado
bebe demais. Vamos assim mesmo! Mas tá calor! Quando andar, passa. Engatou
marcha, saiu da cidade e se mandou pela rodovia. Tá vendo? É, muita frescura
mesmo. Acelerou que só, quase voa: Eita, bicho bom, macho todo! E a meninada:
Êêêêê! Tira o pé do bolso, motorista! A paisagem passava rápida, a mulher e os
filhos cada vez mais pendurados nos pegadores: O bicho corre mesmo! Segura no
tabeliê, mulher! Destá. Reta, curva, tudo aprumado, pé fundo, u-huuuu! De
repente um estalo na suspensão e era uma vez... capotou sonhos, prosperidade,
alegrias e felicidade. Coitados. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] A arte não é algo
feito por uma única pessoa, mas um processo iniciado por muitos. Os materiais
de música são som e silêncio. Integrá-los significa compor. Eu não consigo
entender porque as pessoas estão com medo de novas ideias. Estou com medo das
antigas. Um erro é simplesmente uma falha no ajustar imediatamente um
preconceito para uma realidade. Sou dos que amam apagar a distinção entre arte
e vida. Não
é necessário renunciar ao passado ao entrar no futuro. Ao mudar as coisas,
não é necessário perdê-las. Pensamento do
compositor, escritor e teórico musical estadunidense John Cage (1912-1992).
Veja mais aqui, aqui & aqui.
ALGUÉM FALOU: [...] A arte de descobrir é confundida com a
lógica do teste e uma simplificação artificial dos movimentos mais profundos
dos resultados do pensamento. Esquecemos que inventamos por intuição quando
testada pela lógica. [...] A técnica
sem inspiração é estéril. [...] No
tabuleiro da vida, as diferentes peças têm poderes que variam de acordo com o
contexto e as possibilidades de sua combinação são inúmeras e imprevisíveis. O
reprodutor de som tem uma sensação de bem e sente que, se você não o seguir,
será falso consigo mesmo. Em qualquer situação crítica, o progresso é um ato
criativo. [...]. Trechos extraídos da obra Uma Visão Idealista da Vida
(1929), do filósofo e estadista indiano Sarvepalli Radhakrishnan
(1888-1975).
O TEATRO DE LUIZ
MARINHO: Apenas
procuro defender e valorizar o que amo. Que viva o teatro maior, de todas as
regiões e pátrias. O premiado dramaturgo Luiz Marinho (1926-2002) é autor teatral que procurou em suas obras
o universo cultural e social do nordeste brasileiro. Dos seus 14 textos,
destacam-se Um sábado em trinta, Viva o cordão encarnado, A incelença, A
família Ratoplan, Corpo corpóreo e As três graças, entre outros, transmitindo
um pouco das memórias interioranas, a partir de crendices, violeiros,
cangaceiros, vaqueiros e tipos locais. Sua trajetória foi registrada na obra Luiz
Marinho: um sábado que não entardece (FCCR, 2004), de Anco Márcio Tenório Vieira.
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A ARTE
DE BÁRBARA ANGEL
Sou amante de interpretações, adoro ser, estar diferente.
A arte
da fotógrafa Bárbara Angel. Veja
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A OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO
A fome é a expressão biológica de males
sociológicos. Grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de
fome, apesar de comerem todos os dias. Existem 2/3 de pessoas que não dormem
porque sentem fome, e 1/3 de pessoas que não dormem por medo dos que sentem
fome. Metade da humanidade não come e a outra não dorme com medo da que não
come. Fome e guerra não obedecem a qualquer lei natural, são criações humanas. O
que falta é vontade política para mobilizar recursos a favor dos que têm fome.
A obra
do médico, professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do
Brasil na ONU, Josué de Castro (1908-1973) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
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