A SOLIDÃO DE MARINA – Entre achados e perdidos ela chegou naquela
tarde outonal com sua cativante alma sérvia além de todos os limites e de nada:
a carga de ser Marina na sua caminhada solitária. De uma coisa eu sabia: havia
a velada profecia de que seríamos grandes amigos e eu estava diante da genial
performer dentro e fora da arte. Estava ali, diante de mim, a arte em pessoa. E
ela me falava de coisas remotas, sublinhando o seu recato e pretensa timidez:
quanto pior a infância, melhor expressão poiética. E me contou de suas venturas
e atribulações, sua vivência desde o The Lovers -The Great Wall: Lovers at the
Brink, dos abortos nas estradas e
das memórias do Walk
through walls. Dizia-me do quanto queria ter sido feliz no amor e não foi,
repetia exaustivamente que nunca fora amada. E se exaltava nas memórias de
relógios e calendários que se desfizeram e se confundiam, o Impoderabilia, os desencontros, o reencontro
no The Artist is Present, a noite
frienta com clima invernal, quantos questionamentos e a ênfase no funeral como
última performance. Ouvia atento a sua entusiasmada loquacidade encantadora, inquietude
que escondia infelizes percursos, ousada trajetória. Não precisávamos entender
nada, dialogávamos, apenas acontecia numa velocidade imperceptível, anos-luz em
instantes. E a tarde atravessava a noite que parecia não mais ter fim madrugada
adentro, nem conseguindo dar conta de que já havia amanhecido na tarde que se
repetia acordada, como se fôssemos espelho um do outro e víamos como éramos e
queríamos, quantos eus desconexos e aos pulos na casa desarrumada, atordoados,
audazes por não mais dormir só para conversar animadamente sem que fossemos espremidos
entre um começo e um fim. Não precisávamos de explicações, só desencantávamos
das muitas ressuscitações e nos apropriávamos um do outro, nenhum sentido,
inebriados pelo tempo da alegria, cumplicidade e paixão, entre aclives e
declives, tédios, arranhões, rachaduras, rasgos, feridas, e um só corpo quando
nós dois nos entregávamos. Sabíamos já termos morrido um tanto de vezes ao
longo desta vida: as perdas, a reinvenção e o refazimento, os estilhaços que
ricocheteavam e como havíamos encarado tantas vezes o vazio. O dia expirava de
não se saber, nenhum desfecho, um assunto no outro, contíguos, a teia
dispersava por redes quilométricas na mesa longa e a grande conversa,
experiências de céu e terra, frente a frente, olhos nos olhos. Não havia hora
que fosse, supremacia da interlocução: confissões, segredos, deslizes,
prósperas interações - sempre soube dos flertes alheios e era o que me revelava
impunemente, lá pelas tantas, bêbada ou hipnotizada, secretas preferências,
disso ou daquilo. E muito ainda por dizer noitardes e desnorteios, nenhuma
lógica nos aprisionava. Chegamos ao ponto de que a minha palavra era a sua voz;
e a sua, a minha. A minha vida era a sua; e a sua, era a minha. As interrupções
amorosas reconstruíam nossos escombros, reenchiam nossos vácuos: o amor sem
pudor - nem um tanto esotérico o vaivém no seu despudorado manancial. Sabíamos até
o não dito, o que ficou para depois, éramos nós e a se distanciar de tudo, o
que sempre foi muito assustador. E ríamos sem piada e contávamos dos vexames,
das perdas do bonde, das decepções e sacadas; e ela recontava das chantagens
dos que foram uma ou duas vezes na vida porque não precisávamos cruzar a
Muralha da China ou a espiritualidade do Brasil - porque não fui nem serei, porque
nunca estive nem saí da sua solidão de muitos e tantos amigos. Foi esta solidão
que preenchi, apenas, eu já não era nem nunca amou, até arrebentar e ela não
ter como se segurar, nem como aguentar, desistia sábia e tudo passava a ficar
tarde demais, o aniquilamento de nos espatifar na ausência. Hoje um tênue nome
perdido no esquecimento, não mais uma desbotada lembrança extraviada. E ela seguirá
como sempre seguiu: carregada pelo pântano de suas certezas e convicções; da
minha parte, sou disperso hóspede no reino das dúvidas que é o que me faz ser
vivo, só me guardando para as dores que estão por vir. O que passou, não mais,
apenas que era chegada a hora de partir, sem despedidas nem adeus, nem talvez,
nem amanhã. Caminhar, fechar o capítulo e seguir em frente. Assim é a vida. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] eu me
habituei a não gostar de ser chamada de mulher arquiteta: sou uma arquiteta,
não apenas uma mulher arquiteta. [...] Acredito que as coisas podem ser feitas de outra maneira, que a
arquitetura pode mudar a vida das pessoas e que vale a pena tentar. [...] Meu trabalho no
princípio estava comprometido com a vanguarda russa; com as pinturas de Moholy
Nagy, com as esculturas de El Lissitzky e Naum Gabo, mas particularmente com a
obra de Kazimir Malevich, ele me influenciou cedo, sendo para mim um
representante da interseção entre arte e design. Malevich descobriu a abstração
como um princípio experimental que pode impulsionar o trabalho criativo a
níveis nunca antes vistos. [...] Hoje fazemos parcerias com outras indústrias
criativas o que nos dá a oportunidade de expressar as nossas ideias em
diferentes escalas e em diferentes meios de comunicação. Isso faz parte de um
processo contínuo dentro do nosso projeto de pesquisa. Isso cria um processo
bidirecional onde aplicamos ao desenho nossa própria investigação e
experimentação arquitetônica como nós aprendemos o processo de colaborar com
outras pessoas de diferentes indústrias. Um projeto brilhante sempre se
beneficiará do que os outros têm para contribuir. Hoje em dia há uma grande
quantidade de fluidez entre arte, arquitetura e moda, muitos cruzamentos dentro
dessas disciplinas, porém não se trata de competição e sim da colaboração que
estas práticas e processos podem oferecer umas para as outras. [...]. Trechos extraídos de Zaha
Hadid - Interview: Alvin Boyarsky talks with Zaha Hadid (Guggenheim Museum
Foundation, 2006), da premiada arquiteta iraniana-britânica Zaha Hadid (1950-2016), autora de uma
obra conceitual que é identificada com a corrente desconstrutivista da
arquitetura.
A POESIA
DE ALDA MERINI
À TODAS AS MULHERES - Frágil, opulenta
mulher, matriz do paraíso / és um grãozinho de culpa / também aos olhos de Deus
/ malgrado todas as ruas santas guerras / pela emancipação. / Esmagaram tua
beleza / e ficou um esqueleto de amor / que ainda grita vingança / e és ainda
capaz / de chorar, / e depois se volta e vê ainda seus filhos, / e depois se
volta e não sabe ainda dizer / e cala-se, maravilhada / e então se torna grande
como a terra / e eleva teu canto de amor.
II - Amor, não amaldiçoe meu destino / me tens aberta todas as estações
/ faça com que o meu grande e tépido declínio / não adormeça nas pulsões / coloque
no passivo todas as paixões / durma suavemente na almofada / onde crescem
ambições decididas / de amor e de paixão universal, / tira-me tudo e não me
faça mal.
CORES - Se eu repouso, no lento devir / dos olhos, me detenho / ao excesso feliz
das cores: / aqui não temo mais fugas ou fantasias / mas a
"penetração" me anula. / Amo as cores, tempos de um desejo / inquieto,
irresolúvel, vital, / explicação humilde e soberana / dos cósmicos "por
quês" do meu fôlego. / A luz me impele, mas a cor / me atenua, pregando a
impotência / do corpo, belo mas ainda tão terreno. / E é pela cor a que me dou
/ que de repente me lembro do meu aspecto / e, assim, do meu limite.
ALDA MERINI – Poemas da italiana Alda Merini (1931-2009),
que por meio de sua poesia explorava a alteridade da loucura como parte da
expressão criativa, de forma intensa, apaixonada e mística, sendo, por isso,
admirada por Pier Paolo Pasolini, Salvatore Quasimodo e Giorgio Manganelli. É considerada
a sua obra-prima o poema L'altra verità.
Diario de una diversa (A outra verdade. Diário de um abandono). Veja mais
aqui e aqui.
A ARTE DE MARINA ABRAMOVIC
Controlar a respiração é controlar a mente. Com diferentes padrões de
respiração, você pode se apaixonar, odiar alguém, sentir todo o espectro de
sentimentos.
Um artista deve ter tempo para os longos períodos de solidão. A solidão
é extremamente importante. Se você experimentar, você tem que falhar. Por
definição, experimentar significa ir ao território onde você nunca esteve, onde
a falha é muito possível. Arte não é apenas uma outra pintura bonita que
combine com o chão da sua sala de jantar. A arte tem que ser perturbadora, a
arte tem que fazer uma pergunta, a arte tem que prever o futuro.
MARINA ABRAMOVIC – A arte da artista performativa sérvia Marina Abramović, que iniciou sua
carreira no início dos anos 1970 e realiza um trabalho que explora as relações
entre o artista e a plateia, os limites do corpo e as possibilidades da mente.
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui.
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A ARTE DE KARLA ORTIZ
A arte conceitual da ilustradora e artista visual Karla Ortiz. Veja mais aqui.