segunda-feira, novembro 04, 2019

JENNY & MARX, DOROTHEA TANNING & CRISTIAN BUDU


A PRINCESA JENNY – Ah, como amei Frau, a minha Jenny, a princesa aquariana de Salzwedel para quem dediquei meus juvenis poemas de amor. Mulher inteligentíssima e pensadora, estudiosa da obra shakespeariana com suas resenhas sobre o teatro londrino, ela que transcrevia meus manuscritos entre seus escritos e os meus olhos nos seus. Ela tantas vezes linda baronesa de Trèves, filha do amigo paternal e subversivo liberal, enfrentou a aristocrata objeção e deixou para trás sua puritana herança para ficar comigo nas minhas peregrinações no século errado, na inglória luta pela libertação humana. Ela sabia que meu pai queria me salvar da tragédia que era a perseguição judia, me batizando como cristão e eu perseguido pela raça humana. Ele queria a lei; eu, a justiça. Para minha mãe era eu uma desgraça, porque ao invés de ter feito capital, eu, inarredável iconoclasta, me pus a desmoralizá-lo. A minha profissão não era lá proveitosa: o serviço do próximo. Por isso, fui recusado em todas as portas que bati, não havia lugar para mim na Prússia. Encarei o drama da vida, fui acusado de alta traição, corria o risco de prisão e morte, por ser antiteocrático, antidespótico. Fui compelido a deixar Paris, fui banido em toda a parte, privações e exílios, refugiado pelos cantos e o capitalismo fabricando a farsa devastadora da ilusão e ceifando as vítimas dos poderosos. Onde me exilasse, a providência do destino. Havia me tornado um perturbador da paz autocrática. Fui escorraçado de lugar em lugar, desendinheirado, mulher e filhos reduzidos a pequenos cubículos, passando as piores necessidades. Conheci de perto a pobreza, a fome e a doença. Não deveria dividir o peso da minha cruz com mais ninguém além de mim mesmo, nem minhas desesperadas necessidades. Eu sabia: alguém morria de fome enquanto alimentos sobravam pelo mundo. Ah, como eu amei a mais bonita entre as princesas: comemos juntos os pães do amor e da aflição. Nossos filhos nasciam e morriam à míngua, nem tínhamos como enterrá-los. Nosso companheirismo, o amor recíproco no nosso vale de lágrimas de permanente migrantes, quantas inimizades, tantas restrições legais, a itinerância imprevisível, a fuga pelo mundo. Ainda ouço o seu sussurro do quanto foi feliz comigo, apesar de todos os pesares. A tristeza reina e abrevia, ela se esvai e eu choro. Nunca me vi sem você, um milagre da vida. Jamais deveria tê-la e me convenci que nasci para ser sozinho, defendendo a causa do mundo ocidental. Ela se foi e eu persigo seus passos, estarei com ela tão logo eu possa dizer o quanto a amo para todo o sempre, morrerei em mim para viver nela. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: O dinheiro não é apenas um dos objetos da paixão de enriquecer, mas é o próprio objeto dela. Essa paixão é essencialmente auri sacra fames (a maldita ganância do ouro), faz com que as pessoas vivam em torno de uma medíocre vida, ocasionada por necessidades impostas, gerando uma rotina alienada. Pensamento do economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista alemão Karl Marx (1818-1773), que teve, por toda a sua vida, a companhia amorosa e dedicada de Jenny von Westphalen (1814-1881) e com quem teve sete filhos, todos vitimados pela desgraça e maldição familiar. Em sua autobiografia, Contornos de uma vida movimentada (1865), ela escreveu: [...] nós nos deitamos no chão, as três crianças vivas conosco, chorando pelo anjinho, que frio e pálido descansou ao nosso lado. [...] Foi o tempo da nossa pobreza mais amarga [...] os anos das maiores e, ao mesmo tempo, das mais mesquinhas preocupações, tormentos, decepções e privações [...]. Sobre ela, Marx escreveu: Você sabe que há poucas pessoas mais avessas ao patético-demonstrativo do que eu; contudo, seria uma mentira não confessar que grande parte do meu pensamento está absorvida pela recordação de minha mulher, boa parte da melhor parte da minha vidaSobre o casal, encontrei a obra Love and capital (Back Bay, 2012), da editora e biógrafa Mary Gabriel, tratando sobre o lado humano e familiar do homem cujas obras redefinaram o mundo, aliando o contexto histórico-político da Europa do séc. XIX, e revelando aspectos da vida pessoal e da influência de Jenny sobre a obra de Marx. O jornalista britânico Francis When escreveu A life: Karl Marx (Fourth Estate, 1999), contando sobre a vida pessoal e filosófica de Marx. Também o drama e ficção histórica O Jovem Karl Marx (Le jeune Karl Marx, 2017), dirigido pelo haitiano Raoul Peck e coescrito com Pascal Bonitzer, contando sobre o exílio de Marx com sua esposa Jenny, para Paris, onde ele conhece Engels e passa a vive entre a censura e a repressão, os tumultos e o movimento operário na era moderna. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A MÚSICA DE CRISTIAN BUDU
No Brasil, assim como em vários outros lugares, o pianista precisa viver um pouco no aeroporto se ele quiser projetar a carreira, mas a vida do músico é um pouco essa, construir contatos e estar em ambientes diferentes. No Brasil, o espaço para a música clássica ainda é um pouco mais restrito, por vários motivos, mas acho que o músico que quer fazer uma carreira e crescer tem que estar o tempo todo viajando. É um desafio grande ao mesmo tempo se aprofundar na música e conseguir ter uma certa reclusão para poder ter o contato íntimo com as peças, que não é fácil de alcançar. Acho que ainda existe um preconceito muito grande, sim, com a música clássica e a partir da música clássica, infelizmente. É uma música que ainda tem uma imagem relacionada à elite muito fortemente também porque muitas das pessoas, das sociedades que financiam projetos, das orquestras acabam vindo daí. A gente pode mudar um pouco essa imagem justamente mostrando que o assunto não tem a ver com essas estruturas.
CRISTIAN BUDU – A arte do premiado pianista Cristian Budu, que é formado em música pela Universidade de São Paulo (USP), estudou no Conservatório de Música da Nova Inglaterra, em Boston e tutorado por Wha Kyung Byun. Veja mais aqui.

A ARTE DE DOROTHEA TANNING
A arte sempre foi a balsa em que escalamos para salvar nossa sanidade. Não vejo um propósito diferente para isso agora.
A arte da pintora, escultora e escritora estadunidense Dorothea Tanning (1910-2012). Veja mais aqui, aqui & aqui.