TUDO ACONTECE NO ERMO DAS RUAS - Passos a esmo, eu só queria um copo d’água.
A cabeça aos muros e a rua não é mais conversas ensolaradas, são sombrias até
ao meio dia. Um deserto de pedras, nenhuma alma viva nas esquinas abandonadas.
A vida invisível nos prédios imponentes, repartições, embaixo das pontes e
viadutos, a chuva esfriando ânimos para mudez. Tudo jogado fora, o que se ergue
ou o que desaba. Tudo voltado para si e vivendo a cidade inconscientemente, a
memória jogada no lixo com o legado de nada. Nada se sabe, apenas nomes dos
lugares dos compromissos, negócios ou lucros com suas grifes pros cifrões na elegância
dos trajes. Eu voo olhar aguçado imigrante da vida nas pegadas da areia do
tempo, nenhum rastro, menor resquício, as múltiplas faces do vazio. E eu me
comovo com os gritos do silêncio: meus desfalques, tudo desabitado, parece cidade
fantasma com todas as mudanças desconexas e bruscas: o que se constrói hoje, o
que se destrói amanhã. Ninguém por aqui e eu aos saltos mortais pela violência
dispersa, o medo religioso secular, as angustiantes tensões: olhos arregalados
com as demolições, meu álbum de recordação com tudo desordenado, descolorido,
desbotado. Atrevo-me aceno com secura na garganta aos reverentes ou refratários
na perecibilidade de tudo, fugacidade de todos. Nada me daria maior apreço que
saber-me solidário à rua a todos os acenos miúdos, desconfiados ou esfuziantes.
Sozinho, levo a vida no quarador e eu apenas um sorriso para quem de onde vier
na minha paisagem inventada, que sou eu quando choro de saudades ou de
remorsos. Nunca fui, agora sou. Tentei de tudo e falhei; não fui capaz de ser
minha própria luz, esforços em vão. E fiquei sem poder ir a lugar algum,
descumprida missão: o preço do fracasso. Não terminei a obra e nem sei por onde
recomeçar, muito menos o que fazer. Procuro não sofrer no rol dos erros, inútil
me desvencilhar. Pago o pato e valho-me dos solidários fantasmas que rondam
meus dias e noites enormes. O que sinto ou falo não tem destinatário, muito
menos interlocutor, sou-me patético e beiro a insanidade entre sombras ocultas
no que sou de vivo com todos os meus disfarces e solilóquios. Julgo haver incongruências
esquisitas nos aterradores contornos dramáticos redutores da vida à minha
dicção desolada ao longo de uma vintena de anos enclausurada em meus sonhos
entre jogos de espelhos. Nunca tivera mais que o meu riso franco, sou-me do que
tenho e nada mais além de mim mesmo na fartura dos acontecimentos momentâneos. Se
louvo a vida, apouco a morte que cresce em dimensão. Antes fosse triste o meu
olhar à flor do jardim: um salva-vida pro amor longínquo e ansiado. E olho o
presente tão próximo e por todo lado, só peço que não seja insensível à dor
alheia nesse reino das pedras onde tudo é controlado por uma absurda quantidade
de leis inócuas que sequer reconhece cada parte do litígio. Vou pelo ermo das
ruas e só queria um copo d’água, uma mão amiga, um olhar alheio no triz de simples
momentos da vida, a aventura da ingenuidade em professar amor. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Curtindo
a coleção de CDs e livros - 8 volumes- A
Música Brasileira deste século por seus autores e intérpretes (Sesc São
Paulo/Fundação Padre Anchieta, 2000), produzida por João Carlos Botteselli com
material recolhido dos programas MPB Especial e Ensaio, criados e dirigidos
pelo produtor Fernando Faro.
PESQUISA:
A história do mundo e do pensamento ocidental foi comandada por um
paradigma de disjunção, de separação. Separou-se o espírito da matéria, a
filosofia da ciência; separou-se o conhecimento particular que vem da
literatura e da música do conhecimento que vem da pesquisa científica. Separam-se
as disciplinas, as ciências, as técnicas. Separou-se o sujeito do
conhecimento do objeto do conhecimento. Assim, vivemos num mundo em que é cada
vez mais difícil estabelecer ligações [...] nossa
educação nos ensinou a separar e a isolar as coisas. Separamos os objetos de seus
contextos, separamos a realidade em disciplinas compartimentadas umas das
outras. Mas, como a realidade é feita de laços e interações, nosso conhecimento
é incapaz de perceber o complexus – o tecido que junta o todo.
Trecho
extraído da obra Complexidade e ética da
solidariedade (Sulina, 1997), do antropólogo, sociólogo e
filósofo francês Edgar Morin. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
LEITURA
O Sucesso é mais doce / A quem nunca sucede./ A compreensão do néctar / Requer
severa sede. / Ninguém da Hoste ignara / Que hoje desfila em Glória / pode
entender a clara / Derrota da Vitória. / Como esse — moribundo — /Em cujo
ouvido o escasso / Eco oco do triunfo / Passa como um fracasso!
Poema extraído
do livro Alguns poemas (Iluminuras,
2006), da poeta estadunidense Emily
Dickinson (1830-1886). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA: FATORES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
As análises e propostas da problemática ambiental podem ser reduzidas a
depredação dos recursos naturais; poluição por causa dos resíduos; população
excedente/pobreza [...] quaisquer
desses três aspectos estão fora do processo econômico propriamente dito.
Trecho
extraído da obra Los limites del desarrollo
sustentable (Revista Trabajo y Capital, 1999), do antropólogo uruguaio PhD
em Economia, Guillermo Foladori.
IMAGEM DO DIA
Cartaz e
cena do filme O sétimo selo (Det sjunde inseglet, 1956), escrito e
dirigido pelo dramaturgo e cineasta sueco Ingmar Bergman
(1918-2007). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
Veja mais sobre Desnorteio, Pablo
Picasso, Mauro Mota, As máscaras de Deus, Robert Siodmak, Orquestra Contempoânea
de Olinda, Janos Vaszary, Através do Espelho, Irene Ravache, Ella Raines & La
Liseuse de Grundworth aqui.
DESTAQUE
A arte do ilustrador Félix Reiners.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
do pintor e artista gráfico húngaro János
Vaszary (1867-1939).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.