A PAIXONITE DO BESOURO
DOIDO INVENTANDO MODA - Imagem:
Icaro, art by Juan Yanes. - Naquela tarde Robimagaive
quase perde o juízo de vez. Quando viu aquela moça linda de morrer, no seu tope,
toda jeitosa, toda tuda, saiu do prumo e foi acometido na horinha por uma
paixonite agudíssima, daquelas avassaladoras que ficam encruadas no juízo do
sujeito, do cabra endoidecer e ser levado pra condenação eterna do sofrimento e
não ter mais remédio pro resto da vida. Avexou-se todo, ficou como quem procura
canto pra chocar, todo inheto feito quem está com um cotoco no rabo de não poder
nem parar quieto em canto que fosse. - Eita, esse tá cá gota! Maior obsessão tomou
conta dele de não ter jeito de ficar longe daquela que queria pra mãe dos seus
filhos e dona do seu lar: - Avião desse a gente não perde a viagem nunquinha! Oxe,
alinhou as ideias e não quis passar em branco. Aproximou-se dela, afinou a
goela no pigarreado dos ran-rans aprumados, ajeitou a gola, estufou o peito e
caprichou no flerte: deitou pra cima dela a maior lábia, passando a maior cantada.
Ela, com a peculiar indiferença das beldades, franziu o cenho e encarou a lata
do rapaz: - O senhor está passando bem? Eu lhe conheço, por acaso? Hã? Ah, Procure
um médico ou um exorcista, se preferir, pra cuidar do seu delírio. Deu-lhe as
costas e saiu na sua, maior rebolado de endoidar até o papa, imagine como ficou
o dito cujo. Quando tornou a si, ela já havia sumido. Quem é ela? Onde mora? Depois
de dias vagando errante à procura da paixão desesperadora, tomou conhecimento
tratar-se de Dalzuíta, a prima da Vera. Aquela? Isso mesmo, rapaz. Minha nossa!
Aí ele botou a maior beca: topete no tuim, costeleta caprichada, óculos escuros
no pau da venta, camisa quadriculada só atacada no umbigo e deixando à mostra
na caixa dos peitos uma volta com um medalhão graúdo, roscofe num pulso, bracelete
e pulseira no outro, fivela enorme no cinturão pelo cós e reatas do jeans
surrado boca de sino das grandes e montado no maior cavalo de aço, potoque,
potoque, potoque. Quando ela apareceu na esquina arrasando quarteirão, o bestão
sacudiu o charme xucro e imprimiu marcha firme de chegar perto, bater os
calcanhares em continência e pregar os olhos nela, armando xaveco disparatado. Assustada
com a chegada inesperada do intruso, ela arregalou os olhos e com ar de
desprezo: - Pronto, danou-se tudo! Sai-te! Pra chegar aqui, meu nego, tem que
ter grana e possante veloz, sacou? Deu-lhe as costas sacudindo o queixo de nem
querer saber. Azuretado, sem saber o que fazer, deu-lhe um aluamento de só
passar uns dez dias depois, todo serelepe pra conquistar a moça, agora com o
fusquinha pereba todo incrementado, pintura cheia dos garranchos e cores pra
rebocar a ferrugem e desgraceira, arrancou os paralamas para adaptar quatro
pneus de avião, mandou confeccionar um bigode raçudo pra servir de para-choque,
um som de não sei quantos watts de babaca, buzinaço com arroto, debreada com
peidos e pipocos, um par de chifres graúdos no capô e um rabo de peixe na
traseira que mais parecia carrossel de festa de tão iluminado. Todo pabo, pulou
dentro, passou primeira e partiu na fubica pra impressionar aquela que seria a dona
do seu coração. Depois de umas voltas pra cima e pra baixo por quase duas
semanas sem achar paradeiro, eis que cruza com ela numa esquina, encosta de
qualquer jeito e salta pra saudar-lhe na maior gamação. – Meu senhor, não será
com qualquer borreia que irá me conquistar, não, viu? Cresça e apareça! De Ferrari
pra cima, possante tem que ser voador. Aí ele parou no ar, pulou no mandú e
saiu a toda, até quase se foder numa abalroada da porra perto de casa. O homem
estava perdido de tudo. Dias e noites seguidas e só se ouvia o martelado do
aperreado na maior faina. Ele não havia deixado por menos a dica: pegou um
resto duma moto cinquentinha que estava no meio de um monturo de tranqueiras,
adaptou ferragens e assento, duas saliências laterais que davam ideia de asas –
vôte! –, vestido num blusão negro, luvas, botas de cano longo, um capacete com
microfone auricular e um megafone com antena em cima dele e saiu acelerando o
ronco pras bandas dela. Quando ela reapareceu, aproximou-se e começou a falar
de ninguém entender nada. E ela: - Hem? Será esse o besouro doido? O que se
passa com esse louco, hem? Ele apontava pro ponto mais alto da região e mais
falava e nada se entendia. Ela abriu os braços como quem entendia patavina, sem
saber o que ele estava dizendo, aí ele arretou-se, acelerou a moto, apontou pro
morro e zarpou feito quem ia pro tudo ou nada. Ela nem aí, seguiu sua
caminhada, quando percebeu meio mundo de gente correndo na direção contrária. Virou-se
pra saber do que se tratava e viu o povo falando na maior algazarra: - Vai!
Vai! Vai! E ela: - Ah, vai se foder mesmo! Era ele pendurado no bico do morro
anunciando que ia pular de lá de cima. Aliás, pra ele mesmo ia era voar; para
todos, ele ia mesmo era se lascar. E assim foi. Ele retrocedeu descendo em
marcha-ré pra pegar distância, fez carreira acelerando tudo e zum: abriu os
braços como quem estivesse voando. Não foi isso que se deu, dali ele despencou
na maior queda estuporada. Resultado: foi tanta fratura exposta, costelas
partidas, dedos saíram do lugar, pescoço empenado, vértebras soltas, pênis
envergado, até a língua o fuleiro quebrou, de não ter jeito nem de pegá-lo pra
botar na maca, onde puxasse se soltava, o cúmulo do espragatado. Findou bandagem
por todo corpo, gesso nos membros, um horror: mais parecia uma múmia robô.
Dalzuíta perguntou ao primeiro que passou: - E aí, o cara morreu? Nada,
lascou-se todo, mas tá vivinho da silva. E ela: - Pudera, vaso ruim não quebra.
Dele só dava pra ouvir solfejando o Gago Apaixonado de Noel. © Luiz
Alberto Machado. Veja mais aqui.
GAGO APAIXONADO
Mu-mu-mulher, em mim fi-fizeste um estrago
Eu de nervoso estou-tou fi-ficando gago
Não po-posso com a cru-crueldade da saudade
Que que mal-maldade, vi-vivo sem afago
Tem tem pe-pena deste mo-moribundo
Que que já virou va-va-va-va-ga-gabundo
Só só só só por ter so-so-sofri-frido
Tu tu tu tu tu tu tu tu
Tu tens um co-coração fi-fi-fingido
Mu-mu-mulher, em mim fi-fizeste um estrago
Eu de nervoso estou-tou fi-ficando gago
Não po-posso com a cru-crueldade da saudade
Que que mal-maldade, vi-vivo sem afago
Teu teu co-coração me entregaste
De-de-pois-pois de mim tu to-toma-maste
Tu-tua falsi-si-sidade é pro-profunda
Tu tu tu tu tu tu tu tu
Tu vais fi-fi-ficar corcunda!
Não po-posso com a cru-crueldade da saudade
Que que mal-maldade, vi-vivo sem afago
Tem tem pe-pena deste mo-moribundo
Que que já virou va-va-va-va-ga-gabundo
Só só só só por ter so-so-sofri-frido
Tu tu tu tu tu tu tu tu
Tu tens um co-coração fi-fi-fingido
Mu-mu-mulher, em mim fi-fizeste um estrago
Eu de nervoso estou-tou fi-ficando gago
Não po-posso com a cru-crueldade da saudade
Que que mal-maldade, vi-vivo sem afago
Teu teu co-coração me entregaste
De-de-pois-pois de mim tu to-toma-maste
Tu-tua falsi-si-sidade é pro-profunda
Tu tu tu tu tu tu tu tu
Tu vais fi-fi-ficar corcunda!
Gago apaixonado, música do sambista, cantor, compositor,
bandolinista e violonista e Noel Rosa
(1910-1937), incluída no álbum Dá licença meu senhor (Epic Records, 1995), do
cantor, violonista e compositor João
Bosco. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
As dez
vidas e a cabeça roubada, A natureza
das coisas de Bernardino
Telesio, a música de Joana
Holanda, a arte de Kevin Taylor, a pintura
de Pedro Américo & Odilon Redon aqui.
E mais:
Dalzuíta:
o infortúnio da prima da Vera aqui.
A paixão
avassaladora quando ela é a terrina do amor aqui.
Brincarte
do Nitolino, O calor das coisas de Nélida Piñon, a poesia de Augusto dos Anjos, a música de Igor Stravinski, a pintura de Joan Miró, o teatro de Eugène Ionesco, o
cinema de Graeme Clifford & Jessica
Lange, a arte de Frances Farme, As emoções de Suely Ribella, Papel no Varal
& Ricardo Cabús aqui.
Cordel do
meio ambiente aqui.
Na avenida Jatiúca, Maceió, O império do efêmero de Gilles Lipovetsky, a
História da feiúra de Umberto Eco,
o Deserto do real de Slavoj Žižek, Moema,
a música de Quinteto Armorial, a poesia
de Juareiz Correya, a pintura de Victor
Meirelles & Felicien Rops, o cinema de Michael Winterbottom & Anna Louise Friel aqui.
Quando o
futuro chega ao presente, Escritos de Michel Philippot, as Fronteiras do Universo de Phillip Pullman, As contantes universais de Gilles Cohen-Tannoudj, a música
de Antonín Dvořák & Alisa
Weilerstein, a pintura de Willow Bader, a arte de Lorenzo
Villa, a fotografia de Katyucia
Melo & a poesia de Bárbara Samco aqui.
Mais que
tudo o amor, a poesia
de Pablo Neruda, o teatro de Antonin Artaud, o pensamento de Pierre Gringore, a
música de Ana Rucner, a fotografia de Daniel Ilinca, Mariza Lourenço & Luciah Lopez aqui.
Brincando
com a garotada, Lagoa Manguaba, a música de Maria Josephina
Mignone, a poesia de & William Blake & Joana de
Menezes, a literatura de Luiz Antonio de
Assis Brasil, a pintura de Thomas Saliot & Tempo de amar de Genésio
Cavalcanti aqui.
Doro: querem
me matar, O bom
dia para nascer de Otto Lara Resende, a
comunicação interpessoal de John Powell, a
poesia de Gilberto Mendonça Teles, o teatro de Patrícia
Jordá, a arte de Carmen Tyrrell, a música de Mona Gadelha, a Pena & Poesia
de Luiz de Aquino Alves Neto aqui.
Andarilho
das manhãs e luares, O Homo ludens de Johan Huizinga, Todas as
coisas de Quim Monzó, a psicanálise de Françoise
Dolto, a música de Gustav Holst, a pintura de Ludwig Munthe, a
arte de Elena Esina & Tom Zine aqui.
&
DRÁCULA, DE BRAM STOCKER
[...] Acreditas no destino? Que até os poderes
do tempo podem ser alterados com um único propósito? Que o mais afortunado dos
homens a caminhar neste planeta é aquele que encontra… o amor verdadeiro? [...] O amor é mais forte que a morte. [...].
Trechos
do romance Drácula (Zahar, 2010), do
escritor irlandês Bram Stocker
(1847-1912), Veja mais aqui e aqui.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: a arte do fotógrafo, escultor e desenhista Mario Cravo Neto (1947-2009).
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.