domingo, setembro 05, 2021

LAWRENCE FERLINGHETTI, ALEX CAPRILES, ANKE FEUCHTENBERGER, LILLIAN CONSTANTINE & CAROL ITO

 

 

TRÍPTICO DQP – Entre ditos & desditos... - Ao som do Jubileu das Cordas 50 Anos de Violão (2019), do violonista e compositor Henrique Annes. - Os fantasmas brincalhões da minha convivência hibernaram num vasto e quinquenal silêncio. Para quem vive de trela com os visinvisíveis, nenhuma graça emerge na álgida noite que povoa os amanheceres desde então. É tudo tão noturno, da sombria sobrevivência, um ou outro insone abantesma aparece entre tantos trogloditas raivosos vivinhos da silva atrapalhando a conversa, de logo desaparecem neste tempo de Fecamepa do mico Coisonário. Para mim uma primavera perdida se aproxima apesar de hesitante e tão longínqua, de restar apenas uma indagação: qual independência de mesmo é a deste dia 7 de setembro, hem? Equivocações reiteradas, parece. Sim, isso mesmo. Para minha extemporânea satisfação, constato a chegada do poeta Lawrence Ferlinghetti a me dizer que O mundo é um ótimo lugar e, diante da minha anuência para lá de desconfiada, recita um verso: Piedade para a nação - óh, piedade para os homens / que permitem que os próprios direitos sejam corroídos / e suas próprias liberdades levadas embora. / Minha Pátria, lágrimas de ti / doce terra de liberdade!... Com ele, ao mesmo tempo, a sensação de júbilo pela interlocução, enquanto um coveiro à espreita interrompe e é muito difícil manter a compaixão, nada impossível. Salve-se quem puder, sou outro a cada passo.

 


Uma & outra... - Imagem: For the Love of Money (2020), da artista estadunidense Katherine Gianaclis (1924-1999), ao som de Epifanie, per voce e orchestra su testi di Proust, Machado, Joyce, Sanguineti, Simon, Brecht (1961), de Luciano Berio, na interpretação de Cathy Berberian & Orchestra della RAI di Roma, 15 Marzo 1969. - Estou atordoado e não poderia ser diferente: meu país naufraga inevitavelmente pelas intermitentes e mais terríveis tormentas desde que Pindorama se perdeu. Sou como todos os demais: vivo à deriva, agarrado a uma boia imaginária que ameaça se dissolver para minha completa exaustão. Vivo de talvez, vez em quando. E me surpreendo com a presença inesperada de Alex Capriles a decodificar este tempo muito louco, insistindo risonho que existe muito mais loucura, crimes e doenças associadas ao dinheiro do que ao sexo ou qualquer outro conteúdo mental. Sorrio amarelo, tento disfarçar, impossível: agora é um mundo complexo e arriscado. Ele então segura firme o meu braço e adverte: É utópico pensar em acabar com o dinheiro. Mas os sofisticados instrumentos financeiros estão desfigurando a noção habitual de dinheiro. Hoje, o conhecimento é mais importante que o capital. O poder, a sexualidade e a fama sempre existirão como paixões humanas. O importante é analisar o lugar que elas ocupam nas nossas vidas... Fiquei sem saber o que dizer nem fazer, olhei pros lados e ele tagarelou persistente enumerando patologias monetárias, comparando situações da potencializada avareza com os pobretões de espírito soberbamente endinheirados, da compulsão pela acumulação e as taras monetárias como graves distúrbios psicossociais. Para quem náufrago sem saída, era como se ocorresse instantaneamente a releitura de Huberman ou revisse as veias abertas de Galeano. Viu-me espantado e fitou meus olhos: Ninguém está imune à decepção. Tornou-se um flagelo e para me livrar passei a encarar semblantes passantes: cifrões ditavam sorrisos e consternações. Ele sorriu, abraçou-me e se despediu com umas palmadinhas nas costas: levou de mim a ignorância do olhar e me deixou olhos agudos de peito aberto.

 


Duas ou mais de amores & violência... - Imagem: arte da quadrinista, ilustradora e jornalista Carol Ito. - Os pensamentos eram os passos dos outros povoando minha mente. Desconcertado, recorri ao banco da praça e nem me dei conta de uma bela jovem já ali aboletada. Era Lillian Constantine, disse-me seu nome e de chofre: Filmei meu próprio estupro e consegui a prisão do meu agressor. Nossa! Baixou os olhos, vi-lhe as mãos e lábios trêmulos. Virei-me para ela, uma jovem britânica na flor dos seus 21 anos, acredito. Tentei demonstrar meu apoio e, com seu jeito cabisbaixo, contou-me daquela noite numa rua escura de Ramsgate, Kent, há 5 anos atrás, lembrando dos mínimos detalhes e a sua opção: havia renunciado o direito à privacidade e filmara o ataque, relatando... Em primeiro lugar, virei a gravação do vídeo no meu telefone e acendi a luz também porque estava escuro como breu onde eu estava e pensei: 'Ok, se ele me ver' estou gravando '- e gritei para ele: Estou gravando você, estou gravando você - ele vai fugir, vai assustá-lo, não vai querer ser pego. Mas ele não se importou nem um pouco. Eu estava tão chocada. Eu estava gritando com ele, xingando, gritando por socorro. Eu pensei: este deve ser um maníaco absoluto. Foi completamente bárbaro. Percebi que ao me contar buscava forças dentro de si para superar o trauma. Enquanto isso, um caleidoscópio de imagens rondava ao nosso redor: da Aracelli de Louzeiro, da bela Inés do Goya de Milos Forman, da Lolita de Nabokov, e outras tão reais e que ocorrera por perto, como a das Sombras do Coração de Gilvanícila, de Telma & Todas as Filhas da Dor, até mesmo das oriundas da Nota Técnica nº 11 - Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014), de Daniel Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho, dando conta da dramática situação apurada pelo Ministério da Saúde, de que 15% dos estupros registrados foram cometidos por duas ou mais pessoas, e que 11,3% dos casos envolvem crianças vitimadas pelos próprios pais. Era tudo muito perturbador. Ela e eu, suspensos no tempo. Então ela deitou a cabeça desamparada ao meu ombro e, cá comigo, eu teimava, sem dizer palavra alguma, que poderia ser tudo tão diferente, não fossem os impunes Ashraf Miah que vão e voltam escondidos em suas máscaras humanas.

 


Outra a mais & o amor assim... - Imagem: a arte da artista Maria Angela Biscaia. - Naquele encontro nos demoramos e eu me vi Émile e ela transformada na estonteante doméstica, Jeanne Rozerot, como se fosse paixão à primeira vista e ao meu dispor. Na minha cabeça ela era Nana e sequer dali imaginava Germinal. Da praça à intimidade, foi como estalar os dedos e logo cenas dela nos afazeres, provocantemente varrendo a casa, lavando roupa, limpando os móveis, cuidando da casa nas férias em Royan, eu fotografando tudo dentro de casa na rue Saint-Lazare, conversando curiosamente sobre sua vida – era a filha do moleiro e órfã de mãe, castigada pela madrasta, fugiu com sua irmã para viver com a avó e tornar-se a criada ideal dos meus sonhos e desejos. Não fossem tantos acontecimentos, como o Caso Dreyfus, as ameaças de morte, o empreiteiro de fornos e os vapores do monóxido de carbono na perturbada noite com Alexandrine, poderia ter sido feliz por muito mais tempo ao lado dela.

 


Cada um diga o que quiser falar... - A arte da artista, professora e cartunista alemã Anke Feuchtenberger. – Nada pudera, não era abril, nem mesmo o paraíso. Quando me vi sozinho perdido no meio da minha noite interminável, ela reapareceu e era a poeta Leila Ferraz que fez outra escrita da pele para digitar na minha língua um recado de amor. Ela então bailou como se fosse a coreógrafa cubana Alicia Alonso (1920-2019) a recitar suas Lágrimas insuspeitas: Algumas mulheres de minha geração sofreram muito / com a usurpação do tempo que devia ser delas. / Não há ouvidos para meus apelos. / É como se eu tivesse enraizado meus pés em uma terra devoluta / e meus braços se agitassem unicamente com a força dos ventos em fúria. / Doem-me as feridas de um tempo que passa levando consigo / meu corpo e flagelos da alma para a cova rasa do esquecimento. / Mais do que nunca hoje eu fui embora. / Para bem longe, onde a liberdade me escolta presa à arquitetura da satisfação solitária. / Sou uma civilização perdida e isolada do mundo. / Presa em um retângulo de sacrifícios. / Meu desgosto é trágico como uma ópera de cavernas. / Só me resta pouco tempo neste corpo cativeiro de almas. E mais tivemos além da entrega mútua e viva nas mãos que soltaram pela bifurcação dos passos. Dela, o milagre da flor: a escolha de ser livre. Cada um o seu momento, o que vale é o que vai de um coração a outro. Sempre disse sim, cuidei do ouro das cicatrizes. Não ofendi minha sorte, tudo valeu a pena, até o silêncio de uma ideia perdida. Até mais ver.

 

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HIRONDINA JOSHUA, NNEDI OKORAFOR, ELLIOT ARONSON & MARACATU

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014), Retalho...