CARTA DE SETEMBRO – Cada mês o porvir da canção e os onze mil versos
virados para o leste do poema, seguem o rumo do amor, cultivando esperas por
tomarem conta da semeadura das palavras na porta da cela vital. Inauguro o
agora e engulo tédio e angústias, pálpebras na fechadura. Ouro e miséria
apodrecem o tempo que é feito de corte, como faca na carne e fere com todos os
tomentos de julho, as fisgadas de agosto e talhos de antes. Pouco importa,
renasci em maio e junho não foi nenhuma manjedoura no deserto do inverno, quase
abril nas águas de março. Talvez eu tenha chorado dores demais e outras
punhaladas da horagá atropelando a língua na mala à espera na rodoviária
ensurdecida, como se fevereiro nem desse pela folia e janeiro outro mesmo ano.
Talvez tenha chorado muito, talvez. Até de alegria, não sei, talvez só por
doer, ou mesmo talvez eu seja só esse doer, doendo eternamente vicissitudes de
viagem. Também não sei, perdi a conta das talhaduras e a primavera raiou no
tempo e com ela um setembro de mudanças no caminho anoitecido. A boa nova é que
vou embora para nunca mais voltar, sem adeus, sem nada para dizer. Tanto que
nem tenho mais nada, estou na arena, como se fosse o último pedaço de alma
sobrevivente. Vou como quem amanhece distante e não me situo no impreciso da
fronteira com seus pêndulos de ir e voltar. Sei que vou e o que me coube jamais
contei: sobrevivi anos de pedras pesadas nas entranhas entrincheiradas, como se
tateasse por estalos de estrelas que morressem em meu luar. Bebi o silêncio de
todas as lonjuras gritantes para desembolso da vida e isso na melhor cidade
entre todas que nasci: como se nada restasse, quase vivo ou morto, a evocar varridas
súplicas efêmeras na colheita das vértebras contrafeitas, porque as dobras
acabaram todas as venturas: esforço em vão na chuva das repentinas mordaças
perfiladas que trouxeram o engano que me arrisquei por mais de duzentos males e
pão em pedaços, cacos de espelhos, trapos de mulher, pernas e licores. Minha
vida foi levada para onde outros ermos estão à solta: por frestas e cantos mil
bocas no escuro e nacos de projeções verdadeiras e falsas, muito mais falsas nas
vísceras que ficaram estrada afora, cascas da pele, unhas fragmentadas, corpo carcomido.
Sou feito de ruas e dias de fome: o estopim da ameaça, o precipício quase nem se
protela, a armadilha da travessia, o pedágio da resposta, o túnel e a asfixia.
E não pensar mais no que se foi e eu jogado fora pela recorrente impureza, as
escamas do passado, a couraça das mazelas. Para onde fui o mundo quase se
dissolveu numa imundície só e ininterruptas erupções se precipitaram a ameaça
de desmoronamento meses a fio se prolongando quase sem fim. Para onde vou é
como se eu nascesse do nada, ou sem querer, escolhido para fazer valer a si nas
mãos vazias, a decisão de seguir adiante pelas cidades invisíveis e superpostas
dos Palmares, entre caetés, curibocas, mamelucos, cafuzos, mazombos, mulatos,
crioulos, pardos & outros tantos mestiços arruinados na memória. Vou
rebotalho a me refazer encasulado, juntando meus próprios detritos todos os
dias, a reinventar a intata porcelana da felicidade pelas janelas do norte,
ganchos do sul, raios do oeste, dias sem sono, ali e acolá. Vou, inteiro. O que
fui nem sou mais: aprendi com os percalços tortuosos. A primavera, o Sol, a
chuva, amor no coração e a precisão de sorrir. O que tive e não possuo mais,
foi: só o peito aberto e o coração amante a quem chegar. Muitos caminhos,
outras estradas: só um para seguir, até o brusco salto para a morte, talvez,
tarde demais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: Escrever é como dar... Dar experiência, dar
convicções, dar explicações, doação de si mesmo... de seu tempo... de sua
cultura... de sua civilização... Carregando o passado para o futuro... Então,
escrever é amar, acima de tudo, o futuro... Escrever é um modo de vida para um
escritor. E essa mesma palavra escreve porta, ao mesmo tempo, em seu interior
uma necessidade de um público de leitores. Como esse público cresce, o escritor
prova a satisfação de seus escritos. Este é o sinal de que ele pode
compartilhar suas convicções, suas experiências com muita gente... Essa é a
natureza dele. Expresse-se para um público que se amplia de um dia para o outro...
No entanto, todos os escritores do mundo não têm sorte nesse assunto; mais deles
só podem falar com um público limitado. Pensamento do escritor turco Mustafa
Balel.
ALGUÉM FALOU: [...] A moral pretende
penetrar no conjunto da vida, pelo menos no plano ideal, ela tem uma
característica atmosférica, universal, cosmopolita, que não distingue nem raças
nem povos, mas engloba o conjunto dos homens.
[...]. Extraído do Curso de filosofia
moral (Martins Fontes, 2008), do filósofo e musicólogo francês Vladimir
Jankélévitch (1903-1985), que na sua obra La musique et l’ineffable (Seuil, 1983), expressa sua metafísica
assim: [...] porque a música não respira
que no oxigênio do silêncio. O mesmo com os micro-silêncios, silêncios
minutados no interior do silêncio [...] inversamente,
como a treva mortal é o negro absoluto e a noite cega, da mesma maneira o
silêncio mortal é um silêncio absolutamente mudo. – Silêncio mortal e divino
silêncio, eles se opõem um ao outro como Indizível e Inefável [...] O interessado não saberá o segredo de sua
própria morte senão no último momento; aquele que vive não sabe a hora senão no
instante em que a morte chega, ou seja, no instante em que cessa de viver; pois
ele não vive jamais o presente de sua morte, e, por consequência, até o
instante supremo, ele ignora a data [...].
MÚSICA
ELIETE NEGREIROS –
Curtindo faz tempo a música da sensacional cantora e escritora doutora
em filosofia pela USP, Eliete
Negreiros. Ela gravou 5 discos e escreveu 2 livros sobre
Paulinho da Viola. Ela foi a musa do movimento cultural Vanguarda Paulista e.
entre os álbuns gravados por Eliete
Eça Negreiros, estão Outros
sons
(Voo Livre, 1982), MPB
(Pasquim, 1983), Ângulos: tudo está dito (Copacabana, 1986), Eliete Negreiros
(Continental, 1989), Canção brasileira, a nossa bela alma (Camerati,
1992) e Dezesseis canções de tamanha ingenuidade (Eldorado, 1996). Veja
mais desta grande artista aqui & aqui.
NADO RODRIGUES- Também
curtindo o álbum Paleolítica humana
(Independente, 2015), do cantor, compositor e músico Nado Rodrigues, que desenvolve um trabalho que o firmou, por seu
carisma e versatilidade, como um grande intérprete
da MPB. Com seu timbre envolvente, ele apresenta canções inspiradas nos gêneros
e estilos nordestinos e os cancioneiros da MPB, com uma pitada neo-pop e muita
elegância. Veja mais aqui.
ARTE
GEÓRGIA GIOCONDA AGUILAR – Hoje destaco mais uma vez a arte da
artista visual e escultora Georgia Gioconda Aguilar. A sua carreira começou com a pintura e, só depois contato com
a obra de Lígia Clark e Helio Oiticica, entre outros, foi que passou para a
escultura. A sua obra traz a discussão da matéria e sua transformação, por meio
de moldes em diferentes formas com interferências e linguagem neoconcreta,
traduzindo a sensação de movimento e volume, com as características marcantes
da poesia e da sensualidade, e variadas possibilidades de interpretações. Veja
mais da artista aqui & aqui.
A OBRA
Na luta contra a realidade, o homem tem apenas uma arma: a imaginação.
A obra do
escritor, jornalista, dramaturgo e crítico literário Théophile Gautier
(1811-1872) aqui & aqui.