MAS O QUE É QUE É ISSO, MINHA GENTE? - Imagem:
arte do grafiteiro e artista visual estadunidense Jean-Michel Basquiat (1960-1988) - Jerrynaldo já tinha esse nome
antes mesmo de nascer, mas não pegou. Era que a mãe dele, D. Cisaltinha era fã
do cantor e queria por que queria que o nome do filho fosse uma homenagem ao ídolo
da sua predileção. Já o pai, Inaldão do Inaldo, queria que o seu nome fosse
perpetuado na vez do primogênito, não abrindo mão disso de jeito nenhum. Essa a
razão pela qual a gravidez fora bastante recheada de animosidades de ambas as
partes, passando da conta por empurrões, xingamentos e outros desaforos, a ponto
de, no meio da maior arenga, o rebento nascer antes da hora. No meio do deixa
disso, o bruguelo saiu calado na confusão, tendo de ser obrigado a abrir o
berreiro para dar sinal de vida. De palmadas findou levando uma pisa e passar
mais de hora berrando. Infelizmente foi logo enjeitado pela mãe: - Vixe! Isso
nem parece ser gente, tem cara do coisa ruim! O pai, deixando por menos,
relevou: - Tem nada não, melhor parecer com o satanás, assim será cabra macho
feito o pai. E ela: - Pelo jeito, puxou ao pai mesmo! Cagado e cuspido. Só que
mais feioso que o genitor que já não era lá grande coisa pela feiúra. Assim o
menino foi crescendo, Satanás pra lá e pra cá, dando demonstrações dos seus
maus bofes e jus ao seu apelido. Quando aprumou na adolescência, ele já se
assinava Jerrynaldo Satanás, partindo prumas escapulidas fortuitas no arrepio
da lei: de afanações bestas às deliquências mais arrepiadas, conseguia se safar
amealhando trocados e antipatias. Para se limpar, entrou pra polícia noutra
cidade, em Ribigudo, e logo, ao cabo de alguns anos, virou sargento, orgulho do
pai, coitado, desconhecedor das façanhas delituosas do fardado. Sempre escapava
das mãos da justiça porque, brincando de tiro ao alvo em ser vivente passante,
sempre acorria aos perdões nos pés do santo de sua devoção: São Benedito. Parecia
mais que o santo segurava suas pontas, deixando-o sempre impune. Como restara
ileso em tudo, jurou fidelidade ao devotado e virou praticante religioso, a
ponto de formar o Terço dos Homens na paróquia de Alagoinhanduba. Toda quinta,
ele lá perfilado, Jerrynaldo santificado. Até que um dia lá, dirigindo sua
fubica para o encontro religioso das quintas, no meio do caminho o mandú teve
um troço, de deixá-lo na mão. E agora? Eis que um mecânico passava assobiando e
foi recrutado pela autoridade pra lá de abusiva, intimando-o pro conserto
imediato. Como não havia jeito pra pacutia da borreia, deixou tudo acertado com
o profissional, enquanto seguia a pé pro compromisso inadiável de sempre.
Aprumou e saiu às carreiras, chegando atrasado, mas logo se inteirando dos
afazeres, tomando pé da situação no ato. No auge das orações, aparece o
mecânico na porta da igreja: - Satamás ta aí? Vixe, foi o maior desembesto, fuga
em massa dos presentes. Jerrynaldo botou as mãos à cabeça e dirigiu-se até o
visitante, dizendo que o nome dele era Jerrynaldo e coisa e tal, e o cara, Ô
Satanás, me desculpe, é que o carro tá embroncado, não tem conserto não, meu
nome é Jerrynaldo, sim, Satanás, a coisa tá feia lá, num pega nem com reza forte
nem milagre de deus ou do diabo, eu já lhe disse meu nome, não é pra me chamar
assim não, ah, tá, desculpe, Satanás, mas o seu bregueço lá pifou de vez. Nessa
ia saindo o Doro que estava ali pela primeira vez para angariar alguns votinhos
pra sua eleição a vereador, ficou sem entender direito o acontecido, saindo
acabrunhado com o ocorrido. Foi, então, que Jerrynaldo interpelou: - Perái, meu
amigo, vou com você. Doro olhou pra ele dos pés à cabeça, fitou direito e
disse: - Deixa pra lá, já estou muito bem acompanhado sozinho, fique com Deus,
ou com o tinhoso, como quiser. E zarpou. Doro deu dois passos e depois pegou
carreira com mais de mil, ao dobrar a esquina, quase sem fôlego do esforço
despendido, encontrou os outros membros do Terço dos Homens que logo
perguntaram: - E aí, você viu que coisa? É sério. Como é que pode? Sei não. E
aí, a gente se encontra na próxima quinta? Mas o que é que é isso, minha gente?
Deus me livre, se na igreja o coisa ruim já tá dentro, que é que vou fazer lá?
Assim num dá preu me eleger vereador de jeito nenhum. Tá doido? Tô fora. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá
especiais com Sonatas de Debussy e Beethoven & Brandeburg Concert Bach, da
violonista e pedagoga Elisa Fukuda; a arte musical do Duo
Fênix
– dos pianistas Cláudio Dauelsberg &
Délia Fischer; Cuban Guitar 1 e 3 e de Bach aos Beatles, do violonista,
compositor e regente da Orquestra de Cuba, Leo
Brouwer;
e o JazzWoche Burghausen com as canções Dindi de Jobim e Rio de Maio de Ivan
Lins, da cantora estadunidense Jane Monheit, com participação de Johnny
Mathis & Ivan Lins. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - [...]
Mas você, meu
amigo, se deseja viver entre os homens, aprenda em primeiro lugar respeitar a
sombra – somente então o dinheiro. Mas se quiser viver apenas para si e para o
que há de melhor no seu interior, então não precisa de nenhum conselho [...]. Trecho extraído da obra A história maravilhosa de Peter Schlemihl (Estação Liberdade,
2003), do botânico e poeta do romantismo alemão, Adelbert Von Chamisso (1781-1838).
EXÍLIO & EXILADOS – [...]
O exílio nos compele estranhamente a
pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar. Ele é uma fratura incurável
entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua
tristeza essencial jamais pode ser superada. E, embora seja verdade que a
literatura e a história contêm episódios heróicos, românticos, gloriosos e até
triunfais da vida de um exilado, eles não são mais do que esforços para superar
a dor mutiladora da separação. As realizações do exílio são permanentemente
minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre. [...] O exílio, ao contrário do nacionalismo, é
fundamentalmente um estado de ser descontínuo. Os exilados estão separados das
raízes, da terra natal, do passado. Em geral, não têm exércitos ou Estados, embora
estejam com frequência em busca deles. Portanto, os exilados sentem uma
necessidade urgente de reconstituir suas vidas rompidas e preferem ver a si
mesmos como parte de uma ideologia triunfante ou de um povo restaurado. O ponto
crucial é que uma situação de exílio sem essa ideologia triunfante—criada para reagrupar
uma história rompida em um novo todo — é praticamente insuportável e impossível
no mundo de hoje. Basta ver o destino de judeus, palestinos e armênios. [...]
Os exilados olham para os não-exilados
com ressentimento. Sentem que eles pertencem a seu meio, ao passo que um
exilado está sempre deslocado. Como é nascer num lugar, ficar e viver ali,
saber que se pertence a ele, mais ou menos para sempre? [...] Grande parte da vida de um exilado é ocupada
em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo para governar. Não
surpreende que tantos exilados sejam romancistas, jogadores de xadrez, ativistas
políticos e intelectuais. Essas ocupações exigem um investimento mínimo em
objetos e dão um grande valor à mobilidade e à perícia. O novo mundo do exilado
é logicamente artificial e sua irrealidade se parece com a ficção. [...] O exilado sabe que, num mundo secular e
contingente, as pátrias são sempre provisórias. Fronteiras e barreiras, que nos
fecham na segurança de um território familiar, também podem se tornar prisões e
são, com freqüência, defendidas para além da razão ou da necessidade. O exilado
atravessa fronteiras, rompe barreiras do pensamento e da experiência. [...]
Para o exilado, os hábitos de vida,
expressão ou atividade no novo ambiente ocorrem inevitavelmente contra o pano
de fundo da memória dessas coisas em outro ambiente. Assim, ambos os ambientes
são vívidos, reais, ocorrem juntos como no contraponto. Há um prazer específico
nesse tipo de apreensão, em especial se o exilado está consciente de outras
justaposições contrapontísticas que reduzem o julgamento ortodoxo e elevam a
simpatia compreensiva. Temos também um sentimento particular de realização ao
agir como se estivéssemos em casa em qualquer lugar. Contudo, isso apresenta
seus riscos: o hábito da dissimulação é cansativo e desgastante. O exílio jamais
se configura como o estado de estar satisfeito, plácido ou seguro. Nas palavras
de Wallace Stevens, o exílio é "uma mente de inverno" em que o páthos
do verão e do outono, assim como o potencial da primavera, estão por perto, mas
são inatingíveis. Talvez essa seja uma outra maneira de dizer que a vida do exilado
anda segundo um calendário diferente e é menos sazonal e estabelecida do que a
vida em casa. O exílio é a vida levada fora da ordem habitual. É nômade,
descentrada, contrapontística, mas, assim que nos acostumamos a ela, sua força
desestabilizadora entra em erupção novamente. Trechos extraídos da obra Reflexões sobre o exílio e outros ensaios
(Companhia das Letras, 2003), do intelectual, crítico literário e ativista
palestino Edward Said.
A PROFISSÃO DO ESCRITOR – [...]
Escrever, para mim, é um meio, o único de que disponho, de abrir uma
clareira nas trevas que me cercam. Neste sentido é que eu disse, ainda há
pouco, escrevo antes de tudo para mim. Sem experiência, decerto, não há
conhecimento. Contudo, pelo menos no meu caso, mesmo o conhecimento obtido pela
experiência é desordenado e informe. Só o ato de escrever me permite sua
ordenação; portanto, escrever se me apresenta como a experiência máxima, a
experiência das experiências. Minha salvação, meu esquadro, meu equilíbrio [...]. Trecho
extraído da obra Evangelho na taba &
outros problemas inculturais brasileiros (Summus, 1977), do
escritor e dramaturgo Osman Lins
(1924-1978). Veja mais aqui e aqui.
O POEMA CONCISO DE HÖLDERLIN - Porque és tão curto? Já não amas, como
noutros / Tempos, o cântico ? Nesse tempo, ainda jovem, / Quando em dias de
esperança cantavas, / Nunca encontravas o fim. / Como a minha sorte, assim é
minha canção. Queres-te / banhar, feliz, no pôr do Sol? Já passou! E a / Terra
é fria e o pássaro da noite sibila, / Incômodo, perante os teus olhos.
Poema do poeta lírico e romancista alemão Joham
Hölderlin (1770-1843). Veja mais aqui.
PROEZAS DO BIRITOALDO
Veja
mais:
&
A ARTE DE RAYMOND ELSTAD