O PULO DO AMANTE – (Imagens:
Leap, by RozArt/ Vagina, by Rich Snobby) – Desde menino quase
rapaz, a tentação pelo segredo das saias, decotes e ginga calipígica. O meu
olhar por cima dos muros, pelos combongós, fechaduras, frestas, sempre espionando
a pujança reluzente da vitalidade feminina. No telhado da casa, a goiabeira e
ela, sonhada Safo no que sou de Faetonte, naquela a me pedir o fruto apontado
no dedo. Os degraus da escada e ela linda, a queda: o pulo do amante. E o seu
riso o meu abismo: o promontório de Leocádia e o mar. A vertigem, nem morte,
nem cura. Sozinho, sabia sequer onde estava. Ao meu redor todas as mulheres sonhadas.
Elas usavam uma faixa larga com casca batida, com uma ponta que passava entre
as pernas, caindo sobre o ventre, as que me seduziam. Outras, saias curtas,
enrolando-se numa capa de casca de árvore, as que me tentavam. As que usavam cabelos
presos num coque comparado a uma barbatana de peixe, as solícitas. Pareciam-me todas
poliândricas, algumas de ancas esgalgas, outras voluptuosas geografia, todas de
suprema sedução. Requestado por elas me ofereciam sem pudor nenhum, exigência
da exposição de meu membro pinicado ao leve toque de suas mãos aveludadas e
entregava-me aos seus bulícios. O ritmo marcado pela dançarina nua com seus véus
rubros transparentes que saltava sobre uma laje fina de pedra e que recobria
uma fossa na qual estava colocada uma grande cabaça que servia de caixa de
ressonância ao som do búzio marinho. E a dança medida, graciosa, luxúria pura,
e todas elas a expor de suas coxas roliças que surgiam do lascão das suas túnicas
curtas, como exercícios no corredor olímpico. E eu, naquele meio, parecia mais
que Zeus no pedestal alegre galanteador que não pode resistir a uma linda
mulher, deusa ou mortal, pouco importando qual. Esse desfile de aventuras
garantia a minha descendência: a bela Métis, primeiro, a quem devotara meu
juvenil arrazoado; depois Atena, agraciando meus quereres. Posteriormente a
tia, a respeitável Têmis com as três Mouras encarregadas de seguir atentamente
o desenrolar da minha existência: Cloto, na sua roca o curso da minha vida;
Laquésis a minha sorte; Átropos, implacável pro momento certo de cortar o curso
da vida. Eis-me, Deméter recolhendo de mim seus prazeres e loucamente lúbrica
para meu desespero. Vem Mnemósine, a que jurava que nunca se esquecera de mim; a
bela Afrodite com sua beleza estonteante, ah, como eu me empanzinara com
deleites além da conta do meu merecimento. E elas, outras e semideusas, se
reuniam à volta da taça de Deméter para os ritos da fertilidade das
Tesmoforias, dos quais os homens são excluídos, só eu seria, portanto, a
exceção para a festa, uma animação fora do comum nos gineceus, ressoando risos
abafados, gritos e corridas. E eu mais ainda explodindo de curiosidades. Elas se
preparavam, eu que nem me dava conta; enterravam os objetos sagrados: leitões,
figurinhas de argila representando órgãos sexuais, para que a terra nutriente
lhes comunicasse a sua fertilidade. E se purificaram abstendo-se de qualquer
aproximação com os homens. É hoje! É hoje o dia da festa. E descabeladas,
correram para o jardim para desenterrar os símbolos asseguram fecundidade, depois
de um dia inteiro de jejum, acolhendo as promessas de Deméter, flagelando-se
com ramos verdes, roendo sementes de romã e ruminando, com os órgãos femininos
de argila, em cenas íntimas acompanhadas de piadas obscenas. Vieram as orações à
Deméter e sua filha Core, proteção pros grãos que germinariam a terra e como o corpo
é o seu bem próprio, fazem a greve de amor para conseguir que os maridos
assinem a paz. Nossa! Soubera que desfaleciam só com a idéia de se privar dos
prazeres do amor. Tudo menos isso. E eu entregue à sua liturgia, como a cigarra
cativado e embevecido pelas musas, me esquecendo de beber ou comer, só na
veneração por Terpsicores, Eratos, Calíopes, Urânias, Lisístratas, como no mito
da cigarra de Fedro. Era a hora de escrever o meu diário de Kierkegaard, contudo,
sou tão vulnerável e fustigado pelos golpes sedutores delas. Valho-me de
Descartes: as paixões passam por nossos órgãos. Dizem ser o sofrimento da
atribulação da carne. Nunca, ben diria que elas seriam a causa ordinária do
pecado: "como renegar quem me criou, quem me distinguiu dos animais da
terra?", dissera Agostinho. Nunca diria, ao contrário, saberia, com a
minha simples inutilidade, entregar-lhe meu tributo: amando. Este sim, o
significado do imoderado júbilo de sabê-las fontes na qual jorram a vida
eterna. Não há como me conter nem há de mutilar a oferenda, vivo abrasado, como
renunciar se Deus nos dissera? Não ao sexo santo, que fique lá, eu quero a
integridade do corpo e da mente e a mulher é a fonte. Ah! Ela é a maior das
maravilhas, principesca efígie para provação de quantas delícias. Nela quero
nidificar, naquele corpo de boeing cáustico, uma entre as seis mil estrelas
visíveis, potranca, centaura, da cintura delgada, da estatura iridescente,
dotada de talhe soberbo e magnífico, fina pele; sempre ela no primeiro plano de
qualquer perspectiva, tornando-se, claro, a minha epífita. Ah! O seu encanto,
os seus seios arrebitados, os olhos de gazela, leoa no seu habitat, brilho de
supernova na nebulosa de Andrômeda, que a gente caça como a uma
garça-caranguejeira. Ah! Os olhos manhosamente ocultados pelas pálpebras nos
sonhos inquietantes, enquanto os ductos das mamas provocantes instigam minha
saliva com seu ornamento exuberante, esculpida deliciosamente, impudente,
elegante, esbelta, seus contornos, sua leve silhueta, a altiva expressão
gravitando na minha direção, a magnetizar-me como estrela de primeira grandeza,
como se eu fosse limalha de ferro atraído pela sua irradiação e a desprevenido
sem isolante algum. Ah! E quando toca pelo sentido cinestésico, o tato,
descobrindo-me esconderijos. Ah! Bebo a água do seu corpo, roço-lhe os pelos
pubianos, a sua floresta amazônica, a sua carne com a pele da terra roxa, o seu
Potosí inexplorado, a sua trilha de Piaburu, o seu monte de Vênus, os grandes
lábios tumefeitos da sua vulva com suas carpas atlânticas, o hímen, as gônadas,
o clitóris, o seu atol, a sua caverna, o colo opulento, a fenda vulvar, o
vestíbulo e a rima do pudendo, o prepúcio do clitóris, o seu gineceu, a sua
cavidade pélvica, o seu pistilo, carúnculas himenais, carina uretral, situados
ventrais, sífise púbica, pregas igüinais, com perfume de rosas búlgaras em suas
profundezas insondáveis. Ah! E em decúbito dorsal, a ver-lhe a coluna
vertebral, a minha língua dúctil no tubérculo genital, sentindo a quentura do
tecido epitelial da sua fonte profunda, a seiva do seu efeito piezelétrico,
pelo estreito de suas pernas, o seu estreito de Gibraltar, o seu estreito de
Magalhães. Ah! O falo, ela e o palato detonador, a língua de camaleoa
ateando-me fogo, a espoleta da bomba do prazer, faísca na minha nitroglicerina,
a minha transpiração - eu sou um animal instintóide e o meu istmo unindo-me a
ela por seu paladar. Ah! A nossa carga pelo atrito dos corpos, voltagem em
nível crítico, expelindo faíscas pelos calores aquecidos, corrente fluindo
acusada por um miliamperímetro, cem graus Celsius, trezentos e setenta e três
graus Kelvin, uma paixão radioativa exalando letal 200 mil miliroentgen por
hora, fissível em altíssimos elétrons-volts na reação em cadeia por todos os
poros, veias, artérias, e o meu cromossomo na sua gônada, a minha estrutura
Wolf no seu tubo Muller. Ah! O seu cio, a libido, o orgasmo, a nossa
taquipnéia, nossa taquicardia, sacudindo minhas coronárias, eu ficando em
danada ebulição no epicentro do nosso terremoto, as nossas ondas sísmicas,
onidericionalmente no geóide de nossos corpos. Ah! Eu gratificado pela doação
dos seus atributos, atraído aos seus mamilos, alisando-lhe o músculo sartório,
a minha barba mal feita no seu esplênio e ela arrepiando-se, asfixiando-me pela
imersão nas águas do seu corpo. Ah! Belo rosto lindo num cicio apaixonante, eu
rijo, todo o viço célere, os seus passos ciganos, o corpo esguio - que artesão
maior? Que artífice genial? -, eu emocionado canastrão quando ela viceja com a
peçonha que me enlouquece na boca doce de meiguice, imolando-me com os seus
olhos de tâmaras afetuosas, sublevando os meus sentidos com o seu calor
abrasivo debruçada sobre mim, eu e o meu coração em hasta pública, penhorado e arrematado
pela escravaria da paixão, cantando a minha canção idônea como em um adscritício,
eu sei, eu a amo como a chuva na terra, a semente no solo, o céu, a terra, o
universo, a cópula natural e durante o inverno dorme a lagarta, quando acorda,
a borboleta anima a vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
Curtindo
os álbuns Bach: Violin Concertos (Hyperion Records, 2015), com
a obra do compositor do barroco alemão Johann
Sebastian Bach (1685-1750), na interpretação da violinista russo-britânica Alina
Ibragimova.
PESQUISA:
No começo da história do homem, a configuração territorial é
simplesmente o conjunto dos complexos naturais. À medida que a história vai se
fazendo, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens: estradas,
plantações, casas, depósitos, portos, fábricas, cidades, etc.; verdadeiras
próteses. Cria-se uma configuração territorial que é cada vez mais o resultado
de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza natural,
substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada.
Trecho extraído da
obra A natureza do espaço: técnica e
tempo, razão e emoção (Hucitec, 1996), do geógrafo e profesor Milton
Santos (1926-2001). Veja mais aqui e aqui.
LEITURA
Luzes meretrizam nas janelas / a doença / roja-se à porta / e conclama
gemidos de mulher! / Almas femininas enrubescem risadas agudas! / colos de mães
bocejam filhos mortos! / O não nascido / fantasmambula / volátil / pelo espaço!
Medroso / num canto / envergonrevolroído / enrosca-se / o sexo!
Casa de Prazer, poema
extraído do livro August Stramm - Poemas-estalactites (Perspectiva,
2009), do poeta e dramaturgo expressionista alemão August Stramm (1874-1915),
traduzido por Haroldo de Campos.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] a maioria dos nossos problemas ambientais
mais elementares ainda persiste, uma vez que seu tratamento requer uma
transformação nos meios de produção e de consumo, bem como de nossa organização
social e de nossas vidas pessoas.
Trecho
extraído do livro O poder da identidade (Paz e Terra, 1999), do sociólogo
espanhol Manuel Castells. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte
do fotógrafo, pintor e anarquista estadunidense Man Ray (1890-1976).
Veja mais sobre O Prêmio, Marya Morevna, Alfred Tennyson, Jacques
Lacan, Ilya Repin, Caetano Veloso, Glauber Rocha, Francisco Stokinger, Vera
Holtz, Yoná Magalhães & Georges d'Espagnat aqui.
DESTAQUE
A arte
da pintora, ilustradora, gravurista e tatuadora Paula Garcia.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra - Peace on Earth
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.