ÚLTIMA CARTA DE ANTOINE – Querida Marie-Anne, saudades. Cuide-se. Estou
aqui distante e sentindo a sua falta como a de meus antepassados do pó das
estrelas. Apesar de tudo, sinto-me liberto desde que escolhi não ter nenhum
envolvimento com frívolos passatempos, protegido que me fizera contra as arestas
do mundo: uma dedicação voluntária e juvenil ao árduo trabalho por realizar. A gente
nunca sabe direito onde tudo vai dar. A vida passa e a nós o aprendizado da
passagem. Fui agraciado e sou grato por tudo: minha tia me criava como um vaso
raro e precioso de frágil porcelana, a memória e regozijo por ter tido aquela
que se fez mãe quando eu não tinha a quem recorrer nas horas de precisão da
infância. Fui bem cuidado por meu pai e tive todas as oportunidades para
acertar e errar, triunfando no mais das vezes. Amigos, conselheiros,
aprendizados e fortuna. Nas voltas da vida, sempre fiz o que realmente quis,
até virei financista para poder realizar as experiências que clamavam dentro de
mim no laboratório do Arsenal. A tudo investiguei e procurei usar da
sinceridade: falei dos fatos e reiterei tudo no Tratado Elementar sobre a
misteriosa Natureza. Ninguém é perfeito nem passa impune pela vida. Ao lado de
uma vida exitosa, também desagradei a alguns, não sei direito quantos. No percurso
das conquistas não só ganhei prêmio, como também passei a ser o rei dos
charlatões, amigo de tiranos, discípulo de salafrário, mestre de ladrões. Nada demais,
supurava apenas o tumor de um orgulho ferido, sabia. Insistiam e eu olvidava,
estava ocupado demais para levar a sério reclamos que sempre julguei na conta
do dispensável. Os algozes fizeram seu alarido e me incriminaram como extorsivo
coletor de impostos. Por conta disso, invadiram minha casa, vasculharam minhas
coisas, confiscaram e selaram meus documentos, devassaram minha vida. A
história revolucionária achou por bem me incluir na Lei dos Suspeitos e não só
aprisionou a mim como a seu pai, me estigmatizando por vampiro criminoso.
Impuseram, ainda por cima, uma vingança pelo que desconhecia: fui acusado de
fraude na venda de tabaco adulterado, de traição como conspirador aliado de
estrangeiros e com inimigos do meu país. Aqui estou, minha querida, solitário
na prisão dos condenados e não perdi a coragem diante da morte, nem o amor
devotado que lhe tenho. Tudo se passa na minha solidão e guardo os mais belos
momentos em que fui levado para você, ainda adolescente linda, como membro da odiada
Ferme Général. Bendita musa! Com você, querida de Montbrison, minha
companheira, tradutora e pioneira nas experiências, vivemos todos os momentos
possíveis de amor e felicidade. Você ilustrou de todas as formas a minha vida,
sempre presente, participante e competente nas balanças extremamente precisas, na
combustão e oxidação, na teoria do flogisto, no sistema métrico, nos elementos
químicos, no silício, nas massas e reações, na conservação da matéria, na respiração
e oxigênio, nas descobertas e controvérsias. Aprendemos juntos que nada se criava
na arte e na natureza, porque existem só mudanças. Vivi uma vida razoavelmente
longa e feliz, desfrutei a benção do gênio e da glória. Devo tudo a você e, por
gratidão, guardo dentro de mim tudo que vivi, porque você é a maior e única em
tudo que tive de prazeroso. É por isso que nem sinto o padecimento sob o
reinado do terror e sequer sofro a maldição da riqueza e da morte. Ora, tive em
você tudo que me completava; em compensação, me poupam dos desconfortos da
velhice, que mais podia eu desejar neste mundo. Nesta manhã de maio, na Place de la Révolucion, graças a Deus, termino
os meus trabalhos com o sentimento de missão cumprida. Vou em paz. Se cuide,
minha querida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Venho de longe, de rios e igarapés de águas
claras, estradas bonitas, luares estrelados, duma cidade flor, cheirosa a
jasmins e malva rosa. Venho da terra formosa de serenatas, violões, açaí,
madrugadas lindas e crepúsculos incomparáveis! Sinto ainda, como num sonho
feliz, a caricia do banho de água salgada, a alegria dos passeios, em barcos à
vela, o encanto das margens verdes, pelas quais corre, assustado, o guará
bonito de pernas vermelhas. Na saudade, volto à minha infância venturosa, ouço
alegremente o sino da igreja, soando Ave Maria, quando eu, criança ainda,
rezava à Virgem Maria do Céu! Venho de campinas floridas e gorjeios da
passarada azul, da terra de meus pais, a minha cidade flor – Vigia! Fui e sou
ainda como a árvore frondosa! Floresci, dei frutos e sombra. Meus ramos,
viçosos, multiplicaram-se em flores e ainda hoje há um sol que os afaga, nos
sorrisos de meus netos e netas. Cresci à sombra de carinhos e afetos,
fortaleci-me na beleza dos campos, ao ar livre, pisando, descalça, ervas
macias, cheias de orvalho e depois, sorrindo à vida, recebi a mocidade em
róseas taças de luares, estudei, casei, multipliquei-me e hoje vejo, sinto que
vivo noutras vidas, glorificada pelo meu grande amor de Mãe! Meus ramos ainda
ascendem ao Azul e vão buscar na luz das estrelas, o perfume e o vigor, que
oferecem à haste a fortaleza necessária para vencer as intempéries! Portanto,
“ainda há sol em minha vida” no inverno de meus cabelos e foi a velhice que me
deu inspiração para escrever os versos deste livro. Extraído da obra Rimas do Coração – Poesias (H. Barra, 1958),
da escritora Esther Nunes Bibas
(1888-1972).
BEM-TE-VI
Ah, meu passarinho verde, / ai, meu lindo
bem-te-vi, / eu já sei que vai cantar, / por isso eu fico aqui.
Cala a boca, passarinho, / cala a boca,
bem-te-vi, / não me faça recordar, / dum amor que já perdi.
Despertando o pitauaã / com impulsos de vigor,
/ disse logo bem-te-vi / deste lugar em que estou.
BEM-TE-VI - Reza a
lenda que o passarinho Bem-te-vi, de
vasta nomenclatura, que vai desde os índios como Pitauá, Pitauaã, Pituã,
Pitaguá ou Puintaguá, ou pelos europeus grande-kiskadi, ou na fala popular como
triste-vida, bem-te-vi coroa, tiuí, teuí, tic-tiui e siririca, o passeriforme
da família dos tiranídeos de nome científico Pitangus sulphuratus, seria o
pássaro que anuncia visitas e que Jesus não gostava dele porque gritava para
que os soldados de Herodes soubessem do seu paradeiro, durante a fuga para o
Egito. No passado, durante a gravidez, a ele perguntava: Quem tu viste,
bem-te-vi? Homem ou mulher? Se cantasse logo, nasceria homem; se demorasse,
mulher. Extraído do Dicionário do
folclore brasileiro (Global, 2001), de Luís da Câmara Cascudo. Veja mais
aqui.
A ARTE DE MARY WIGMAN
Quem foi
o louco que afirmou que a dança depende da música.
A combinação
orgânica dessas direções espaciais e suas qualidades naturalmente
tridimensionais conduzem a uma perfeita harmonia.
MARY WIGMAN – A arte da bailarina, coreógrafa e professora
de dança alemã Mary Wigman
(1886-1973), uma das fundadoras da dançaterapia e da dança expressionista,
considerada uma das mais importantes na história da dança moderna. Veja mais
aqui.
A OBRA DE LAVOISIER
(Imagem do pintor Jacques-Louis David)
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Podemos defini-lo como um axioma incontestável de que, em
todas as operações da arte e da natureza, nada é criado; existe
uma quantidade igual de matéria antes e depois do experimento; a qualidade e a quantidade dos elementos permanecem exatamente as
mesmas; e nada ocorre além de mudanças e modificações na
combinação desses elementos. Sobre esse princípio, toda a
arte de realizar experimentos químicos depende: devemos sempre supor uma
igualdade exata entre os elementos do corpo examinado e os dos produtos de sua
análise.
LAVOISIER – A obra do químico
francês Antoine Laurent Lavoisier
(1743–1794) representou uma revolução no campo da química do século 18,
influenciando tanto a sua área de atuação como a biologia, pioneiro por seus
estudos sobre a pólvora, o oxigênio, a composição química da água, todas
reunidas no seu Traité Élémentaire de Chimie, de 1758. Ao seu lado, ele contou com a presença
amorosa da cientista, ilustradora e companheira Marie-Anne
Pierrette Paulze (1758–1836),
também considerada a pioneira na química moderna. Ele foi guilhotinado por um
processo nebuloso e vingativo instaurado pelos membros da Revolução Francesa, e
teve seu corpo jogado na vala comum. A respeito da obra de ambos, encontramos
na bibliografia, as publicações Marie Anne
Paulze: muller de casa, salonniere, científica ou que? (Boletín das
Ciencias, 2011), de Manolo Bermejo e Xoana Barral; a Arte, ciência e gênero:
marieanne, lavoisier e a análise doretrato de um casal científico (Revista Debates em Ensino de Química –SEDUC-PE/UFRGS,2018), de Paloma
Nascimento dos Santos. Veja mais aqui e aqui.