AMOR EM ALAGOINHANDUBA - Alagoinhanduba
é um lugar que não existe, só no meu coração e na minha molecagem de aprendiz de
poetastro. Para ela eu faria uma canção de amor de filho pródigo desterrado. Todavia,
ela é a minha casa, meu abrigo e lugar. Nela sobrevivo e angario meu sustento,
alimento esperanças, vomito decepções. Quando ela chora, estou desolado. É
quando sei de suas angústias e frustrações: ela sempre sonhou imortalizada feito
Macondo, Antares, Dublin, ou o Aquário das Cobras, ou mesmo aquela que Paris só
é melhor à noite. Infelizmente, o único filho que se poderia considerar por
ilustre, desculpe a imodéstia, sou eu aquele que é o cúmulo do anonimato entre
os inúteis. Triste sina, a dela. A par de tudo isso, asseguro: ela é só de
nome, um distrito perdido no mapa, onde a vida mais parece desenho animado. Não
há rio, deságua seus lamaçais. Todo dia e o ano todo, a vida é uma só: ou
chuva, ou ensolarada, só inverno ou verão, sem meio termo, só eu e ela, meio a
meio. As suas ruas, umas com nomes de santos, outras na glória dos seus
vencedores, como a sua principal atração que se diga turística, a Praça Coronel
Tinhoso da Gruta, montada no cume do morro, e que o povo só trata por Catombo
da Bêba; ou a Travessa Prefeito Bordão que ninguém sabe ou lembra mais nem quem
foi, pois a ela só se refere como o Beco do Cu da Mãe. Nela se faz de tudo:
abusos, chantagens, malquerenças, arrumadinhos, blasfêmias e pirataria. Nela se
mata, arranca, enterra, cavouca e revira insepultas desavenças, escabrosas
vilanias, indecorosas safadezas. Só se vê o prefeito Zé Peiúdo em conchavo com
os poderosos para se manter no poder, mandando o cabo distribuir lotes da beira
do rio pros eleitores achegados, e os capangas a dar sumiço em tudo quanto for
de putas e gays na localidade. Lá Tomé e Vitalina todas as tardes às escondidas
trocam juras de amor no banco da praça deserta, e no meio de um sarro pesado
são surpreendidos por ladrões que levaram seus pertences, não antes abusar libidinosamente
dos dotes dela. Biritoaldo junta pules de bicho e canhotos da loteria de
domingo a domingo, apelando pra sorte na esperança de arribar desse lugar odiento
pra ele. Zé Corninho serra tronco das árvores a mando do dono que maldiz todo
dia dos prejuízos que elas deram às suas casas e casebres que ruíram pelas
raízes. Robimagaiver na maior faxina dentro de casa, juntando o que acha de
imprestável na sua mania de colecionar o que lhe cai às mãos, e ao sair do
aluamento joga tudo no primeiro terreno baldio que encontrar pela frente que
sirva de lixão. Cada morador ama esta cidade ao seu modo: entre xingamentos, fofocas,
ganâncias, bofetadas, abrindo valetas, levantando muros, promovendo intrigas.
Como em qualquer lugar, os fieis rezam na igreja por suas misérias, esponsais
comparecem às obrigações do coito, fossas e lixos alagando meio fio, a festa
dos insetos pelos arruados emporcalhados por pôsteres e cartazes dos políticos,
comemorações entre fezes de animais mortos ao relento, inaugurações entre esgotos
a céu aberto, monturos e detritos, procissões pelas guaritas e lixeiras
destruídas nas calçadas iguais as ruas esburacadas, passantes pra e pra cá
entre os entulhos, muco, pus, catarro, santos e crucifixos, discussões entre metralhas,
poças, matagal, sacos plásticos levitando aos ventos; namoricos entre moedas
pelos regos com pedaços de fios, arames, vidros, cordões, retalhos, madeiras e
pegadores, traições com maçanetas, parafusos, telhas, galhos, folhas e fotos, enterros
entre flores, papéis, caixas, pregos, roelas, clips, caqueiras e latões, colações
de grau pelas varetas, rótulos, bisnagas, cachetes e flâmulas, comícios entre botons,
sacolas, sandálias, panelas e talheres, homicídios entre brinquedos, penicos,
livros, balas e bulas, a vida toda entre destroços, tapumes e escombros. Cada
qual se livra das broncas jogando pro lado, ou pro quintal do vizinho ou
soltando na primeira esquina: agora o problema é dos outros. A cidade que
chore, definhe, apodreça, cada um que se vire, resolvendo o seu, o resto se
dane. A cidade é o retrato do povo que nela habita. Até que um dia, por
desgraça do destno, enforcou-se o último alagoianhandubense com as tripas do
último índio que havia na redondeza. A cidade foi varrida do mapa e tudo se
perdeu numa brecha do tempo para nunca mais. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
BODAS DE SANGUE DE LORCA
(Minutos antes
acabam de partir o noivo e sua mãe, que vieram pedir a mão da noiva em
casamento e deixaram presentes). CRIADA Estou louca para ver os
presentes. NOIVA (áspera)
Sai!
CRIADA Ai, menina, deixe eu ver! NOIVA Não quero. CRIADA Ao menos, as meias.
Dizem que são todas rendadas! NOIVA Já disse que não! CRIADA Por Deus. Está
bem. É como se não estivesse com vontade de casar. NOIVA (mordendo a mão
com raiva) Ai! CRIADA Menina, filha, o
que você tem? É pena de deixar tua vida de rainha? Não pense nessas coisas
tristes. Tem algum motivo? Nenhum. Vamos ver os presentes. (apanha a caixa) NOIVA (agarrando-a pelos
pulsos) Larga. CRIADA Ai, mulher!
NOIVA Larga, já disse. CRIADA Tem mais força que um homem. NOIVA Não tenho
feito trabalho de homem? Antes eu fosse! CRIADA Não fale assim! NOIVA Cale-se
já disse. Vamos mudar de assunto! CRIADA Você ouviu um cavalo ontem à noite?
NOIVA Que horas? CRIADA Às três. NOIVA Era algum cavalo solto? CRIADA Não era,
tinha cavaleiro! NOIVA Como você sabe? CRIADA Porque eu vi. Estava parado na
sua janela, estranhei muito. NOIVA Não seria o meu noivo? Algumas vezes ele
passa essa hora! CRIADA Não. NOIVA Você o viu? CRIADA Vi. NOIVA Quem era?
CRIADA Era Leonardo. NOIVA (forte)
Mentira!
Mentira! O que veio fazer aqui? CRIADA Veio. NOIVA Cale-se! Maldita seja a sua
língua! CRIADA (à
janela) Olha. Chega aqui! Era? NOIVA
Era.
Trecho da peça teatral Bodas de Sangue (Agir,
1968), do poeta, dramaturgo espanhol Federico
Garcia Lorca (1898-1936). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Ganhar o
mundo no rumo das ventas, O mito e a política de Jean-Pierre Vermant, a literatura de Cesare
Pavese, a pintura de Eugène Delacroix & Caroline
Vos, a música de Wagner & Hélène Grimaud aqui.
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do Nitolino, o Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein, o Teatro Futurista de
Filippo Marinetti, a literatura de Azar Nafisi, a pintura de Eugène Delacroix, a música de Nelson Freire,
a fotografia de John De Mirjian, Augustine de Charcot, a arte de Stéphanie
Sokolinski, a cangaceira Dadá & Maria Iraci Leal aqui.
Do
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literatura de Cervantes & Lima
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de Gabriela Mistral
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Neurociência, a música de Laurence Revey, a pintura de Fernando Rosa &
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quem vai & para quem vem, A filosofia
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&
A arte
da pintora, fotógrafa, escultora, performer e artista visual cubana María Magdalena Campos-Pons.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: [...] Sinto-me por vezes
desanimado quando vejo que, após investir muito tempo na coleta de detalhada
história médica que me diz exatamente o que há, o paciente de mostra incrédulo.
Mas, quando o levo para minha sala de exames, onde tenho a um canto um
antiquado fluoroscópio com intensificador de imagens, máquina cujo painel de
instrumentos se assemelha ao de um avião, o paciente fica impressionado e posso
imaginá-lo dizendo com seus botões:”Ah, que bom estar num consultório tão bem
equipado”. Ou talvez: “O doutor vai usar comigo essa máquina maravilhosa?”. A
fé pueril na magia da tecnologia é uma das razões pelas quais o público vem
tolerando a desumanização da medicina. [...].
Trecho
da obra A arte perdida de curar (Peirópolis, 1998), do médico, professor e
inventor lituano Bernard Lown, que
só aceitou o Prêmio Nobel da Paz de 1985 em nome dos Médicos Internacionais
para a Prevenção da Guerra Nuclear, que fundou com o cardiologista russo
Yevegeny Chazov.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.