A arte de Joseph
Lorusso.
VALUNA: DEPOIS DE JORRAR A
VIDA NAS CAPOEIRAS - (Imagem
Paulo Rios) - Já era um camurim e
não sabia como havia acontecido. Sei que ao chegar à margem, saí do que era e
rastejei o chão, me tornando o que não esperava nem sabia, sei que caminhei sob
a lua cheia pelo matagal, até ver-me diante de um ser atraente e era Ela, o
nome dela nunca soube, nem dissera. Parecia-me Ísis com Egito às mãos. Não era,
como se fosse. Ela estava acompanhada do que pude ali entender por musas, não
mesmo, como se fossem, Hera, Atena, Afrodite, e mais sal, enxofre e mercúrio.
Isso mesmo: sal, enxofre e mercúrio. Constatei. No demais, tudo como se fosse. Confesso o espanto e meu olhar demorado no ar
interrogador que elas expressavam. Falavam e não entendia. Elas sorriam para
esclarecer o que desentendia, o que demandou tempo para que eu pudesse
compreender o que estava acontecendo. Deixei-me levar e, ao se postarem
reunidas em torno de mim, percebia a união de nossos corpos, o espírito e a
alma. Assim, as amei, todas, uma a uma, e nos amamos como se fosse uma única
vez e a última. Depois do desejo, o céu, as nuvens, o universo no êxtase das
mãos, na chuva a me banhar, alma lavada na imensidão. Ali eu já era do mato e
da mata densa dos bichos da infância, folhas que matizavam minhas manhãs e
tardes, flores que perfumavam aonde quer que fosse. A relva vicejava por todo
lado, a comunhão do meu íntimo: tudo e todas as coisas, o infinito, mais que a
mim mesmo, o prazer de estar cônscio e de que há muito mais do que pudesse ver:
o prazer de estar vivo e viver. O que era do Buraco era mais da Queimada,
andejo do dia singrando na vida. Do outro lado o Mundaú dava para Alagoas, até
mais, boa viagem. E eu seguia por conta do Planalto da Borborema para ser o que
for feito por força do querer. Era eu, então, pelo que pude enfim tomar
ciência, um caeté da sina de ontem que ia pelo sítio Imbé, onde a minha raiz
beijava a brisa na abissal alegria agreste. Eu era Quatis de um lado, Riachão
do outro; Doce e Bonito adiante, Retiro de adeus para São Bento, até ser-me, de
novo, meio de rio, águas que de mim, correntezas de sonhos que nem sabia. Empreendi
corajosamente a jornada para dentro de mim, como se um retorno intrauterino, e
prossegui como seiva da raiz nos galhos que sentia de mim e dela, pois sou
minha mãe que talvez me tenha sonhado, como se me desejasse para que eu
soubesse entre o medo e a rebentação, o trauma do nascimento por não saber do
meu corpo como só dela. Foi quando entendi que não nasci aqui, daqui nasci. A
alma está no sangue, o profundo corte do meu povo e da minha terra. Eu e a
inominada. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS - Sexismo
é a fundação onde toda tirania é construída. Toda forma social de hierarquia e
abuso é moldada tendo como ponto de partida a dominação macho-fêmea. O fato que
todas nós somos treinadas da infância em diante para sermos mães significa que
nós todas somos treinadas para devotar nossas vidas aos homens, quer eles sejam
nossos filhos ou não; que todas nós somos treinadas a forçar outras mulheres a
exemplificar a falta de qualidades que caracteriza a construção cultural da
feminilidade. O desejo de dominação é uma besta voraz. Nunca há corpos quentes
suficientes para saciar sua fome monstruosa. Uma vez viva, essa besta cresce e
cresce, se alimentando de toda vida ao seu redor, percorrendo a terra para
encontrar novas fontes de nutrição. No tempo em que somos mulheres, medo é tão
familiar para nós como ar. É o nosso elemento. Nós vivemos nele, nós inalamos
ele, nós exalamos ele, e na maioria do tempo nós nem notamos isso. Ao invés de
"Eu tenho medo", nós dizemos, "Eu não quero", ou "Eu
não sei como", ou "Eu não posso". Pensamento
da escritora estadunidense Andrea Dworkin (1946-2005). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: O
julgamento nem sempre é necessário. Você não precisa ter uma opinião sobre cada
tema. Aquilo em que você acredita não importa nem um pouco. Tudo o que importa
é como você se comporta pessoalmente. A forma é o que transforma o conteúdo de
uma obra em sua essência. Ele entendera há muito tempo que o passado não era
melhor que o presente. Isso era claro como o dia. Uma pessoa precisava tentar
escapar, libertar-se de todas as épocas, para não ser devorado por elas. Pensamento
da premiada escritora russa Liudmila
Ulitskaia. Veja mais aqui.
ATIVISMO FEMININO - A verdadeira república:
homens, seus direitos e nada mais; mulheres, seus direitos e nada menos. Nenhum
homem é bom o suficiente para governar qualquer mulher sem o seu consentimento.
Não há uma mulher nascida que deseje comer o pão da dependência, não importa se
é da mão de pai, marido ou irmão; pois quem come esse pão se coloca no poder da
pessoa de quem o tira. Declaro que a mulher não deve depender da proteção do
homem, mas deve ser ensinada a se proteger, e aí eu tomo minha posição.
Independência é felicidade. Não quero morrer enquanto puder trabalhar; no
momento em que não puder, quero ir. Pensamento da ativista
feminista, sufragista & abolicionista estadunidense, Susan Brownell Anthony (1820-1906). Veja mais aqui.
OS LIVROS & A VIDA - Bons
livros são como bons amigos: são poucos e estão todos escolhidos. Ao longe, lá
no briho do sol, estão minhas mais sublimes aspirações. Posso não alcançá-las,
mas consigo olhar para o alto e ver suas belezas, acreditar nelas, e tentar
seguir por onde elas me guiam. As pessoas melhores do mundo têm um princípio de
perversidade inata, principalmente quando são jovens e amam. Combater os
defeitos não é tarefa fácil. Derramei muitas lágrimas amargas pelos meus
defeitos, pois, a despeito de meus esforços, parecia que jamais os venceria.
Não tenho medo de tempestades, pois elas me ensinam a navegar. Eu gosto de
palavras boas e fortes que significam algo. O amor desarma o receio, e a
gratidão pode dominar o orgulho. Há no mundo muita gente com cabeça de repolho,
sem que dê por isso. Não deixe que o sol ao nascer ainda a encontre com raiva;
perdoem-se mutuamente, ajudem-se uma à outra, e comecem vida nova amanhã.
Comece a fazer alguma coisa agora, não lhe amargurando a vida. Dê-lhes toda a
minha saudade num beijo. E tudo foi esquecido e perdoado num beijo partido do
íntimo do coração. Pensamento da escritora estadunidense Louisa May Alcoott (1832-1888). Veja mais aqui.
Zé da Luz
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!
Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!
É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!
É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.
É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!
É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!
É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasía nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.
ZÉ DA LUZ - Severino de Andrade Silva, mais conhecido como o poeta popular Zé da Luz, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965.
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Imagem: art by Eugene Reunier.
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