TRÍPTICO DQP – Entre
ditos & desditos... - Ao som do Jubileu
das Cordas 50 Anos de Violão
(2019), do violonista e compositor Henrique Annes. - Os fantasmas
brincalhões da minha convivência hibernaram num vasto e quinquenal silêncio. Para
quem vive de trela com os visinvisíveis,
nenhuma graça emerge na álgida noite que povoa os amanheceres desde então. É
tudo tão noturno, da sombria sobrevivência, um ou outro insone abantesma aparece
entre tantos trogloditas raivosos vivinhos da silva atrapalhando a conversa, de
logo desaparecem neste tempo de Fecamepa
do mico Coisonário. Para mim uma
primavera perdida se aproxima apesar de hesitante e tão longínqua, de restar apenas
uma indagação: qual independência de
mesmo é a deste dia 7 de setembro, hem? Equivocações reiteradas, parece. Sim,
isso mesmo. Para minha extemporânea satisfação, constato a chegada do poeta Lawrence Ferlinghetti a me dizer que O
mundo é um ótimo lugar e, diante da minha anuência para lá de desconfiada, recita
um verso: Piedade para a nação - óh,
piedade para os homens / que permitem que os próprios direitos sejam corroídos
/ e suas próprias liberdades levadas embora. / Minha Pátria, lágrimas de ti / doce
terra de liberdade!... Com ele, ao mesmo tempo, a sensação de júbilo pela
interlocução, enquanto um coveiro à espreita interrompe e é muito difícil
manter a compaixão, nada impossível. Salve-se quem puder, sou outro a cada
passo.
Uma & outra...
- Imagem:
For the Love of Money (2020),
da artista estadunidense Katherine
Gianaclis (1924-1999), ao som de Epifanie,
per voce e orchestra su testi di Proust, Machado, Joyce, Sanguineti, Simon,
Brecht (1961), de Luciano Berio,
na interpretação de Cathy Berberian
& Orchestra della RAI di Roma, 15 Marzo 1969. - Estou atordoado e não
poderia ser diferente: meu país naufraga inevitavelmente pelas intermitentes e
mais terríveis tormentas desde que Pindorama se perdeu. Sou como todos os
demais: vivo à deriva, agarrado a uma boia imaginária que ameaça se dissolver
para minha completa exaustão. Vivo de talvez, vez em quando. E me surpreendo
com a presença inesperada de Alex Capriles a decodificar este tempo muito louco, insistindo
risonho que existe muito mais loucura, crimes e doenças associadas ao dinheiro
do que ao sexo ou qualquer outro conteúdo mental. Sorrio amarelo, tento
disfarçar, impossível: agora é um mundo complexo e arriscado. Ele então segura firme
o meu braço e adverte: É
utópico pensar em acabar com o dinheiro. Mas os sofisticados instrumentos
financeiros estão desfigurando a noção habitual de dinheiro. Hoje, o
conhecimento é mais importante que o capital. O poder, a sexualidade e a fama
sempre existirão como paixões humanas. O importante é analisar o lugar que elas
ocupam nas nossas vidas... Fiquei sem saber o que dizer nem fazer,
olhei pros lados e ele tagarelou persistente enumerando patologias monetárias,
comparando situações da potencializada avareza com os pobretões de espírito
soberbamente endinheirados, da compulsão pela acumulação e as taras monetárias
como graves distúrbios psicossociais. Para quem náufrago sem saída, era como se
ocorresse instantaneamente a releitura de Huberman
ou revisse as veias abertas de Galeano. Viu-me
espantado e fitou meus olhos: Ninguém
está imune à decepção. Tornou-se um flagelo e para me livrar passei a
encarar semblantes passantes: cifrões ditavam sorrisos e consternações. Ele
sorriu, abraçou-me e se despediu com umas palmadinhas nas costas: levou de mim
a ignorância do olhar e me deixou olhos agudos de peito aberto.
Duas ou mais de amores & violência... - Imagem:
arte da quadrinista, ilustradora e jornalista Carol Ito. - Os pensamentos eram os passos dos outros povoando
minha mente. Desconcertado, recorri ao banco da praça e nem me dei conta de uma
bela jovem já ali aboletada. Era Lillian
Constantine, disse-me seu nome e de chofre: Filmei meu próprio estupro e consegui a prisão do meu agressor. Nossa!
Baixou os olhos, vi-lhe as mãos e lábios trêmulos. Virei-me para ela, uma jovem
britânica na flor dos seus 21 anos, acredito. Tentei demonstrar meu apoio e, com
seu jeito cabisbaixo, contou-me daquela noite numa rua escura de Ramsgate, Kent,
há 5 anos atrás, lembrando dos mínimos detalhes e a sua opção: havia renunciado
o direito à privacidade e filmara o ataque, relatando... Em primeiro lugar, virei a gravação do vídeo no meu telefone e acendi a
luz também porque estava escuro como breu onde eu estava e pensei: 'Ok, se ele
me ver' estou gravando '- e gritei para ele: Estou gravando você, estou
gravando você - ele vai fugir, vai assustá-lo, não vai querer ser pego. Mas ele
não se importou nem um pouco. Eu estava tão chocada. Eu estava gritando com
ele, xingando, gritando por socorro. Eu pensei: este deve ser um maníaco
absoluto. Foi completamente bárbaro. Percebi que ao me contar buscava forças
dentro de si para superar o trauma. Enquanto isso, um caleidoscópio de imagens
rondava ao nosso redor: da Aracelli de Louzeiro, da bela Inés
do Goya de Milos Forman, da Lolita de Nabokov, e outras tão reais e que ocorrera por perto, como a das Sombras do Coração de Gilvanícila, de Telma & Todas as Filhas da Dor, até
mesmo das oriundas da Nota Técnica nº 11
- Estupro
no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014), de Daniel Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho, dando conta da dramática situação apurada pelo
Ministério da Saúde, de que 15% dos estupros registrados foram cometidos por
duas ou mais pessoas, e que 11,3% dos casos envolvem crianças vitimadas pelos próprios
pais. Era tudo muito perturbador. Ela e eu, suspensos no tempo. Então ela
deitou a cabeça desamparada ao meu ombro e, cá comigo, eu teimava, sem dizer
palavra alguma, que poderia ser tudo tão diferente, não fossem os impunes
Ashraf Miah que vão e voltam escondidos em suas máscaras humanas.
Outra a mais &
o amor assim... - Imagem:
a arte da artista Maria Angela Biscaia.
- Naquele encontro nos demoramos e eu me vi Émile e ela transformada na estonteante doméstica, Jeanne Rozerot,
como se fosse paixão à primeira vista e ao meu dispor. Na minha cabeça ela era Nana e sequer dali imaginava Germinal. Da praça à intimidade, foi
como estalar os dedos e logo cenas dela nos afazeres, provocantemente varrendo
a casa, lavando roupa, limpando os móveis, cuidando da casa nas férias em
Royan, eu fotografando tudo dentro de casa na rue Saint-Lazare, conversando
curiosamente sobre sua vida – era a filha do moleiro e órfã de mãe, castigada
pela madrasta, fugiu com sua irmã para viver com a avó e tornar-se a criada
ideal dos meus sonhos e desejos. Não fossem tantos acontecimentos, como o Caso Dreyfus,
as ameaças de morte, o empreiteiro de fornos e os vapores do monóxido de
carbono na perturbada noite com Alexandrine, poderia ter sido feliz por muito
mais tempo ao lado dela.
Cada um diga o
que quiser falar... - A arte
da artista, professora e cartunista alemã Anke
Feuchtenberger. – Nada pudera, não era abril, nem mesmo o paraíso. Quando me vi sozinho perdido no meio da minha noite
interminável, ela reapareceu e era a poeta Leila Ferraz que fez outra escrita da pele para digitar
na minha língua um recado de amor. Ela então bailou como se fosse a coreógrafa
cubana Alicia Alonso (1920-2019) a
recitar suas Lágrimas insuspeitas: Algumas mulheres de minha geração sofreram
muito / com a usurpação do tempo que devia ser delas. / Não há ouvidos para
meus apelos. / É como se eu tivesse enraizado meus pés em uma terra devoluta /
e meus braços se agitassem unicamente com a força dos ventos em fúria. /
Doem-me as feridas de um tempo que passa levando consigo / meu corpo e flagelos
da alma para a cova rasa do esquecimento. / Mais do que nunca hoje eu fui
embora. / Para bem longe, onde a liberdade me escolta presa à arquitetura da
satisfação solitária. / Sou uma civilização perdida e isolada do mundo. / Presa
em um retângulo de sacrifícios. / Meu desgosto é trágico como uma ópera de
cavernas. / Só me resta pouco tempo neste corpo cativeiro de almas. E mais
tivemos além da entrega mútua e viva nas mãos que soltaram pela bifurcação dos
passos. Dela, o milagre da flor: a escolha de
ser livre. Cada um o seu momento, o que vale é o que vai de um coração a outro.
Sempre disse sim, cuidei
do ouro das cicatrizes. Não ofendi minha sorte, tudo valeu a pena, até o
silêncio de uma ideia perdida. Até mais ver.
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