UM
DIA NO MEIO DAS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ
- Depois que ingeriu a lapada do
pau-de-índio, Biritoaldo fitou o Rolivânio no meio da turma e vociferou: - Você
é menó qui seu tamain! Tudinho aqui é minusco, menó qui uma bostinha de nada
duma barata tonta de valia! Num tem um com H maiúsco! Tudim, tudim, menó qui o
tamain, comboio de porra! -, desafiou também o comparsa Penisvaldo, cuspiu no
chão e zarpou trocando as pernas e os olhos, cagando raio mundo afora. A
corriola se entreolhava, um ao outro com a cara da estranhice pela inesperada
atitude destemperada do pariceiro com a dupla vitimada. Aquilo não era do
feitio dele, sempre com seu mutismo de mané que não tem nada a ver com isso. É
certo que ele andava engalhado e ressentido pela dúvida de ficar entre a
chiqueza tanajura da Munga e o mandonismo sargento da Chica Doida, sem saber
como é que é que ficava e como tudo ia afinal findar. Coisas dele. Pudera,
nascer como ele nasceu depois de mais de dez meses encruado no bucho da mãe e sem
querer dar as caras pro mundo, abrir a porteira roxo e com o pingolin tapado,
pra depois, durante toda infância ser acometido de todo tipo de maledicência,
era demais prum sujeitinho das costas ocas como ele. Com os pais mantinha uma
relação de completa submissão: achava-se desdenhado pelo pai ocupado o dia todo
com os afazeres e só chegando em casa lá pras tantas da noite, não tendo tempo
para dedicar um mínimo afeto para ele. Por outro, a superproteção da mãe,
mandona e cheia de ameaças, dele tão medroso não sair da sala pra cozinha sem
que soltasse um só segundo que fosse do cós da saia dela. Levou muita pisa por
ficar olhando fechadura, brechando pelo combongó ou por cima do muro do quintal
de mutuca nos banho das primas, vizinhas e achegadas. Quantas vezes a mãe não
pegou-lo pelas orelhas num beliscão de quase arrancar um taco fora por sua
abelhudice nas intimidades femininas. Quantas lamboradas boas levou do pai
pelos despropósitos de ficar levantando a saia e puxando o sutiã das meninas.
Quantas e quantas vezes não levou tabefe pei bufe flagrado na maior bronha
homenageando a professora. Era surra de manhã, de tarde e de noite. Não
bastando entrar na adolescência com sua donzelice, não se enturmar com ninguém
e ser ridicularizado por todas as meninas. O cara cresceu peixe fora d’água,
sem ter em que ou quem se amparar. Quando tomou direção na vida, cai nas garras
da Munga, ricona raimunda, filha do pai mais desalmado do lugar, daquele de
tirar cueca pela cabeça. Quando consegue se livrar dela, cai nas garras da Chica
Doida que adorava fazer sexo violento, não antes torturar e tripudiar em cima
da sua vítima. Pronde corria o cara só apanhava, razão pela qual todo mundo
estranhar ele sair do seu reprimido jeito de ser, para desaforar com a cara dos
amigos. Aliás, era quando estava no meio dos da sua laia a ocasião que era
capaz de balbuciar alguma coisa. No mais das vezes, sempre lagartixa pra tudo.
Ou quando era revestido pela autoridade do sogro a comandar a peãozada. Nesta o
cabra virava o bicho tirano. Não havia déspota na face da terra pior que ele. O
que ele mandava e desmandava pra cima dos calungas, era de se ver ele aos
esporros com exigências humilhantes de patenteado militar. Não arredava um
milímetro na exigência de fazer, desfazer e refazer tudo só pra sentir o
gostinho de mandar uma vez na vida, vingando-se de todas as suas sofrências e
frustrações. Quando saía do expediente, voltava a ser o enrustido de sempre,
incapaz de falar, muito menos de discordar do que quer que fosse. Ah, também
quando tomava uma saindo do seu estado usual, para ser o cara mais cheio de
razão, todo adiantado com a folga das riquezas nunca tidas e homência jamais
provada. Era quando virava o cabrunco-chupando-manga, de descer dos tamancos e
rodar a baiana chutando o pau da barraca e tudo que viesse junto, pra arrear
num canto desprotegido a levar lambidas e mijadas do primeiro guenzo que
aparecesse. Todos estavam, inclusive, carecas por saberem disso. E mais: que no
dia seguinte ele apareceria com a cara mais lisa do mundo, como se nada tivesse
acontecido. Só que dessa vez, três dias depois, ele reaparece atacado dos
punhos à gola, sem falar com ninguém e com sumiços fortuitos. – Terá ele virado
coroinha dalguma religião? -, perguntaram curiosos. – Nada, esse Birito é cheio
dos pantins mesmo! – Quantos dias? -, apostaram que ele não sustentaria o
personagem por mais vinte e quatro horas. – Alguém viu o Birito por aí? -,
perguntavam. – Ôxe, indagora vi-lo todo beiçudo com um rei na barriga e venta
empinada sem falá cum ninguém! Pra contrariar as expectativas, só vinte e dois
dias depois ele foi encontrado completamente embrigado, chorando nos pés da
estátua do coronel na praça. Levaram-no pra casa. Que casa? Munga não queria
vê-lo nem pintado a ouro. Chica Doida mandou sacudi-lo no chilindró. Assim
fizeram. Mais três dias passados, lá estava ele virando copo no bar do Dudé,
apertando a mão de um e de outro. – Tais candidato a que, Birito? E ele com um
sorriso amarelo, apenas balançava a cabeça. – Quéqui hôve, rapaiz? -, insistiam
e só lá pras tantas que ele dava o ar da graça com a cara mais lesa: - Aprendi
a lição. Nada, todos se riam sabedores que ali estava um incorrigível que, mais
cedo ou mais tarde, aprontaria das suas de novo. Consigo, nem valorava a sua
desimportante vida, provando, apenas, que a vida prossegue e nada como um dia
atrás do outro para cada um revelar pra si e pros outros o quanto vale uma
noite no meio de cada acontecimento. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Imagem: a arte do
pintor, escultor, gravurista e ceramista surrealista catalão Joan Miró (1893-1983). Veja mais aqui.
Curtindo a obra da
compositora e musicóloga Tatiana
Catanzaro, na interpretação das pianistas Joana Holanda, Lidia Bazarian
& Karin Fernandes, o grupo Percorso
Ensemble, Orquestra Sinfônica da Unicamp, Quinteto Quintal
Brasileiro & Orquestra Jovem da Unicamp.
LEITURA
Relendo o livro
O homem, a mulher a natureza (Record, 1958), do filósofo e escritor inglês
Alan Watts (1915-1973). Veja mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA
EDUCAÇÃO PARA
PATERNIDADE/MATERNIDADE: Nos tempos atuais há necessidade de
instituição de uma disciplina ou tema transversal destinado à Educação para
Paternidade/Maternidade e que deveria ser incluída entre os conteúdos do Ensino
Fundamental, Médio, Educação de Jovens e Adultos e, sobretudo, para as famílias
e comunidades. Os conteúdos deverão ter por base a Psicologia Infantil e da
Adolescência, os Direitos da Criança e do Adolescente e a Responsabilidade
Civil nos relacionamentos afetivos, notadamente a partir do ficar, do namoro,
do noivado e do casamento, os direitos e deveres, o direito de amor, o direito
de romper, a gravidez na adolescência e suas consequências na formação das
relações afetivas, familiares e de paternidade/maternidade, a formação de pais
e o seu papel na família contemporânea, entre outros assuntos. Veja mais aqui,
aqui, aqui e aqui.
Veja mais Brincarte do
Nitolino, Augusto dos Anjos, Nélida Piñon,
Igor Stravinski, Eugène Ionesco, Joan
Miró, Jessica Lange, Frances Farmer, Papel no Varal & Ricardo Cabús & Suely
Ribella aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA