TEATRO EM
ALAGOINHANDUBA - Uma trupe mabembe
resolveu dar as caras por Alagoinhanduba. Tinha o grupo por objetivo uma
apresentação teatral para o público daquela localidade. Logo a companhia deu
conta das adversidades depois de muito pelejar para uma temporada por lá: Isso
é o fim do mundo! Quase era mesmo. Após bater muita perna entre lojas e
transeuntes, era hora de reorganizar as ideias: E agora? Criatividade na ponta
da língua e nos passos. Por sorte ou quase isso, o prefeito Zé Peiúdo tomava
umas e outras com o eleitorado na esquina: Ah, vocês são de triate, é? É. Engolem
espada, equilibram no cabo, cospem fogo? Não. Ah, já sei: viram bicho, se
envultam e outras palhaçadas, né? Não. A gente faz teatro, não circo. Hem? Ué,
vocês fazem mesmo o quê? A gente representa! Que droga é nove? Ah, feito atua
feito cinema, novela, só que ao vivo e em cores. Ah, então tem muito tiro e
briga? Não. Nem karatê, boxe, faroeste, sarrafada geral? Não. Tem safadeza de
furunfado? Não. Oxe, então não presta, não faz nada que a gente gosta. Pronto,
agora deu o créu. Nunca viu teatro? A gente gosta de coisa com trapezista,
contorcionista, dança, essas coisas que tem piada e esculhambação! É? Dá um
treino aí pra gente vê como é que é! Temos que nos aprontar. Ah, meu, se é bom
é assim na hora, oxe! Assim não dá, nem a pulso! Lá pras tantas tentaram se
entender, o que não foi muito fácil. Se o prefeito de maus fígados era alheio e
cheio da má vontade, o povo dali não era muito diferente: A gente nunca viu
dessas coisas não. Aí restava se virar e tentar salvar pra não perder a viagem,
arrastando malas. Os atores começaram por agir ali mesmo com uns esquetes
improvisados na hora: uma birutada geral. Foi juntando gente, bulindo um com o
outro, simulando desafios e repentes, o povo na maior gaitada, ao final
passaram o chapéu e amealharam umas moedas e algumas cédulas. O prefeito
escapuliu de ninguém nem vê-lo se picar tão de mansinho. Juntando com as
reservas das algibeiras, deu para um lanche e se arrancharem como podiam numa
pensão lá longe. Logo de manhã, molharam o bico com café, pão e ovos, e
zarparam prontos para um espetáculo infantil no meio de rua: O lobisomem zonzo.
A garotada logo apareceu, juntou bruguelo como a praga: Bicho feio! Bicho feio!
E eles tiveram que interagir com a meninada. Não deu outra: implicaram com os
personagens, se misturaram com trocas maliciosas de gentileza, foi um horror.
Escaparam para o almoço no primeiro pavilhão e, logo no início da tarde,
refizeram a cena. Mais gente se aglomerou, foi um teitei medonho: O apurado não
vai dar pros gastos. Insistiram e, na boquinha da noite, voltaram pro mesmo
local e encenaram uma peça pros adultos: O prêmio – a história de um presepeiro
que queria ganhar só por que queria sozinho na loteria. Ah, todo mundo queria
saber se o maloqueiro ganhava mesmo. Foi um deus nos acuda! É que tiveram por
cenário um tablado improvisado, enquanto corria a cena por batentes e meio-fio.
No meio da trama não pouparam esforços e acunharam com uma serração, afiando a
língua sobre pirangueiros, má gestão pública, cornagem, trambiques e safadezas,
coisas do Brasil de ontem, hoje e anteontem, e a plateia se viu revelada
naquele improviso: Serra-véia, serra-gente! Teve gente que queimou ruim, outros
deram corda, uma tijolada passou raspando pela cabeça de um, dois estranhos
trocaram tapas, foi lapada, mal-estar, pilhéria e caçoadas. A coisa tomou
jeito, a zombaria ficou mútua: toma lá dá cá. No clímax da cena, limavam tudo e
o palco arreou, maior desabamento. Foi um apupo, haja mangação. O povo no maior
corre-corre e a tragicomédia entrou pela perna de pinto e saiu pela perna de
pato. E viva o teatro! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] A globalização da produção e do consumo
acarretou muito desperdício de energia no transporte e muita destruição da
biodiversidade. Quando os manuais de economia forem corrigidos e todos os
custos sociais e ambientais da produção forem incluídos nos preços aos
consumidores, perceberemos que a produção e o comércio locais e regionais são
mais eficientes. O comércio mundial pode deixar de transportar bens e passar a
intercambiar serviços – porque é melhor trocar receitas do que tortas e
biscoitos. Nós, humanos, adoramos compartilhar arte, poesia, literatura,
filmes, ideias e invenções uns com os outros. Isto é comércio mundial
sustentável, que ajuda a desenvolver a solidariedade e consciência humanas.
[...] Precisamos corrigir o PIB e incluir
nele todos os custos e benefícios sociais e ambientais. [...] Não pode haver consumo ético a menos que
todos os custos sociais e ambientais sejam incluídos nos preços. A publicidade
deveria ser regulamentada para ser veraz e não manipular os cidadãos apelando
para o medo, a cobiça, a inveja e a vaidade, mas conscientizá-los a respeito
dos imperativos da sustentabilidade. [...] Para promover uma economia humana justa e sustentável, temos de deixar
de lado Wall Street, Londres, Frankfurt e Tóquio, os chamados “centros
financeiros”. Eles se revelaram como corruptos e destruidores da riqueza real
nas comunidades e nos ecossistemas. Já que agora podemos nos comunicar de
tantas formas novas, podemos deixar para trás o dinheiro e os grandes bancos e
fazer comércio em nível local usando apenas a informação. [...] A riqueza do mundo
são os bens ecológicos do ecossistema da Terra e a produtividade desses
sistemas naturais de vida (compostos por milhões de diversas espécies interagindo
com os solos, os oceanos, a atmosfera), absorvendo os desperdícios dos humanos
e processando os elementos de que os humanos necessitam para sobreviver: ar, água,
fotossíntese, etc. Toda essa vida da biosfera interage com os humanos, quer
seja ou não usado dinheiro para garantir tais transações. Os sistemas monetários
que os humanos inventaram são apenas tão acurados para uma adequada promoção de
tais transações, quanto ao nível de conhecimento humano e a evolução de nossos
sistemas de valores (em prol da reciprocidade e cooperação com nossas espécies
e todas as formas de vida). [...] Alguns critérios universais para a qualidade
de vida incluem as exigências básicas de manutenção da vida para a existência
humana, por exemplo, comida adequada, água, ar, etc. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos apresenta uma visão mais ampla, incluindo todas as espécies de
direitos: políticos, sociais, econômicos, etc. Porém, para muitos lugares,
coisas específicas são importantes, baseadas em regimes, culturas locais, valores,
condições, etc.[...].
Trechos extraídos da entrevista Não podemos ignorar nossas realizações cooperativas e seus heróis e
heroínas (Terra Habitada: velho desafio para a humanidade – HIU, 2005),
concedida pela economista futurista, consultora e iconoclasta inglesa, Hazel
Henderson, autora dos livros Transcendendo a Economia (Cultrix, 1991), Construindo um mundo onde todos ganhem (Cultrix, 1996), Além da globalização: modelando uma economia
global sustentável (Cultrix, 1999) e se expressa: As mulheres sabem quanto tempo, amor e esforço leva para educar uma
criança. Quando surge uma guerra, tudo isso é reduzido a nada... então, é muito
importante a participação ativa das mulheres na resolução dos conflitos. Se
essas mulheres tivessem sido dotadas de poder e representação plena nas
negociações, a paz já estaria estabelecida há décadas. Temos o poder de alterar
nosso destino. Essa também é minha visão. Na verdade, esse tem sido o meu
trabalho nos últimos 30 anos. Veja mais aqui.
A DANÇA
DE RUTH RACHOU
A dança para mim é a vida. É um processo de amadurecimento, de crescer
dentro de você e em relação às pessoas. É um aprendizado eterno. Para mim, a
dança é a vida também. Talvez não tão religiosa como a Martha Graham menciona,
mas é um ato de vida, um processo de vida muito bom e muito importante.
O livro Ruth
Rachou (Casa Amarela, 2008), de Bernadette Figueiredo e Izaías Almada, traz a
biografia da bailarina, atriz, coreógrafa, diretora e professora Ruth Rachou, que é a pioneira do pensamento moderno da
dança no Brasil, formando uma geração de artistas. Veja mais aqui.
CABRA-CABRIOLA
Havia uma mulher que tinha três filhos de tenra idade, e
saindo sempre à noite para angariar meios de subsistência para eles,
recomendava-lhes muito insistentemente, que se prevenissem contras as astúcias
da Cabra Cabriola, não abrindo a
porta senão a ela própria, cuja voz e
toada e particular perfeitamente conheciam. Certa noite, porém, chegado
o monstro, bate à porta, e ignorando o acordo estabelecido, pede como se fosse
a mãe das crianças, que a deixem entrar; mas, falando naturalmente com a sua
voz forte, grossa e horrível, nada conseguiu das suas artimanhas, e saiu
desesperada bramindo: "Eu sou a Cabra Cabriola, / Que come meninos aos pares, / E também
comerei a vós, / Uns carochinhos de nada...". Retrocede depois, oculta-se, e aguarda
a volta da mulher, e com semelhante artifício aprende-lhe a toada, e repara bem
no seu metal de voz. No dia seguinte vai à casa de um ferreiro, manda bater a
língua da bigorna, e conseguindo assim modificar a sua voz tornando-a mesmo
igual à da mãe dos meninos, vem à noite, espreita a sua saída e depois, bate à
porta cantarolando a conhecida toada: "Filhinhos, filhinhos / Abri-me a porta,/ Qu´eu
sou vossa mãe;/ Trago lenha nas costas, / Sal na moleira,/ Fogo nos olhos,/ Água
na boca,/ E leite nos peitos/ Para vos criar..." E as pobres crianças na persuasão de
que era a sua própria mãe que assim lhes falava, abrem pressurosas e alegres a
porta, e inopinadamente acometidas pela esfaimada Cabra Cabriola, são devoradas por ela.
Lenda extraída da obra Folclore
pernambucano (Imprensa Nacional, 1908), de Francisco Augusto Pereira da
Costa. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
&
A obra do escritor, dramaturgo, tradutor,
desenhista, humorista e jornalista Millôr Fernandes (1923-2012)
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.