Ao som da Mélopées
africaines, para Ondes Martenot, piano e flauta (1945), Grains de cendre,
para soprano e orquestra de câmara (1946) e Traité de rythme, de couleur, et
d’ornithologie (1949), da pianista e compositora francesa Yvonne Loriod
(1924-2010). Veja mais aqui.
PROSA DE NÃO SEI
QUANTOS VERSOS - O que mais esperar além de nada noves fora
ermo: contemplar a demolição da vida sob nuvens prematuras nas trevas de
janeiro e coração suspenso, olhar remoto nas pálpebras aflitivas, ecoantrovões,
noitoutra. O meu corpo escuta o peso de duplipensares no mise-en-scène,
canto de sereias. Escapei por pouco, quem será o próximo. Claudia Noguera Penso dá o tom: Sinto, como Ícaro, a
inutilidade das minhas asas, quando elas se abrem e te encontro confortável
queimando nelas... Era eu quase presencial na tragédia de Ingeborg Bachmann, a saudade na militância da
radiodifusão e tragadas de cigarros. Dera de acontecer o não previsto, como se
eu tivesse que vazar os olhos para suportar as cenas dolorosas: se fui longe
demais nada fizera. Pela milésima vez estremecido gesto trançado no peito com o
que me dissera Nancy Kress: Você
deve aprender a ser três pessoas ao mesmo tempo: escritor, personagem e leitor...
Trindade minha engasgada por sonhos atravessados de assoladoras
imagens irreconhecíveis, pesadelos acelerados e recorrentes, só pra saber desregulando
o que sou no meio do cáustico banimento e vagos passos no lodo escorregadio e a
se prolongar por luzes apagadas. Adejo e não ouço, meu corpo todo asa a se
dilacerar saltando o dia como eterno rasgo. Tão perto estava Edwidge Danticat: Crie perigosamente, para pessoas que leem perigosamente….
Escrever, sabendo em parte que, por mais triviais que suas palavras possam
parecer, algum dia, em algum lugar, alguém poderá arriscar a vida para lê-las...
Como se quase o poeta matou a poesia diante da tragicomédia fora do padrão.
Tudo de novo, outra vez. E isso não tem a menor graça! A coisa vai só pra quem
tem boca na botija, quem sabe leva na maciota e Ellen Wood foi além do
esperado: Seus próprios sentimentos excitados o ampliaram em comprimento,
largura e altura - transformaram um pequeno morro em uma montanha... Seguir
mesmo que tudo só vá pra trás. Não adianta se acovardar diante da lógica da
violência. De tempos em sempre, a vida dá o créu! Vou por mim: ser humano
abissal. Desfaço a jornada do herói
e descontruo o conto de fadas. Quase ainda anteontem tudo
era tome tento e pegue o beco, pingo nos iis e dou fé. Hoje não mais: cada um
por si e quem quiser que mande outra. Se Deus fez, a gente desacerta. Tenho
dito! Até mais ver.
MULHER IMENSA
Imagem: Acervo ArtLAM.
Num lugar na periferia da cidade, \ uma mulher chora. \ Um homem a
abandonou \ quando ela acabara de dar à luz. \ Ela tem mais dois pequeninos
para alimentar. \ Você tem que pagar o aluguel. \ Os valentões no trabalho
afiam suas presas. \ O garotão arranhou o joelho. \ A casa não tem banheiro. \
Eu a ouço e declaro o mal do mundo. \ Ela me contradiz e me dá um meio sorriso.
\ Eu olho para ela com espanto, \ Que segredo permite manter a esperança? \ Ela
responde, desgrenhado, maquiagem borrada, rosto cansado … \ enxuga as lágrimas
com as costas da mão \ e convoca, em voz alta, \ quatro versos da letra de
Pizarnik. \ É assim que uma mulher ensina uma lição de vida. \ Ele abraça versos
generosos e renasce, tremendo e poderoso.
Poema da indígena poeta mexicana Patricia Karina
Vergara Sánchez, autora de obras como Indómita Versa (Ginecosofia
, 2021) e Sem heterossexualidade obrigatória não há capitalismo (Riseup,
2018), no qual expressa: [...] Enquanto se continue concebendo que lavar a
louça ou a vida erótico-afetiva sejam assuntos que correspondem a uma pessoa, a
um casal ou à intimidade do que ocorre dentro de uma casa e se continue
invisibilizando sua dimensão política e suas implicações estruturais, será
difícil desmontar a reprodução capitalista. Uma atitude revolucionária, então,
é desheterossexualizar nossas concepções de realidade e de sentido da vida
[...]. Ela também edita o blog: Esta boca mía - Advertencia: poesía lesbofeminista.
UMA HISTÓRIA DE
FAMÍLIA - [...] Todos nós fazemos parte de um grande
épico, apenas um pequeno segmento dele, inadvertidamente destacado. [...] Heróis
soviéticos musculosos - um marinheiro, um guerrilheiro e uma mulher ucraniana -
triunfaram sobre as trevas do passado. As palavras “heroísmo”,
“coragem”, “pátria”, “coragem” ricochetearam em mim como bolas de pingue-pongue
[...] Então houve uma ficus - ou não é uma ficus, mas uma ficção, uma
ficção, uma ficção? Minha ficção é gerada por ficus - ou
vice-versa? E se eu nunca souber se a figueira
que salvou a vida do meu pai realmente existiu? Ligo para meu pai e ele me
consola. “Mesmo que ele não existisse, esses truques de memória às vezes nos
dizem mais do que os registros de inventário mais detalhados.” Às vezes é apenas um
grão de ficção poética que torna uma memória verdadeiramente autêntica. [...] Como um deus
onisciente, observo essa cena da janela da casa em frente. Provavelmente é assim
que os romances são escritos. Ou contos de fadas. Sento-me alto e olho
para longe. Às vezes, reunindo coragem, chego
mais perto e fico atrás do policial, escutando a conversa. Mas por que você está de
costas para mim? Não importa o quanto eu ande ao seu
redor, só vejo suas costas. Por mais que eu tente
distinguir seus rostos, o rosto da minha avó e daquele oficial, por mais que eu
me estique, por mais que eu force todos os músculos da minha memória, da minha
imaginação, da minha intuição, nada funciona. Não vejo seus rostos,
não entendo, e os livros de história silenciam. [...] Meus pais
falavam sobre o que a história oficial silenciava, falavam constantemente sobre
seus pontos dolorosos, como se estivessem mentindo - para eles era uma questão
de honra, decência ou talvez até um código para encontrar “os seus”, seus
próprios espécie . Às vezes parecia-me que com estas
histórias (e conversas intermináveis sobre literatura) estavam a conquistar o
espaço da sua independência, a Primavera de Praga, a Hungria de 1956, as repressões, o Solidariedade, o Afeganistão e, claro, este buraco
negro de Kiev, Babi Yar , eram seus “conjuntos de cromossomos”. Eles consideravam esse
conhecimento - essa atitude diante da dor do outro - um fiador da consciência e
até da liberdade pessoal. Mas o problema de qualquer história
sobre tais acontecimentos é como preservar a memória histórica, como falar
sobre a violência contra as pessoas sem multiplicar esta violência, sem repetir
- como no caso de Babi Yar - não apenas aquela morte, mas também a desonra daquela
morte em sua história. Como falar sobre violência sem usar
violência contra os outros. [...] Meu livro surgiu da interseção entre
impotência e raiva. E a questão não está no patriotismo,
mas na memória de um lugar, na necessidade interna de descrever em que espaço
crescemos ou nos encontramos, ainda que no gênero de caminhada. [...] É impossível
contar completamente sobre desastres em que morrem milhões de pessoas inocentes.
[...] Quando uma cadeia de acidentes forma
um texto, ela se torna destino. [...]. Trechos extraídos da obra Maybe Esther: A Family Story (Harper, 2018), da escritora e jornalista ucraniana Katja
Petrowskaja.
ARQUI-VIOLÊNCIA – [...] As abundantes meditações sobre a violência na filosofia ocidental,
incluindo a filosofia contemporânea aqui, mostraram uma tendência a
concentrar-se principalmente na esfera política em sua totalidade. Sem tentar uma análise
histórica do fenômeno da violência, é interessante enfatizar o campo de estudo
que tradicionalmente tem sido incluído como um tópico: política, direito e
ética. Filosofia prática, em suma. [...] Ele está localizado no
contexto da ampla relação que a violência tem com a linguagem e o discurso em
todo o filosofia ocidental. [...] A linguagem sempre fez com que o sonho
da presença se perdesse. do outro, uma presença incapaz de aparecer de outra
forma que não seja a sua própria desaparecimento. Nesse sentido, não só a
metafísica – ou a ontologia – é violenta. Todo o resto aparecendo diante de
mim, mesmo que seja na forma de uma presença epifânica ou escatológica. [...]. Trechos
extraídos do estudo Arqui-violência: gênese da violência de gênese na
filosofia de Derrida (Trans/Form/Ação, Out./Dez., 2019), da filósofa chilena Valéria Campos Salvaterra, que se apresenta como: Sou
humana como você. Ao longo da vida tive erros e acertos, fracassos e vitórias.
Portadora de depressão grave, há dois anos fiz uma escolha: viver, amar e
perdoar. Hoje sou grata por tudo que passei, compreendi os verdadeiros valores.
Tenho amor a Deus, a mim e ao meu semelhante... Ela é autora de obras como:
Violência e fenomenologia. Derrida, entre
Husserl e Lévinas (Metais pesados, 2017), Transações perigosas. Economias da violência em
Jacques Derrida (Pólvora, 2018) e Comece com terror. Ensaios sobre filosofia e violência (Prometeu,
2020).
AVALOVARA
[...] Estou no quanto do meu pai, quando o leque se abre dentro de
mim. Não se abre aos poucos, com a lentidão do mundo vegetal. Abre-se de um
golpe, são asas, os braços da criatura-em-mim abertos continuam, as mãos quase
tocando meu ombros, mas agora a revestem duas asas, estas asas revestem-na,
cobrem a sua nudez, uma espécie de manto, umerais, tectrizes e álulas são de um
roxo-brilhante, as rêmiges douradas, principalmente nas extremidades, enquanto
as penas entre as zonas dourada e roxa se alternam, umas cor de sangue, outras
azuis [...].
Trecho extraído da obra Avalovara (Companhia das Letras, 1995), do escritor e dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.