Art by
Raffaelle Marinetti
Robimagaive é a gota! Entre ele, o Zé-corninho e o Doro, dos três não dá para saber qual dessas cabeças ilustradíssimas quem possui mais aptidão, competência, barrunfo, faro, pacutia e embromação.
Para se ter uma idéia, esses caras têm mais profissões que se empregadas duma só vez, desemprega meio mundo. Mesmo!
Mas, por enquanto, vou só falar do Robimagaive.
Pois foi, eu conheci esse distinto personagem certa vez quando ele procurava por emprego. Pensei, cá comigo, ora, como um sujeito qualificado desses anda desempregado? Hem?
Confesso que de cara não sabia de quem se tratava, mas que já ouvira todo tipo de pinóia a respeito dele, já.
- O que você sabe fazer? -, perguntei ao solicitante.
- Depende, doutô, é só o sinhô inscolher. - disse-me ele infatigável.
- Como assim?
- Bem, sô profissioná dos profissionáris: isgotador-de-fossa perito, sordador de caçarola-de-fundo-lascado inté lanternage de avião, pescador de maçunin, eletricista-eletrotéque, mecânco de autos, aviador e motorista catigoria Z de bicicreta a foguetêro, zabumbêro e crune de seresta e trielétrico, crastrador de bicho, pis... pis...cicultor de aquáro, benzedô do frei tabica...
- Peraí, o que você sabe fazer melhor!
- Tudo. E tem munto mai no meu currícu aí...
- Sim, tudo bem, podemos precisar de motorista...
- Na hura, tô disposto, pode me contratá qui num vai se arrependê; espie, minha cartêra é catiegoria Z...
- Não conheço essa categoria.
- Dirijo di tudo: tratô, patrol, avião, helicópes, carro, treminhã, oinbu, tô até terminando um foguete prá dá uma vortinha pru lá pru riba do céu.
- Eita! Tudo bem, deixe seu currículo aqui que eu quando precisar mando buscá-lo -, finalizei impaciente.
Robimagaive fez uma careta de desagrado e foi saindo com a mão direita na cabeça ajeitando o tuim. Não ia saindo lá muito satisfeito, não.
Num é que justo na hora apareceu um outro gerente pedindo um motorista para ir em Recife urgente. Ele sapecou:
- Eu vô! Se é ugente, é comigo mermo!
E nem piscou. Avexado arrancou a chave da mão do requerente, ouviu a determinação e partiu com mais de mil percorrer mais de 300 quilômetros. Informado do que tinha que fazer, zarpou.
Assim, de esguelha, dava uns 800 quilômetros de ida e volta, isso na baixa e, descontando as embromações do trajeto, dando umas 6 horas de viagem.
Quatro horas depois estava lá Robimagaive aboletado com a chave na mão e o carro fumaçando.
- Que bronca é essa, rapaz? Num deu para cumprir o requerido, não foi? -, perguntei com cara de poucos amigos.
- Missão cumprida.
- Como? O carro está fumaçando demais, pegou fogo, foi? Quebrou?
- Não, nada disso, doto, tá aqui o protucó de entrega, tudo como manda o figurino.
- Você é doido?
- Não, mas da próxima vez bote um carrinho melhor preu poder passar um pito na poliça rodoviara dela botar a língua de fora de tanto corrê.
Foi um deus nos acuda.
O carro fumaçava mas depois de uma checagem estava novinho em folha.
Inspecionando a razão daquilo, soube que o cabra andava solto de pé fundo, 200 por hora, só via a hora dele findar nem os pedaços. Dirigia endoidadamente, cortava pela direita, pela esquerda, nas curvas, onde não dava, vôte!
- Você é doido, é?
- Não, meu santo que é forte!
E era. Quando ele passava, era zum, já foi.
Essa não foi nada das tantas, uma ele aprontou comigo mesmo.
Depois de muitas pelejadas mexendo nisso e naquilo, no fim de tudo, o que fazia, ou dava certo ou errava de vez. Uma virtude, num é não?
Certo dia, domingo acompanhando a corrida da Fórmula 1, minha tv pifou. Porra! Quando vociferei a indignação, lá ia entrando Robimagaive.
- Qué qui foi, doutô?
- Minha tv pifou justo na hora da corrida!
- Calma, dô um jeito já já.
E deu. Fiquei o tempo inteiro com a orelha na frente da pulga.
Pacientemente ele destampou o aparelho, remexeu em tudo, amarrou aqui de barbante, cuspiu num integrado lá, botou chiclete prá cima, cola instantânea para baixo, bombril numas coisas, remendando fios com cada nó cego, tabefe para pegar, serrando um pedaço de alguma saliência, ajuntando papel de cigarro noutra, maior seboseira chega dava tristeza de ver, quando, a certa altura daquela esquisitice toda, mandou eu ligar o aparelho.
Ôxe, liguei. E foi um pipoco da porra! Maior zoadeiro. Eu só vi o Robimagaive com os cabelos em pé e a cara preta chamuscada do fogo. Chega tive um susto!
Com a mesma parcimônia de sempre, ainda mencionou:
- Ói, doutô, aqui num dá que deu probrema de junta, tenho que levar prá casa para juntá os cacos!
Não sei como ainda acreditei e deixei ele sacudir embaixo do suvaco o resto dos bregueços que sobraram.
O pior: ele consertou e trouxe em perfeito estado. Só que desconfiado do funcionamento, dei-lhe de presente. Acho que nada mais justo, ora. Mas ele insistiu para que eu visse que estava tudo em ordem. Nem quis ver. Ele ligou, mudou de canal, mostrou tudo funcionando direitinho. Nem mostrasse, levasse dali. Ele ai que saiu devagar e chegando na primeira esquina vendeu aquilo por 50 reais, enchendo o tampo na carraspana e sorrindo à toa.
É mole? Não, esse é o Robimagaive.
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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PENSAMENTO DO DIA - O poeta é o ser menos poético do mundo. Pois não tem
identidade. Não parece com ninguém e vive no outro. Coisas que podem chocar o
filósofo ao poeta encantam. Pensamento
do poeta do Romantismo inglês John Keats (1795-1821). Veja mais aqui.
PESQUISA –
[...] Alternativamente,
a pesquisa pode e deve ser o momento em que se reflete sobre essas variadas
possibilidades de relacionamento entre pesquisador e pesquisado, sobre os
diferentes impactos que qualquer pesquisa sempre provoca no grupo pesquisado,
tomando-se como pano de fundo, uma alteridade nunca resolvida nem dissolvida
nos encontros e desencontros que a pesquisa traz. Neste caso, a alteridade não
seria dissolvida nem pela função simbólica única das subjetividades em
encontro, nem pelo próprio projeto político popular unificado [...]. Trecho extraído da
obra Teoria e prática do trabalho de
campo: alguns problemas (Paz e Terra, 1988), da antropóloga Alba Zaluar.
O PASSADO –
[...] é pelo discurso de
terceiros que os sujeitos são informados sobre o resto dos fatos contemporâneos
a eles; esse discurso, por sua vez, pode estar apoiado na experiência ou
resultar de uma construção baseada em fontes, embora sejam fontes mais próximas
do tempo [...]. Trecho extraído da obra Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva (UFMG, 2007),
da escritora e crítica literária argentina Beatriz
Sarlo. Veja mais aqui e aqui.
DIREI COMO VOCÊS NASCERAM - Direi como vocês nasceram, prazeres
proibidos, / Como nasce um desejo sobre torres de espanto, / Ameaçadores
barrotes, fel desbotada, / Noite petrificada à força de punhos, / Diante de
todos, inclusive o mais rebelde, / Apto somente na vida sem muros. / Couraças
infranqueáveis, lanças ou punhais, / Tudo é bom se deforma um corpo; / Teu
desejo é beber essas folhas lascivas / Ou dormir nessa água acariciadora. / Não
importa; / Já declaram teu espírito impuro. / Não importa a pureza, os dons que
um destino / Levantou para as aves com mãos imperecíveis; / Não importa a
juventude, sonho mais que homem, / O sorriso tão nobre, praia de seda sob a
tempestade / De um regime caído. / Prazeres proibidos, planetas terreais, / Membros
de mármore com sabor de estio, / Sumo de esponjas abandonadas pelo mar, / Flores
de ferro, ressoantes como o peito de um homem. / Solidões altivas, coroas
derrubadas, / Liberdades memoráveis, manto de juventudes; / Quem insulta esses
frutos, trevas na língua, / Tu és vil como um rei, como sombra de rei / Arrastando-se
aos pés da terra / Para conseguir um naco de vida. / Não sabia os limites
impostos, / Limites de metal ou papel, / Já que o acaso lhe fez abrir os olhos
sob uma luz tão alta, / Aonde não chegam realidades vazias, / Leis hediondas,
códigos, ratos de paisagens arruinadas. / Estender então a mão / É achar uma
montanha que proíbe, / Um bosque impenetrável que nega, / Um mar que traga
adolescentes rebeldes. Poema do poeta e critico literário espanhol
Luis Cernuda (1902-1963). Veja mais aqui.
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