O BRILHO DA MULHER METRÓPOLIS... Era Eva em Berlim quando ainda Schittenhelm
entre irmãos. Também era Gisela, a pisciana do pai militar falecido, aos
cuidados da mãe que a levou a atuar na Era de Prata das telas. Era
definitivitamente Brigitte, ao mesmo tempo a inocente Maria e, ao mesmo tempo, a
Maschinenmensch, na estreia do Metrópolis de Fritz Lang, a clone vilã
com sua dança frenética. Foi Magda em At the Edge of the World, foi Gabrielle, uma garota
cega no The Love of Jeanne Ney. Então a sedutora, determinada e desafiadora, seus olhos claros e
expressividade de gestos foi Marfa Petrowna de Die Yacht der sieben Sünden, foi Irene Beck, a dona de casa tímida que fogiu da vida
doméstica para encontrar uma nova emoção no hedonismo da vida noturna depravada
de Berlim, em Abwege. Foi a filha que hesita entre ser boa ou má, a
vampira titular de Alraune (de Henrik Galeen), cantando Quando os
homens me enganam... Foi a glamorosa e furtiva Baronne Sandorf no L'Argent e, daí, tornou-se a consagrada Helm como Vera
Kersten em Skandal in Baden-Baden, como a misteriosa Cleo, esposa
do coronel que se apaixona por um soldado em Manolescu - Der König der Hochstapler. Foi ainda Claire Landshoff em Die singende Stadt, foi Nina em The Wonderful Lies of Nina
Petrowna, Maria em Glória, Vera Lanskaja em Im
Geheimdienst, Jeanette Heider em Die Gräfin von Monte-Christo, Countess
Gabrielle em The Blue Danube. Ainda
foi a sedutora rainha Antinéa na tragédia de L'Atlantide, foi Gilgi, a jovem e determinada trabalhadora de
escritório Eine von Uns, foi Inge em Inge and the Millions, até ser censurada pelo
nazismo, envolvendo-se com acidentes de trânsito a breve prisão. Rejeitou Hollywood
para não sair do seu país. E foi Olga em Adieu les Beaux Jours, L'Étoile de Valencia, Diane Morell em Fürst Woronzeff, Florence Wills em L'or, Lady Gertrud Chiltern Ein idealer Gatte e,
por fim, mudou tudo: eis a opção de se aposentar na Suíça: deu as costas à atuação cinematográfica e à sua própria
celebridade para sempre. O retorno
incógnito à terra onde nasceu no final da guerra e o ocaso guardou-lhe o brilho
para nunca mais. Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Não pode haver entendimento entre a
mão e o cérebro a menos que o coração atue como mediador. Uma vez até desmaiei:
durante a cena de transformação, Maria, como andróide, fiquei presa em uma
espécie de armamento de madeira, e como o tiro demorou tanto, não consegui ar
suficiente. Agora que acabou, tenho dificuldade em lembrar os momentos
desanimadores e mais tristes – apenas os momentos mais ensolarados e
edificantes permanecem comigo. Às vezes era como o paraíso e outras vezes como
o inferno! As três semanas que passei filmando a sequência da água, quando a
cidade subterrânea é inundada, foram incrivelmente prejudiciais à minha saúde.
Mesmo agora, tenho que admitir que não sei como superei isso. Palavras da
atriz alemã Brigitte Helm (1906-1996).
ALGUÉM FALOU: Como a
marionete é confrontada com o deus, e como o homem, encerrado nos limites da
reflexão, vacila impotente entre ambos, tudo isso forma efetivamente uma imagem
tão inesquecível que poderia esconder muitos elementos inefáveis...
Pensamento do filósofo, sociólogo e crítico literário alemão Walter Benjamin
(1892-1940). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
METRÓPOLIS – A ficção científica expressionista Metropolis (1927), dirigido pelo cineasta austríaco Fritz Lang (1890-1976), baseado no romance homônimo de Thea von Harbou, foi um filme pioneiro entre os primeiros longas-metragens do gênero. O filme mudo conta a história de um futuro, em que ricos industriais e magnatas dos negócios e os seus principais funcionários reinarão sobre uma cidade de Metropolis a partir de arranha-céus colossais, enquanto os trabalhadores subterrâneos trabalham para operar as grandes máquinas que a movem. Joh Fredersen é o mestre da cidade. Seu filho, Freder, passa o tempo nos esportes e em um jardim de lazer, mas é interrompido pela chegada de uma jovem chamada Maria, que trouxe um grupo de filhos de trabalhadores para testemunhar o estilo de vida de seus “irmãos” ricos. Maria e as crianças são levadas embora, mas Freder fica fascinado por ela. Contra as regras estritas da cidade, ele entra disfarçado nos níveis inferiores para encontrá-la. Nas salas de máquinas, ele testemunha a explosão de uma enorme máquina que mata e fere vários trabalhadores. Freder tem a alucinação de que a máquina é um templo de Moloch e os trabalhadores estão sendo alimentados com ela. Quando a alucinação termina e ele vê os trabalhadores mortos sendo carregados em macas, ele se apressa em contar ao pai sobre o acidente. Grot, capataz da Heart Machine, traz para Fredersen mapas estranhos encontrados nos trabalhadores mortos. Fredersen demite seu assistente Josaphat por não ter sido o primeiro a lhe trazer detalhes sobre a explosão ou os mapas. Depois de ver a fria indiferença de seu pai em relação às duras condições enfrentadas pelos trabalhadores, Freder se rebela secretamente ao decidir ajudá-los. Ele pede a ajuda de Josaphat e retorna às salas das máquinas, assumindo a identidade de um trabalhador doente. O pai dele leva os mapas ao maior inventor da cidade, Rotwang, para aprender o seu significado. Rotwang estava apaixonado por uma mulher chamada Hel, que o deixou para se casar com Fredersen e mais tarde morreu ao dar à luz Freder. Rotwang mostra a Fredersen um robô que ele construiu para "ressuscitar " Hel. Os mapas mostram uma rede de catacumbas sob Metrópolis, e os dois homens vão investigar. Eles escutam uma reunião de trabalhadores, incluindo Freder. Maria se dirige a eles, profetizando a chegada de um mediador que poderá unir as classes trabalhadora e dominante. Freder acredita que pode ocupar o papel e declara seu amor por Maria. Fredersen ordena que Rotwang dê a imagem de Maria ao robô para que ele possa desacreditá-la entre os trabalhadores, mas não sabe que o verdadeiro plano de Rotwang é usurpá-lo como governante, desencadeando uma revolução. Rotwang sequestra Maria, molda o robô à sua imagem e a apresenta a Fredersen. Freder encontra os dois abraçados e, acreditando que o pai o traiu, cai em delírio prolongado. Intercalada com suas alucinações, a falsa Maria prega aos trabalhadores que eles devem se levantar contra o mundo da superfície, resultando em caos e dissidência. Freder se recupera e retorna às catacumbas, acompanhado por Josaphat. Ao encontrar a falsa Maria incitando os trabalhadores a destruir as máquinas, ele a acusa de não ser a verdadeira Maria. Os trabalhadores ignoram-no e cumprem os seus desejos, destruindo as máquinas e provocando uma grande inundação que ameaça afogar os seus filhos. A verdadeira Maria, tendo escapado da casa de Rotwang, resgata as crianças com a ajuda de Freder e Josaphat. Grot repreende os trabalhadores comemorativos por abandonarem seus filhos na cidade inundada. Os trabalhadores ficam histéricos e condenam a falsa Maria, queimando-a na fogueira. Horrorizado, Freder observa até que o fogo revela que ela é um robô. Rotwang, acreditando que Maria seja uma Hel reencarnada, persegue-a até o telhado da catedral, perseguido por Freder. Os dois homens lutam enquanto Fredersen e os trabalhadores assistem da rua, e Rotwang cai para a morte. Freder cumpre seu destino de unir a cidade e o submundo, unindo as mãos de Fredersen e Grot para uni-los. O destaque fica por conta do papel duplo desempenhado pela atriz alemã Brigitte Helm, que estreou a sua carreira como atriz neste filme. Veja mais aqui.
LIVRO DE TRAVESSEIROS – […] Na vida há duas coisas que são confiáveis. Os prazeres da carne
e os prazeres da literatura. […] Na primavera é o amanhecer que é mais bonito. À medida que a luz
se espalha pelas colinas, seus contornos são tingidos de um vermelho fraco e
nuvens roxas se espalham sobre elas. No verão as noites. Não só quando a lua
brilha, mas também nas noites escuras, enquanto os vaga-lumes voam de um lado
para outro, e mesmo quando chove, como é lindo! No outono, à noite, quando o
sol resplandecente se põe perto da orla das colinas e os corvos voam de volta
aos seus ninhos em grupos de três, quatro e dois; mais encantador
ainda é uma fileira de gansos selvagens, como pontos no céu distante. Quando o sol se põe,
o coração se emociona com o som do vento e o zumbido dos insetos. No inverno,
as madrugadas. É realmente lindo quando a neve cai
durante a noite, mas esplêndido também quando o chão está branco de geada; ou mesmo quando não
há neve nem geada, mas está simplesmente muito frio e os atendentes correm de
sala em sala atiçando o fogo e trazendo carvão, como isso combina bem com o
clima da estação! Mas à medida que o meio-dia se aproxima e
o frio passa, ninguém se preocupa em manter os braseiros acesos e logo não
resta nada além de pilhas de cinzas brancas. [...] Coisas
agradáveis: encontrar um grande número de coisas que nunca se leu antes. Ou adquirir o
segundo volume de um conto cujo primeiro volume você gostou. Mas muitas vezes é
uma decepção. [...] Um homem que não tem nada em particular
que o recomende discute todo tipo de assunto ao acaso, como se soubesse tudo.
[...] Para lavar o cabelo, maquie-se e vista roupas bem perfumadas com
incenso. Mesmo se você estiver em algum lugar onde ninguém especial irá vê-lo, você
ainda sentirá uma sensação inebriante de prazer por dentro. [...] Não há nada
no mundo tão doloroso quanto sentir que não somos queridos. [...] Mulheres
sem perspectivas, que levam vidas monótonas e sérias e se alegram com seus
pseudo-prazeres mesquinhos, considero bastante deprimentes e desprezíveis. […]. Trechos extraídos da obra The Pillow
Book (Penguin Classics, 2007), da escritora
japonesa Sei Shōnagon (966-1017). Veja mais aqui, aqui e aqui.
SONETO
Senhor D. João, quietinho, que me enfado:
Beijar a mão é muito atrevimento;
Abraçar-me.... isso não, que me apoquento.
Cosquinhas.... ai Joãozinho.... e o pecado?
Como são maus os homens... mas cudiado
Que me parece ouvir passos lá dentro....
Não é ninguém.... apressa o teu momento.
Ai que prazer... tão doce e regalado!
Jesus, sou uma louca, quem diria
Que com um homem eu... sendo cristã
Mas... que... de puro gozo... ai! Vida minha!
Quanta vergonha... vai-te... queres mais?
O que tiveste não te satisfaz?
Oh meu Joãozinho, voltas amanhã?
A UMA DAMA
Enquanto, suave, a primavera passa,
teu decote é zeloso, na abertura,
mas ao verão ardente, sem censura,
ele entremostra toda a tua graça!
Depois o outono chega e tudo embaça...
Então, vai se fechando, te enclausura,
e ao vir o duro inverno, com usura
ciumento, ao teu pescoço ele se enlaça.
Renego este tempinho madrilenho
de longo inverno e de tão longos xales...
(Sou ilhéu! meu protesto não contenho!)
Mas socorrer-me esta em tua mão:
mesmo em novembro, espero, me regales
com o presente de um dia de verão!
EPIGRAMA
A la abeja semejante,
para que cause placer,
el epigrama há de
ser/ pequeño, dulce y punzante
SOU?
caminhando vou -
fumaça, vôo, nuvem
chuvisco de azul
nuvem de chuva
sabe-se lá porquê
dia de lua
CINTILÂNCIA
desde que brota
desejante
vai umedecendo de vida todo o curso
num remanso
embora feita de assossego
embora pura harmonia
inacessível e mansa
branca e elegante se faz garça
e num segundo de descuido
deixa-se fotografar
desnuda
NÃO-FALO
falo de mãos e de dedos
falo de figos
e de seus segredos
falo de lábios e línguas
falo de peixes e serpentes
e maçãs
falo de pele e de arrepio
falo de velas, espadas e
bastões
falo de cheiros e de sabores
falo de flores
falo de romãs
falo de cálices, de sinos
e de torres
falo de calores e de convulsões
falo e a noite se vai
e eu não durmo
não-falo
EX-FINGE
percorre as veredas do meu corpo
verás que ainda há parte do humano
que fui quando assim fingia ser
tateia com vagar todos os flancos
desse ser tão incomum igual a ti
de quatro talvez me descortines
de quatro animais encontras partes
à minha humanidade amalgamada
cabeça e seios de mulher
corpo de touro (ou de cão se assim preferes)
garras de leão asas de ave
e essa imensa cauda de dragão
não temas, amado, inda sou eu
a mesma que desconhecendo, amastes
e se duvidas de mim, olha no espelho
verás que, enfim, me decifrastes
ÁQUATICA
Navega-me,
que me faço mar.
Não para me singrares de velas enfunadas.
Teu deslizar há de fazer marolas
que hás de alisar docemente.
Eu crescerei em vagas impetuosas
e te farei soçobrar.
Mergulharás em mim e eu, maremoto.
Até que,
juntos,
na praia morna,
em branca espuma
morreremos.