UMA CANÇÃO PARA ALEJANDRA... – Alejandra era também Flora, uma bela
taurina, poeta até o útero. A infância difícil de Bluma em Buenos Aires com
seus pais imigrantes ucraniano-judeus: a irmã mais velha e a família
estrangeira firmaram suas dores desde já. A sombra do nazismo e da segunda
guerra obscurecia a sua infância com os temores dos pais. Os problemas com
acne, asma, tartamudez, autopercepção física e a tendência ao sobrepeso
prejudicavam sua autoestima com uma angústia perene. Descobriu a
sexualidade para ser ora ousada e sensual, ora tímida e silenciosa. Tornou-se
diferente: um caráter caótico e instável, rechaçava o apelido rompendo os laços
familiares: abandonava a mãe e tudo que a lembrasse de Flora, Bluma, Blímele,
envolvendo-se com filosofia,
literatura e artes plásticas, aficionada pela poesia maldita. Tornava-se
rebelde, excêntrica, subversiva – uma garota estranha na dependência de
anfetaminas abundantes em seu armário. Anticonvencional dedicou-se ao
existencialismo e se destacava triunfante com seus próprios escritos. A leitora
agora escrevia a infância perdida e a morte: O temor ao futuro me
prevê sigilosamente: o que será de mim?... Adotou o seu diário e nele o
desapontamento materno e o protetorado de Bajarlía nos seus estudos, a
personagem se assumindo órfã, estrangeira, onírica com toda atração pelo fim.
Vieram então as sessões de terapia para salvar a autoestima da ansiedade e
depressão. Foi para Paris, o refúgio
na casa de familiares e lá expôs suas pinturas e desenhos, escreveu seus
poemas e teve ocultada a sua sexualidade. Fantasiou casar-se com um outro poeta
e não era: ele morria num acidente aéreo e os versos de Memoria. Publicou poemas, críticas literárias e
traduziu Artaud, Michaux, Césaire e Bonnefoy. Dedicou-se aos estudos das
religiões e escreveu no diário: – Sim, estou grávida. De repente,
surge a ideia de não reagir com medo e chorar. Faça o que precisa ser feito com
extrema confiança e lucidez. Esta é uma nova armadilha... E seu desgaste
emocional e a frustração, a reclusão progressiva e a primeira tentativa de
suicídio. Regressou à terra natal e
publicou três dos seus mais importantes livros. O seu pai faleceu de um
infarto: A morte do meu pai tornou minha morte mais real... Sumia a sua
alegria nômade. Mudou-se com a namorada fotógrafa e ampliou a dependência de
medicamentos. A sua poesia intensa se
expressava como um diário hermético, escrita íntima, lúdica, visionária, poemários
líricos. Vieram os prêmios de Guggenheim e da Fullbright, a sua voz no Escrito
con un Nictógrafo de Carrera. Era ela com as perguntas recorrentes - do que
seria culpada, por que o sofrimento eterno, o que a fez merecer tantos golpes
duros e ruins: Temo que meus desejos de escrever não sejam mais do que meios
para alcançar o fim desejado de sucesso, glória, fé em mim. Também podem ser
desculpas, já que não estudo “a sério”, já que não vivo “a sério”. Pode ser
também que, dada minha escassa facilidade de expressão oral, eu recorra ao
papel para não me engasgar, para cuspir o fogo das minhas angústias... As crises depressivas e as tentativas de
suicídio: Lá fora há sol / Eu me visto de cinzas... Internada não havia diagnóstico claro de
sua doença mental, dois dos psicanalistas morreram e, o que restou, negou-se a
tal. Apenas suas últimas palavras no meio de uma overdose de Seconal: Se não
escrevo poemas não aceito viver... Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - A melancolia é,
creio eu, um problema musical: uma dissonância, uma mudança de ritmo. Enquanto por fora
tudo acontece com o ritmo vertiginoso de uma catarata, por dentro é o adágio
exausto de gotas d'água caindo de vez em quando cansada. Por esta razão, o
exterior, visto do melancólico interior, parece absurdo e irreal e constitui “a
farsa que todos devemos representar”. Mas por um instante – por causa de uma
música selvagem, ou de uma droga, ou do ato sexual levado ao seu clímax – o
ritmo muito lento da alma melancólica não se eleva apenas ao do mundo exterior:
ele o domina com um ritmo inefavelmente feliz. exorbitante, e a
alma então vibra animada por novas energias delirantes... Porque ninguém
tem mais sede de terra, de sangue e de sexualidade feroz do que as criaturas
que habitam os espelhos frios... Pensamento da escritora
argentina Alejandra Pizarnik (1936-1972). Do seu livro Diarios (Lumen, 2013),
o trecho: [...] Como é fácil
calar-me, ser sereno e objetivo com aqueles que não me interessam
verdadeiramente, a cujo amor ou amizade não aspiro. Então sou calma,
cautelosa e perfeita dona de mim mesma. Mas com os poucos seres que me interessam...
Aí fica a pergunta absurda: sou uma convulsão, um grito, um uivo de sangue. [...] Já das suas Obras
completas (2000): [...] Nua. Fadiga do corpo transparente como uma
árvore de vidro. Perto de você você ouve o rumor brutal de
um desejo inextricável. Noite cegamente minha. Você está mais longe
do que eu. Horror de verificar você nos gritos do meu
poema. Seu nome é a doença das coisas à meia-noite. Eles me prometeram
um silêncio. Seu rosto está mais perto de mim do que o
meu. Memória fantasma. Como eu adoraria te matar... [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e
aqui.
ALGUÉM FALOU: Não importa aquilo que fizeram de
você, importa, sim, aquilo que você faz daquilo que fizeram de ti...
Pensamento do filósofo, escritor e crítico francês Jean-Paul Sartre
(1905-1980). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
BORDADOS – [...] Falar pelas costas dos outros é o ventilador do coração. [...]
Ser amante de um homem casado é ter o melhor papel. Você percebe? A camisa suja, a cueca nojenta, o passar
roupa diário, o mau hálito, as crises de hemorróidas, a agitação, sem falar no
mau humor e nas birras. Bem, tudo isso é para sua esposa. Quando
um homem casado procura sua amante... ele está sempre branqueado e passado,
seus dentes brilham, seu hálito é como perfume, ele está de bom humor, é cheio
de conversa, está ali para se divertir com você. [...]
Ninguém nasce corajoso, torna-se corajoso. [...] O
amor é o oposto do bom senso [...] O orgulho dos
homens está situado no escroto. [...]. Trechos extraídos da obra Embroideries
(Pantheon, 2003), da escritora, quadrinista, ilustradora e cineasta franco-iraniana Marjane
Satrapi. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS – RESPONDENDO AO SONHO DE UMA
NAMORADA - É cedo para passar pelo portão, então não desvie o olhar da torre. \
Experimente as roupas quentes e abra o espelho para ver a luz da primavera. \ As
andorinhas espiam pela cortina e as abelhas vêm pintar as roupas. \ O amor
impulsiona as flores de pêssego e ameixa, e o coração é enviado para a
orquestra voar. \ A maquiagem sai e nos tratamos pela manhã, mas o vento e as
flores nunca mais voltam. \ Onde quer que a alma onírica entre, o silêncio
cobre a porta. UMA NOITE DE
LUAR NO RIO - Na primavera
o rio sobe tão alto quanto o mar, \ E com o nascer do rio a lua surge
brilhante. \ Ela segue as ondas ondulantes por dez mil li, \ E onde o rio
corre, ali transborda sua luz. \ O rio serpenteia ao redor da ilhota perfumada
onde \ todas as flores desabrochando à sua luz parecem neve. \ Você não pode
distinguir seus raios da geada no ar, \ Nem da areia branca da praia Farewell
abaixo. \ Nenhuma poeira manchou a água misturada com o céu; \ Uma roda
solitária como a lua brilha por toda parte. \ Quem à beira do rio viu pela
primeira vez a lua surgir? \ Quando a lua viu pela primeira vez um homem à
beira do rio? \ Ah, gerações vieram e desapareceram; \ De ano para ano as luas
se parecem, velhas e novas. \ Não sabemos esta noite por quem ela lança seu
raio, \ Mas ouça o rio dizer adeus à sua água. \ Longe, longe está navegando
uma única nuvem branca; \ Em Farewell Beach, os pinheiros ficam verdes. \ Onde
está o andarilho navegando em seu barco esta noite? \ Quem, definhando, nos
trilhos iluminados pela lua aprenderia? \ Infelizmente! A lua paira sobre a
torre; \ Deveria ter visto a penteadeira da feira.\ Ela levanta a cortina e a
luz entra em seu caramanchão; \ Ela lava, mas não consegue lavar os raios da
lua ali. \ Ela vê a lua, mas seu amado está fora de vista; \ Ela o seguiria
para brilhar no rosto de seu amado. \ Mas os cisnes portadores de mensagens não
podem voar para fora do luar, \ nem os peixes que enviam cartas podem saltar do
seu lugar. \ Ontem à noite ele sonhou que as flores que caíam não
permaneceriam. \ Infelizmente! Ele não pode ir para casa, embora metade da
primavera já tenha passado. \ A fonte de água corrente desaparecerá; \ A lua
que declina sobre o lago irá afundar em breve. \ A lua em declínio afunda-se
numa névoa pesada; \ É um longo caminho entre os rios do sul e os mares do
leste. \ Quantos podem voltar para casa ao luar e sentir falta? \ A lua
minguante derrama anseio sobre as árvores ribeirinhas. Poema do poeta chinês do início da
dinastia Tang, Zhang Ruoxu, que é mais conhecido por “A Moonlit Night
on the Spring River” (Chun Jiang Hua Yue Ye), um dos poemas Tang mais
exclusivos e influentes, que inspirou inúmeras obras de arte posteriores. O
poema na primeira parte descreve o cenário do rio Yangtze iluminado pela lua na
primavera; a segunda e a terceira lamentam a efemeridade da vida, bem como a
tristeza dos viajantes e dos entes queridos que deixam para trás, marcando uma ruptura
estilística com a poesia das Seis Dinastias anteriores e antecipa o conteúdo e
o estilo da poesia High Tang, tornando-se “o poema de todos os poemas, o cume
de todos os cumes”.
OUTRAS SACADAS
PROGRAMA
TATARITARITATÁ – O programa Tataritaritatá que vai ao ar
todas terças, a partir das 21 (horário de Brasilia), é comandado pela poeta e
radialista Meimei Corrêa na Rádio
Cidade, em Minas Gerais. Confira a programação desta terça aqui. TALENTOS PERNAMBUCANOS, ALAGOANOS E MINEIROS
FAZEM A FESTA DE NATAL - Logo
mais, a partir das 21hs, acontecerá mais uma edição do programa Tataritaritatá Especial
de Natal e comemorando os mais de 418 mil acessos do blog, apresentação da
querida Meimei Corrêa e com as seguintes atrações na programação: Wagner Tiso, Simone, Yes, Milton Nascimento, Roupa Nova, Carlos Moura, Tunai,
Tavito, Petrúcio Amorim, Sônia Mello, Ricardo Machado, Zé Linaldo, Millane Hora,
Júlio Uçá, Luiz Wanderley, Wilson Monteiro, Ádila Becker, Paulynho Duarte, Mazinho,
Marquinhos Cabral, Ozi dos Palmares, Tony Câmara, João Albrecht, Wilson Miranda
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