DE
HERÓIS, MITOS & O ESCAMBAU
- Um dia, o doutor Zé Gulu,
antes de ser o eminente filósofo do povinho de Alagoinhanduba, sobrecarregado
de tédio e monotonia, excorgitava sobre a vida e todos os seres do mundo. No meio
desse ramerrão, ele achou de mudar de vida. Aí ele teve uma ideia! À primeira
vista, uma ideia maravilhosa. Resolveu, então, dividi-la com todo mundo. Um por
um dos informados, expuseram suas impressões num vasto painel de gradação: - Ideia
maravilhosa, meu doutor! – disse-lhe o primeiro. - Ótima! -, era outro
simpatizante. E vieram mais: Muito boa! Boa. Ah, mais ou menos, doutor. Olhe,
seu menino, não é tão boa assim não. Veja bem, na sinceridade? É ruim pra dedeu.
É péssima. Isso é uma ideia horrorosa! Não havia consenso: cada um expôs sua
opinião. De primeira, ele optou pelas positivas. Pavoneou-se todo, encheu-se da
maior das empáfias e, tal maior dos pabos, asseverou-se como o fodão. Oxe, se
uma parte significativa dos respondentes aprovara, pra que dúvidas? Mas, peraí.
O mesmo tanto, talvez até mais, reprovou. Ah, foi aí que ele resolveu rever,
aprimorar. Depois de muito cavoucar os neurônicos, ficou nos trinques, para
ele. Logo sentiu os efeitos. E vieram em cadeia. O que era uma simples ideia,
tomou volume, se espalhou e logo ficou definida com a mais absoluta verdade.
Eita! Ele não cabia em si. Ao mesmo tempo em que obtivera êxito, sua ideia foi
copiada, plagiada, execrada, maravilhada e repetidamente apropriada como se nem
dele fosse. E evitando o marasmo a todo custo, novas ideias foram surgindo e
ele tornou-se o eminente filósofo mais que respeitado de hoje. Aí, uma bela
tarde, encontro bebericando, como de costume, solitariamente no bar do Dudé. –
Dr. Zé Gulu, como vai? -, disse-lhe. – Escapando. -, respondeu-me. Aquilo me
pegou de surpresa. Quando encarei com severidade sua serena face, ele debulhou
o rosário de que houve um tempo em que o ser humano, não cabendo em si,
descobriu que podia inventar. E inventou o que, a priori, não poderia ser
inventável. Bastou ser uma ideia, já estava inventada. E assim o que era uma
mera e criativa metáfora, tornou-se paradigma. E como eram muitas ideias,
tornaram-se mitos que viraram mitologias cantadas por poetas como Homero,
histórias de vencedores, de superiores apaixonados, homens de fibra com
virtudes superestimadas e endeusadas. Era a vez dos ídolos que se imortalizaram
e que, ao longo dos séculos, foram substituídos uns aos outros, até que hoje
estamos carentes disso. - Dr. Zé Gulu, o que houve com isso? Ah, houve um
tempo, não muito distante que a gente ainda ouvia falar de heróis ou heroínas,
ou gente da melhor cepa ou valentia. Os tempos, obviamente, eram outros. Hoje por
causa do politicamente correto, todos posam do mocinho bem na fita, quando, na
horagá, cagam fora do penico. Esse tempo é só pra se arrumar, fazer munganga
frente aos cliques das câmaras e esconder as diabruras íntimas embaixo de sete
capas, que ninguém é mais besta pra se apregar em qualquer cruz, muito menos
sair da zona de conforto do umbigocentrimo e cair na esparrela de publicizar o
privado sem um tostão sequer por recompensa. Hoje não se vende só a alma, como
o corpo todo, a homencia, a moral, a mãe – inclusive a do guarda, coitado, e de
qualquer melepeiro que sirva pra bode expiatório -, e quem tiver por perto para
ser culpado por qualquer desacerto que porventura venha a causar desdita no
coitado vitimizado injustamente lascado. Afinal, das duas, as duas: no mundo
dos bandidos todo mundo é artista. E só quem faz merda é o vizinho porque tem a
mulher mais gostosa, vive melhor que eu e qualquer um, ou qualquer um
desavisado que deva ser premiado na hora da cena xis, o tal do sempre bode: chapéu
de otário é marreta! Milhares de anos se passaram: ainda alguns poucos no
privilégio da sinecura e a grande maioria esmagadora na hipossuficiência. Trocando
em miúdos: vivemos ainda hoje como nos primórdios da humanidade, nem aprendemos
a lascar a pedra direito. E todo mundo anda na linha e o mundo de cabeça pra
baixo. Como sempre, ou não se entende, ou reproduz o errado. Ué! Como? Vá entender.
E vamos aprumar a conversa, meu! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
Imagem: Awakening, do artista plástico francês Alphonse Eugène Felix Lecadre (1842 -
1875).