TRÍPTICO DQP – Et in orbis terrarum ego – Ao som Complete
Symphonies (Simax, 2008), do compositor norueguês Olav Fartein
Valen (1884-1952), na interpretação da Bergen Philharmonic Orchestra &
Aldo Ceccato. - A noite é longa e desfio ideias, olhos
acesos, quantas horas obscuras. Não sei o que há, desorientado e mudo, diante
das estatísticas e hesitações: há em mim um incorrigível senso de equidade,
sinal de lealdade e de justiça, acho. O mundo é um tapete despedaçado: os laços,
desnovelados. O calendário é um semáforo apagado e se acende diante do perigo
repugnante, alerta demais. Algum sentido nisso tudo, nenhum. Nem procuro mais.
Valho-me das páginas d’O amor, etc
(Rocco, 2002), do escritor inglês Julian Barnes: Eu disse
que o que você encontra não é necessariamente o que você quer. Vamos falar de
amor. Ele não é como nós achávamos que seria. Podemos todos concordar com isso?
Melhor, pior, mais longo, mais curto, superestimado, subestimado, mas não o
mesmo. Também, diferente para pessoas diferentes. Mas isto é algo que você só
aprende aos poucos: o que é o amor para você. Quanto você tem dele. Do que você
abrirá mão por ele. Como ele vive. Como ele morre... Decerto, a vida faz a sua parte, não ignoro a minha dor:
ainda há tempo.
O amor, de novo... – Imagem: My body,
my blood, arte da professora, pesquisadora e artista multimídia Diana
Domingues. – A solidão e o que fazer, reunia tentativas
de assemblages na minha caixa de
sombras (cassemblas: memória e poéticas) – inspiradas na arte do artista e
cineasta estadunidense Joseph Cornell
(1903-1972). Para minha surpresa apareceu La Rochefolcauld com uma advertência: As pessoas fracas não podem ser sinceras. Sim: nunca
esperei nada de ninguém, sigo só. E prosseguiu: Há pessoas que nunca teriam se apaixonado se
não tivessem ouvido falar no amor. O amor é como fogo: para que dure é preciso alimentá-lo. O prazer do amor
é amar e sentirmo-nos mais felizes pela paixão que sentimos do que dela inspiramos.
Todas as paixões nos levam a cometer erros, mas o amor faz-nos cometer os mais
ridículos. Ouvia-o atentamente, anuindo. Deveras, o insondável.
Retomei os apetrechos e continuei na tarefa, ouvindo-o a zanzar de um lado a
outro: Quem vive sem loucura não é tão
sábio como pensa. O verdadeiro amor é como os fantasmas. Todos falam nele, mas
ainda ninguém o viu. Quem não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil
procurá-la em outro lado. Parei o que estava
fazendo e dei-lhe mais atenção. Ele abriu um sorriso tímido e voltou a caminhar
passando um dos dedos sobre os livros das estantes, conferindo um a um, ora fazendo
ar de rejeição, ora dissimulando alguma satisfação, contornou todo ambiente –
havia estantes por todas as paredes -, até voltar-se, mando-me prosseguir no
que eu estava fazendo. Atendi e, tempos depois, ao procurá-lo no recinto,
estava o lugar mais limpo.
Doutra feita... – Imagens: arte do escultor francês Yves
Pires. – Profundamente só, fiquei entretido com
a composição da obra. Não sei quanto tempo, mas não demorou muito e o ambiente
foi ocupado por ela, linda de sempre, surpreendente: uma fera solta, voluptuoso
fascínio. Era como se de repente tudo mudasse de nome e lugar com o Sol
reluzindo dos seus olhos, seus lábios gulosos vermelhos e brilhosos com a
emanação que provinha dos seios ao decote, como se uma cachoeira retumbante
destampasse o ventre exato nos quadris fartos realçando o ventre ardente e
acumulado de vitalidade, uma fonte precisa, tremendamente misteriosa, a recitar
um verso de Mário Benedetti: Estávamos, estamos, estaremos, / às vezes em
pedaços, / distantes, / às vezes, / até as pálpebras dos sonhos... Chegou
como se jamais tivesse partido, desvestindo-se, adivinhando meu coração desordenado, sobrecarregado de incertezas e
assombrações, enquanto citava o poeta de cor, como se falasse pelos cotovelos: Mas existe verdadeiramente outro rumo? Na
verdade, só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta.
Saber esperar é uma virtude. Aceitar que cada coisa tem um tempo certo para
acontecer é ter fé. Eu não sei se sou uma pessoa triste com vocação pra ser
alegre, ou vice e versa, ou do avesso. O que sei é que, sim, há sempre alguma
tristeza nos meus momentos mais felizes, da mesma forma que há sempre um pouco
de alegria nos meus piores dias. Girou na ponta dos
pés, tomou pé de tudo por ali e desfilou lenta e graciosamente até mim. Envolveu-me
em seus braços, sondou com olfato aguçado todos os meus infernos e ronronou
ferina exaltada ao meu ouvido. Puxou-me para si e, ao primeiro beijo, o seu
corpo estremecido e arrepiado tomou conta de mim. E beijou-me mais, a entrega. Era
o milagre: estava em paz com todos os bichos do universo. E nos revolvemos e eu
me recusava a dormir, precisava respirar sem medo, viver cada segundo daquela
vez.
Aí, deu noutra... Era
só o que me faltava... – Imagem: Arte de Perron. - Entre as
horas, nuvens e lençóis, ela instigou-me com seu jeito de atriz argentina, Cecilia
Roth, a me chamar atenção com o folder da peça Olhe pra
Trás com Raiva à mão, um
texto autobiográfico do dramaturgo britânico John Osborne. Repassava de cor os monólogos raivosos das cenas que havíamos
assistido: a angústia da solidão, as divergências, a mediocridade, devastações.
Ela levantou-se nua, remexeu a papelada sobre o meu birô e encontrou uma foto
que dera por perdida: Quem é? Era a atriz e professora Clenira Bezerra de Melo, que atuou no Teatro de Amadores de
Pernambuco, em espetáculos como Um sábado em 30, A Vítima, Zuzu,
entre outras. Mencionou que gostaria de ter visto. Depois pegou na mesa um
livro do Georges Canguilhem e leu em voz alta: Uma vida
sã, uma vida confiante na sua existência, nos seus valores, é uma vida em
flexão, uma vida flexível... Viver é
organizar o meio a partir de um centro de referência que não pode, ele mesmo,
ser referido sem com isso perder sua significação original... Ao ler o
trecho, indagou-me sobre o que eu esperava da vida. Ora, o que resta fazer entre omissos, impassíveis,
retardatários, oxidados, invasores e desgovernados, uma vez que os inquietos se
cansaram e os refratários tão oblíquos quanto desconfiáveis imprevidentes, estão
todos sem saber para onde, porque todos, digo todos, são unânimes em gesticular
com seus maxilares torturantes na trapaça da comoção, o espanto nas
sobrancelhas altas atrás da porta; todos como se fossem leões desdentados, com
suas jubas raspadas pela superfície das circunstâncias; como se milhões de
famélicos emergissem do nada, ataviados na vigília dos simulacros, desastres,
loucuras carimbadas de normose desumanizada, guerras deflagradas, mártires e
vilões, veludos e urtigas, aglomerações e esquemas, conluios, extremos,
perplexidades. O que fazer se a vida é como se fosse uma chave escondida e a
palavra perdida restasse com todos emudecidos porque uma granada incógnita está
prestes a explodir, roubaram a espoleta, o sinistro iminente. O que se sabe de
mesmo é que quem abre as pernas engorda a carteira de benesses, usura e
hipocrisias, ninguém se compraz. Só pigarros, carniças, atraiçoamentos. De lá
para cá e vice-versa, tinos embotados vomitando leseiras entre adiamentos e
evidências: não há equilíbrio nem simetria, nem poderia; o caos prevalece
ameaçador - quem da semente colhe nada. Ninguém sabe, são levados carniceiros
uns sobre os outros, o ataque ao pescoço alheio, almas depenadas. É bom
lembrar, fora de questão qualquer tratado de paz, impossível.
De uma vez por
todas... Imagens: arte do escultor
francês Yves Pires. – Ela envolveu minha aflição e se deu conta que, de olho aberto, quase não percebia nada, sei o que se
passa; fecho-os e me fortaleço, apuro melhor, como quem pudesse superar e não
precisasse deter a sucessão das coisas nem evitar o que desse no desabamento ou
no triunfo. Não há como respirar nesse mundo cristão – que todas as religiões
se afundem e sucumbam na sua intolerância -, nem com a sedução do dinheiro
sobre todas as necessidades. Impossível viver ao lado de quem só sabe matar. Por
isso, rompo com a mitologia do presente, enfrento e sigo. E ela mais se aninha
porque me sabe envolvido no que se dissolveu com o ardil ubíquo das ideologias
difusas. Nem ligo, tolero a sedução do mundo e sigo brincando desleixadamente
com todas as tentações. Indaga do meu sofrimento e digo-lhe que a vida é isso:
superar-se! E superar a tudo, jamais como um professor que exige dos alunos o
que jamais foi capaz de praticar, qualquer disfarce e fica tudo para amanhã,
quem sabe. Preciso do agora, enquanto as paralelas dicotômicas, jamais
convergentes seguem direções opostas. Olhar para trás, jamais, só se eu quisesse
buscar de qualquer arrependimento ignorado; jamais voltar, mesmo que adiante só
o abismo. Não estou nem nunca estarei satisfeito, apenas grato com o
intranquilo. Sigo como quem perdeu o leito, às voltas com todas as inundações
espaciais, ao vento além do tempo e à deriva. O que resta fazer, apenas viver
você, nada mais. Até mais ver.
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