A PRINCESA JENNY – Ah, como amei Frau, a minha Jenny, a princesa
aquariana de Salzwedel para quem dediquei meus juvenis poemas de amor. Mulher inteligentíssima
e pensadora, estudiosa da obra shakespeariana com suas resenhas sobre o teatro
londrino, ela que transcrevia meus manuscritos entre seus escritos e os meus
olhos nos seus. Ela tantas vezes linda baronesa de Trèves, filha do amigo
paternal e subversivo liberal, enfrentou a aristocrata objeção e deixou para
trás sua puritana herança para ficar comigo nas minhas peregrinações no século
errado, na inglória luta pela libertação humana. Ela sabia que meu pai queria
me salvar da tragédia que era a perseguição judia, me batizando como cristão e
eu perseguido pela raça humana. Ele queria a lei; eu, a justiça. Para minha mãe
era eu uma desgraça, porque ao invés de ter feito capital, eu, inarredável
iconoclasta, me pus a desmoralizá-lo. A minha profissão não era lá proveitosa:
o serviço do próximo. Por isso, fui recusado em todas as portas que bati, não
havia lugar para mim na Prússia. Encarei o drama da vida, fui acusado de alta
traição, corria o risco de prisão e morte, por ser antiteocrático,
antidespótico. Fui compelido a deixar Paris, fui banido em toda a parte,
privações e exílios, refugiado pelos cantos e o capitalismo fabricando a farsa
devastadora da ilusão e ceifando as vítimas dos poderosos. Onde me exilasse, a
providência do destino. Havia me tornado um perturbador da paz autocrática. Fui
escorraçado de lugar em lugar, desendinheirado, mulher e filhos reduzidos a
pequenos cubículos, passando as piores necessidades. Conheci de perto a
pobreza, a fome e a doença. Não deveria dividir o peso da minha cruz com mais
ninguém além de mim mesmo, nem minhas desesperadas necessidades. Eu sabia:
alguém morria de fome enquanto alimentos sobravam pelo mundo. Ah, como eu amei
a mais bonita entre as princesas: comemos juntos os pães do amor e da aflição. Nossos
filhos nasciam e morriam à míngua, nem tínhamos como enterrá-los. Nosso companheirismo,
o amor recíproco no nosso vale de lágrimas de permanente migrantes, quantas
inimizades, tantas restrições legais, a itinerância imprevisível, a fuga pelo
mundo. Ainda ouço o seu sussurro do quanto foi feliz comigo, apesar de todos os
pesares. A tristeza reina e abrevia, ela se esvai e eu choro. Nunca me vi sem
você, um milagre da vida. Jamais deveria tê-la e me convenci que nasci para ser
sozinho, defendendo a causa do mundo ocidental. Ela se foi e eu persigo seus
passos, estarei com ela tão logo eu possa dizer o quanto a amo para todo o
sempre, morrerei em mim para viver nela. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS: O dinheiro não é apenas um dos objetos da
paixão de enriquecer, mas é o próprio objeto dela. Essa paixão é essencialmente
auri sacra fames
(a maldita ganância do
ouro), faz com que as pessoas vivam em torno de uma medíocre vida, ocasionada
por necessidades impostas, gerando uma rotina alienada. Pensamento
do economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista alemão Karl
Marx (1818-1773), que teve, por toda a sua vida, a companhia amorosa e
dedicada de Jenny von Westphalen
(1814-1881) e com quem teve sete filhos, todos vitimados pela desgraça e
maldição familiar. Em sua autobiografia, Contornos
de uma vida movimentada (1865), ela escreveu: [...] nós nos deitamos no chão, as três crianças vivas conosco, chorando pelo
anjinho, que frio e pálido descansou ao nosso lado. [...] Foi o tempo da nossa pobreza mais amarga
[...] os anos das maiores e, ao mesmo
tempo, das mais mesquinhas preocupações, tormentos, decepções e privações
[...]. Sobre ela, Marx escreveu: Você
sabe que há poucas pessoas mais avessas ao patético-demonstrativo do que eu;
contudo, seria uma mentira não confessar que grande parte do meu pensamento
está absorvida pela recordação de minha mulher, boa parte da melhor parte da
minha vida. Sobre o
casal, encontrei a obra Love and capital
(Back Bay, 2012), da editora e biógrafa Mary
Gabriel, tratando sobre o lado humano e familiar do homem cujas obras
redefinaram o mundo, aliando o contexto histórico-político da Europa do séc.
XIX, e revelando aspectos da vida pessoal e da influência de Jenny sobre a obra
de Marx. O jornalista britânico Francis When escreveu A life: Karl Marx (Fourth Estate, 1999), contando sobre a vida
pessoal e filosófica de Marx. Também o drama e ficção histórica O Jovem Karl Marx (Le jeune Karl Marx, 2017), dirigido pelo haitiano Raoul Peck e coescrito
com Pascal Bonitzer, contando sobre o exílio de Marx com sua esposa Jenny, para
Paris, onde ele conhece Engels e passa a vive entre a censura e a repressão, os
tumultos e o movimento operário na era moderna. Veja mais aqui, aqui, aqui,
aqui & aqui.
A MÚSICA
DE CRISTIAN BUDU
No Brasil, assim como em vários outros lugares, o pianista precisa viver
um pouco no aeroporto se ele quiser projetar a carreira, mas a vida do músico é
um pouco essa, construir contatos e estar em ambientes diferentes. No Brasil, o
espaço para a música clássica ainda é um pouco mais restrito, por vários
motivos, mas acho que o músico que quer fazer uma carreira e crescer tem que
estar o tempo todo viajando. É um desafio grande ao mesmo tempo se aprofundar
na música e conseguir ter uma certa reclusão para poder ter o contato íntimo
com as peças, que não é fácil de alcançar. Acho que ainda existe um preconceito
muito grande, sim, com a música clássica e a partir da música clássica,
infelizmente. É uma música que ainda tem uma imagem relacionada à elite muito
fortemente também porque muitas das pessoas, das sociedades que financiam
projetos, das orquestras acabam vindo daí. A gente pode mudar um pouco essa
imagem justamente mostrando que o assunto não tem a ver com essas estruturas.
CRISTIAN BUDU – A arte do premiado pianista Cristian Budu, que é
formado em música pela Universidade de São Paulo (USP), estudou no
Conservatório de Música da Nova Inglaterra, em Boston e tutorado por Wha Kyung
Byun. Veja mais aqui.
A ARTE DE DOROTHEA
TANNING
A arte sempre foi a balsa em que escalamos para salvar
nossa sanidade. Não vejo um propósito diferente para isso
agora.
A arte
da pintora, escultora e escritora estadunidense Dorothea Tanning
(1910-2012). Veja mais aqui, aqui & aqui.