SE UM DIA O SONHO DA VEZ - Imagem:
Loki Bound (motive from the Gosforth Cross, 1908)
by W. G. Collingwood. - O chão
é meu abrigo. Assim eu me sinto íntimo da Terra: o carinho da mãe guardada no
coração, dengos e manhas de menino sem futuro a se fartar do horizonte, sonhos que
são paisagens interiores e recorrentes do meu ser atormentado. Percebo seu
aconchego e sou estreito da labuta das formigas, do voo da tanajura, besouros
zis zum: companhias mais que animadas na minha voluntária desolação. Faço da
pedra o ombro amigo pra descansar a cabeça, ouvir seus segredos entre árvores
sombreiras da real amizade e que descansam meus cobertores: o calor da luz do
Sol de dia, o brilho da Lua e estrelas na noite – a lição panteísta. Sou-me
inteiro e me exponho publicamente ao ridículo, propenso ao meu delírio de vida:
boquirroto que não guarda segredo, sem recato ou comiseração. Fiz minhas
escolhas entre encolhas, meus rematados disparates. Pra meu espanto, ouço as botas
estupidificadas do dendroclasta arrastando lixo na ponta dos cascos e todos aos
pontapés. E me assusto quando fazem da cidade uma lata de lixo e soçobram no
anonimato suicida pelas imundícies. É a injustiça que dói e isso pra eles dos
males, o menor. E se digladiam entre si, poderosos medem força e o bom de tudo é
que do confronto não se sobram, desmoronam todos, até a festa dos vulneráveis
que não se aguentam em pé com a derrocada em cadeia dos potentosos plutocratas.
Restam os escombros da dignidade, do aconchego e das guaritas. Um oxigênio
estagnado, um degradante fiapo de vida. E tudo segue como se nada tivesse
acontecido. E isso me perturbador porque no meio dessa guerra invisível, segue
a caminhada incólume da humanidade nem aí pra nada. Eu que sofro e não digo
mais nada, apenas sonho no ombro da pedra. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
Curtindo o álbum Dois tempos em um lugar (2016), da cantora e atriz Dandara & do cantor, compositor e produtor musical Paulo Monarco.Veja mais aqui.
PESQUISA
[...] o
filósofo não se ocupa ex officio com desvarios e divagações; ele estuda as
expressões naquilo que elas significam quando empregadas de maneira inteligente
e inteligível, e não enquanto ruídos emitidos por um idiota ou por um papagaio.
[...] No entanto, a procura de paráfrases
que sejam mais imediatamente inteligíveis para uma determinada audiência e
etimologicamente corretas, constitui simplesmente uma tarefa de lexicografia ou
de filologia aplicada. Não é filosofia. [...].
Trecho extraído da obra Expressões sistematicamente enganadoras (Abril Cultural, 1980), do
filósofo britânico Gilbert Ryle (1900-1976).
LEITURA
Sozinha nos trilhos eu ia, / coração aos saltos no peito. / O espaço
entre os dormentes / era excessivo, ou muito estreito. / Paisagem empobrecida: carvalhos,
pinheiros franzinos; / e além da folhagem cinzenta / vi luzir ao longe o
laguinho / onde vive o eremita sujo, / como uma lágrima translúcida / a conter
seus sofrimentos / ao longo dos anos, lúcida. / O eremita deu um tiro / e uma
árvore balançou. / O laguinho estremeceu. / Sua galinha cocoricou. / Bradou o
velho eremita: / “Amor tem que ser posto em prática!” / Ao longe, um eco
esboçou / sua adesão, não muito enfática.
Chemin de fer, poema extraído da antologia Poemas escolhidos (Companhia das Letras,
2012), da poeta estadunidense Elizabeth
Bishop (1911-1979).
PENSAMENTO DO DIA:
A mulher e o homem sonhavam que Deus os estava sonhando. Deus os sonhava
enquanto cantava e agitava suas maracas, envolvido em fumaça de tabaco, e se
sentia feliz e também estremecido pela dúvida e o mistério. Os índios
makiritare sabem que se Deus sonha com comida, frutifica e dá de comer. Se Deus
sonha com a vida, nasce e dá de nascer. A mulher e o homem sonhavam que no sonho
de Deus aparecia um grande ovo brilhante. Dentro do ovo, eles cantavam e
dançavam e faziam um grande alvoroço, porque estavam loucos de vontade de
nascer. Sonhavam que no sonho de Deus a alegria era mais forte que a dúvida e o
mistério; e Deus, sonhando, os criava, e cantando dizia: – Quebro este ovo e
nasce a mulher e nasce o homem. E juntos viverão e morrerão. Mas nascerão
novamente. Nascerão e tornarão a morrer e outra vez nascerão. E nunca deixarão
de nascer, porque a morte é mentira.
A criação, extraído da obra Os nascimentos (da trilogia Memória
do Fogo – L&PM, 2010), do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Veja mais
aqui e aqui.
IMAGEM
DO DIA
Mulheres brancas, da artista plástica, fotógrafa, gravurista,
escultora e artista performática Rosa Esteves.
Veja mais sobre Jorge
Luis Borges, Paulo Leminski, Geraldo Azevedo, Takashi Miike, Alex
Colville, Jean Michel Jarre, o Mito de Príapo, Psicodrama & Hikari
Mitsushima aqui.
DESTAQUE
A arte
da artista plástica Carla Shwab.
CRÔNICA DE
AMOR POR ELA
A arte da pintora italiana Lavinia
Fontana (1552-1614).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.