GANHAR
O MUNDO NO RUMO DAS VENTAS
- Robimagaivi vivia insatisfeito com a sua vida. Pra ele, o sal não só se
pisava na moleira, como a madrasta da sua existência devia de tê-lo enrolado na
boca de um cururu inchado e ficar futucando com tridente de ferro em fogo vivo
no pior vudu. Pra ele, tudo era injusto, não merecia aquilo. Não se dava por fracassado,
porém, às vezes, arreava de quase num poder nem sair duma depressão braba.
Tomava um cachaçada pra desarrumar o juízo e achar o caminho da casa de caixa
pregos. Pronto, estava novinho pra enfrentar tudo e todos. Estudar, não pôde. E
por duas razões. A primeira: tinha que ajudar no sustento da casa. Deixou a
escola pra se meter nos afazeres que aparecessem para amealhar qualquer trocado.
Era que sua mãe, uma lavadeira que vivia só de trabalhar da hora que acordava
até a hora de dormir, tanto com os afazeres domésticos como com os compromissos
com as trouxas de roupa dos fregueses na beira do rio, não parava de lhe puxar
na responsa. Seu pai, um faz-tudo, puxou a ele. Não tinha emprego certo,
consertava de penico a erros de cálculos nas construções. Reclamava de manhã,
de tarde e de noite feito cantiga de grilo: - Arrumi sua vida, traste! Quem tem
fi’baibado é gato, fidapeste! E o filho seguia o mesmo caminho, isso quando não
dava na doida de inventar umas coisas imprestáveis que até funcionavam por um
certo lapso de tempo pra tapeação dos bestas, depois travavam de um jeito de
não terem serventia pra nada. A segunda, nem a escola, nem os professores lhes
caíam nas graças. Nenhum conteúdo ministrado na sala de aula chamava a sua
atenção: - Num sei praquê aprendê essas coisa, num vejo valia nenhuma na minha
vida nem na de ninguém. O que era do seu interesse, não passava nem por perto
do que era levado a sério pelos professores, coisas que, pra ele, eram da maior
importância, mas que a escola não dava a mínima. É certo que ele vivia com a
cabeça nas nuvens, envolvido com leituras sobre OVNIS, histórias de trancoso,
literatura de cordel, enigmas de civilizações antigas e avançadas, milagres e
reencarnações, vampiros e seres sobrenaturais, tragédias avassaladoras e ficção
científica. Isso sim, pra ele, assunto que dava sustança nas ideias dele, de
vê-se criativo e no meio delas. Como não estudou, não tinha profissão certa. O
que aparecesse, ele traçava. E até que davam realmente certas. Nem tanto. De
dez serviços feitos, o dobro de broncas por retorno. Tanto que apelidaram de recall: - Ô disgracento, aquela merda
que tu fizesse, dexô o troço impancado lá em casa, visse? Tu vai reconsertá
logo sinão a ziguizira comi pro teu lado! Tu num é rico pruquê é um rical da
porra! É, o cara andava embroncado as vinte e quatro horas do seu dia, os sete
dias da semana, todos os meses e anos seguidos nas décadas de sua existência.
Não era só que ele fizesse nada que prestasse, não só isso, eram os recursos
utilizados de procedência química lá da cabeça dele, de juntar alhos com
bugalhos, como usar cuspe na condição de cola, arame como fiação, em suma, o
rei da gambiarra. Emendava de tudo, sempre tudo na base do paliativo. Na
horagá, se enrolava com seus improvisos. Casou-se duas vezes, não deu certo. a
primeira, uma Xantipa, pior capota-choca, de empurrá-lo no abismo abaixo. A
segunda, valha-me, pior que a primeira: pense num trubufu maldizente! Agora
convivia com uma secretária aprumada que praticamente o sustentava, mas de vez
em quando botava ele pra correr. Coisa incerta. De tanto aprontar e se
engalfinhar com a vida, deu de tomar conta de si, na tentativa de aprumar a
conversa e dar um rumo pras ventas. Mas fazer o quê? Olhava pros quatro cantos
do mundo e não via saída. A mulher, o pai, os amigos, todo mundo só: - Vai
arrumá o quifazê! Vai fazê um curso, se aperfeiçoá, se profissionalizá em
alguma coisa na vida, homi! Deixa de sê imprestávi, procura tê serventia! Isso
enchia o seu saco, estava já perdendo a paciência. – Eu vô é arrumá meus
bregueços e caí no mundo, ora! Não via oportunidade ali, Alagoinhanduba era
menor que os seus anseios. – Ele tá meio aluado! -, diziam. – Meio? -, asseverava
o pai: - ele tá é todo, esse fi’da gangrena da boba torrero! E ele respondia: -
De certeza, só a morte! Quaiqué viela é caminho pra quem num tem pronde ir! Ainda
semana passada ele estava se despedindo do povo que ia pra São Paulo pela
segunda vez, de pé. Da primeira, voltou irreconhecível quase um ano depois. E
isso não tem nem dois anos. Hoje faz uma semana que ele desapareceu, parece que
ganhou o mundo no rumo das ventas. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.
Imagem:
a arte do
pintor francês Eugène Delacroix
(1798-1863). Veja mais aqui.
Curtindo
a coleção de cds The Warner Recordings
(Warner, 2014), da pianista francesa Hélène Grimaud interpretando diversos compositores.
PESQUISA
Estudando
a obra Entre o mito & política
(Edusp, 2001), do historiador, antropólogo e professor francês Jean-Pierre Vermant (1914-2007).
LEITURA
Relendo o livro Diálogos com Leucó (Cosac & Naify,
2001), do escritor, crítico e tradutor Cesare
Pavese (1908-1950).
PENSAMENTO DO DIA
Pra quem perdeu
a bússola, o rumo da venta só leva pro caminho da casa da peste! (LAM)
Veja mais Brincarte
do Nitolino, Ludwig Wittgenstein, Filippo Marinetti, Azar
Nafisi, Eugène Delacroix, Nelson Freire, Dadá
– Sérgia Ribeiro da Silva, Augustine,
SoKo, John De Mirjian & Maria Iraci
Leal aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
Nu, da artista plástica e ilustradora Caroline Vos.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá