O DORO E A MALDIÇÃO DO PINÓQUIO – Quando o Doro decidiu entrar pra militância política,
apanhou que só para aprender a como fazer tudo direitinho e no fim dar tudo
certo. O primeiro inconveniente da sua candidatura a vereador foi não ter a
menor credibilidade: quanto mais prometesse o melhor ou falasse a verdade,
ninguém dava ouvido; findava era falando pras paredes mesmo. Que coisa! Ele só
conseguiu juntar um tiquinho de gente que fosse ao seu redor, no dia que
acordou com a língua coçando e as ideias tudo revirando de bundacanasca no seu
juízo, do cara mentir aos peidos até o cu apitar: eita, eu minto e o cu me
denuncia, é? Maior mal-estar, cada peta, uma apitada; duas endrôminas, dois
silvos; três ludríbios, três sibilos; teve uma hora que arreou uma penca de pinoias
pra cima dos alesados, do procto virar sirene de plantão de quase não parar
mais: Deus me acuda, meu santo Jesuisis Cristinho! Será o Benedito um negócio
desse? E lá ia ele com a cloaca ouououououououououou, até desaparecer trocentas
e tantas esquinas depois. E agora, meu? Botou a cachola pra funcionar. Como é
que pode? Foi fazer o teste da goma para ver se alguma das pregas havia
despregado, hummm. Conferência amiudada, re-conferência e nada; aí danou o
indicador ânus adentro para ver se descobria alguma maleita ou jura de serviço;
depois enfiou o maior-de-todos, quase rasgando tudo, dando conta, afinal, de um
pitoco pequeno que aparecera no de repente lá no mais fundo dos seus fundilhos.
A-há! O que é isso, rapaz? Destá. Vou dar um jeito nesse frebento que quer me
desmoralizar. Às escondidas providenciou uma rolha medida e geometrizada,
certinha no cabimento e enfiou lá no oiti-goroba dele, ah, chega aliviou-se com
um meio sorriso, coube certinho – acreditava ele piamente resolvido o problema depois
da certidão de não passar nenhum ventinho pelas brechas do furico -, e foi pro
corpo a corpo com o eleitorado. Pôs a domingueira no maior vinco e foi largar
ideia nas ouças dos bestões. Lá pras tantas, patranhas nas alturas, ele ancho e
atrepado num tamborete na maior das empolgações, quando, sem mais nem menos, um
pipoco estrondou dele sentir o tampo das costas ir pro beleleu. Minha Nossa
Senhora do caralho a quatro, que porra foi que houve? Não queira saber: a rolha
não só ploft zuuummmm voou na pressão, como saiu levando pregas, couro da bunda,
pele das costas, com roupa e tudo no meio do maior merdeiro e fedentina. A sorte
dele é que todo mundo correu, senão seria o flagrante da mais vexatória das
situações. E o pior: certificou-se que estava com a maldição de Pinóquio – é que
no boneco crescia o nariz, no caso dele era o cotoco do rabo. Imagine só o
vexame desse rapaz! Será Deus o impossível? Hospitalizado, cada cirurgia que
demovesse a protuberância aparecida, bastava ele escorregar na verdade,
reaparecia. Não podia mais se sentar, parecia que estava com um rabo duro a
coibir seu descanso. Da cama nem podia sair, a candidatura estava indo pro
brejo, pedia pelo amor de Deus os médicos darem um jeito daquilo nunca mais
aparecer, quando um outro que buscava a re-eleição apareceu para conquistar seu
voto. Deixou-se levar no lero, horas de amolação e o cara lá só patati patatá,
ele já perdendo a paciência, mirou de soslaio e sapecou: ô, mermão, você
mentindo desse jeito, num lhe aparece nenhuma saliência pelo corpo, não? Eu não
minto, sou político profissional buscando pela nona vez consecutiva ser
re-eleito! Danou-se! Será que só eu sou o desgraçado? E a embromação persistia,
o cara incansável, Doro apelou, pediu pra ele abrir o jogo, como é que é, hem? O
sujeito lábias frouxas embolava tudo, não passava o serviço, até que com
ajeitados, molha mão e outras subserviências, segredou: você tem que ir no
Covil da Temerança tomar umas lições. Adonde é que fica isso? Deu-lhe um mapa e
quando se viu completamente recuperado, foi de cadeira de rodas pro
estabelecimento. Chegando lá, quase nem dava pra entrar de tanta gente, rádio,
jornal, televisão, polícia de todo tipo, autoridades, funcionários, militantes,
eleitores e cheleleus, até o presidente Nosferatu estava comandando a temerança
toda: não ganhei, mas venci! Pra que existe golpe? E dava suas lições de
trocentos anos de experiência nos maiores cambalachos do planeta. Ah, agora
sim! Agora o Doro estava no trilho da casa da peste, quase pronto para
engalobar quem aparecesse. Foi quando procurou por um dos promotores,
perguntando o que haveria depois: ah, um regabofe com leituras e exercícios. Cuma?
Achegue-se. E ele foi levado para um anexo, no qual ele não sabia como cabia tanta
gente ali. Ah, todos estavam reunidos em torno do culto a Loki, tudo para armar
todas as trapaças assumindo a forma que quisesse, aprendendo estratagemas traiçoeiros,
truques, artimanhas, astúcias de mil estratégias para promover intrigas e
fabricar mentiras, leituras dos versos do Edda,
d’O príncipe de Maquiavel, Arte de Furtar do padre Manuel da Costa, História
universal da infâmia de Borges, República de ladrões de Scott Lynch, afora
lições de ilusionismo, hipnose, prestidigitação e todo tipo de charlatanismo -
menino, o negócio é sério mesmo! Quando findou o banquete o Doro quase não
conseguia pregar o sono de tão ávido para o dia amanhecer e aplicar nos beócios
todo aprendizado recebido. Assim foi. E o primeiro que encontrou, deitou a
maior loa e conferia os fundilhos. Aumentava na carga da cabeluda, passava a
mão no papeiro e tudo tranquilo. A-há! Agora sim, agora vou ser o maior dos
políticos do mundo! E foi. Melhor, está aprontando pra ser. © Luiz Alberto
Machado. Veja mais aqui.
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DESTAQUE: ALMAS MORTAS, DE NOKOLAI GÓGOL
[...] Mas
deixemos agora de lado o problema de quem é o mais culpado. O problema que se
nos defronta agora é que chegou a hora de salvarmos a nossa pátria. Que a nossa
pátria está parecendo, não pela invasão de vinte tribos estrangeiras, mas por
nossas próprias mãos. Que já se formou ao lado do governo legítimo, um outro
governo, muito mais forte que o governo legal. Estabeleceram-se condições
próprias, tudo tem preço marcado, e os preços já foram até levados ao
conhecimento público. E estadista algum, embora seja o mais sábio de todos os
legisladores e governantes, tem forças suficientes para remediar o mal, por
mais que tente limitar a ação nefasta dos maus funcionários, nomeando para
vigiá-los outros funcionários. Tudo será inútil enquanto cada um de nós não
sentir que, assim como na época da revolta dos povos ele se armou contra os
inimigos, assim ele dever armar-se e levantar-se contra a corrupção e a
falsidade. É como homem, como irmão, ligado aos senhores pelos laços
indissolúveis do sangue, que eu me dirijo agora a todos. Dirijo-me àqueles
dentre os presentes que têm algum resquício de compreensão do que seja nobreza
de ideias. Convido-os todos a se lembrarem do dever, que é o destino do homem,
onde quer que ele se encontre. Convido-os a examinarem mais de perto o seu
dever e a obrigação do seu cargo na terra, porque isto já se nos afigura de
maneira distante e obscura, e mal e mal...
Trecho final da obra Almas Mortas (Abril Cultural, 1979), do escritor ucraniano Nikolai Gogol (1809-1852). Veja mais
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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte do artista plástico italiano Roberto Ferri.
DEDICATÓRIA:
A edição de hoje é dedicada à cantora e
compositora Gracy Gausmann.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: