ÚLTIMA CARTA PARA SALLY – Ah, Sally querida, desde aquela primeira em
que maldizia da noção de amor, eu sei, como bem disse seu pai que filósofos
tornam-se tolos ao amar, e eu a amei, graças
aos céus, ao seguir sua fuga para Ramsgate e declarar-me para a sua decisão.
Graças, mil graças à vida: tudo sou em você, minha Sally,
minha querida. Não fosse a sua mão companheira de todos os dias, não teria eu
vencido tantos degraus nos íngremes aclives das descobertas e desânimos. Não
fosse o seu riso compreensivo de todas as horas, não teria eu vencido batalhas
tão ferrenhas, constantes e indesejáveis. Não fosse o seu abraçabrigo materno
de todos os meus choros inconsoláveis, não teria eu vitalidade e afinco para
enfrentar tantos giros na roda da fortuna, nem triunfado sobre os mais repetidos
sortilégios infames e procelosos percalços. Não tivesse a firmeza dos seus
passos seguindo os meus e os meus os seus, não teria eu sido além de um
entregador de jornais ou encadernador dos livros do patrão, a inventar uma
gaiola protetora para o futuro e tantas outras coisas que brotavam da minha
imaginação para confirmação louca da experiência. Não tivesse o seu jeito
amável de me cuidar nas quedas e dores, não teria eu, filho de gente simples
que queria ser simplesmente eu mesmo e nada mais até o fim, com instrução
rudimentar, autodidata, a observar o pôr do Sol e dele apreender os mistérios
da Natureza. Não fosse o seu afago nos meus desesperos, não teria eu me
libertado da professora cruel e opressora do colégio e que sem ter para onde ir
fui buscar a sorte nas calçadas de ouro da cidade da magia e dos prodígios, só
com esperança e migalhas de pão – um pão apenas por semana, repartido entre os
dias para quase não me deixar morrer de fome. Não fosse a sua volúpia nos meus
desencantos, não teria eu evoluído da Filosofia Natural para aceitar o reflexo
da vida e o esplendor do ocaso e a ressurreição na crisálida da noite para
compreender a urdidura da Natureza. Não fosse as suas pernas apaziguadoras nas
minhas aflições noturnas, não teria eu nada além de canhenhos, enquanto o
mestre se ressentia porque para mim a vida dos mineiros era mais importante que
a sua gloria e quantas inimizades para ser tratado por lacaio no cúmulo da
mesquinhez, enquanto eu vivia solitário e fora das disputas frívolas, apenas
para o saber e você. Não fosse o seu ventre quente acasalador nas minhas
insônias ébrias de desenganos, não teria eu lido melhor os manuscritos de Deus,
não passando de um ajudante zelador para assessor, enquanto lutava
desesperadamente para vencer sem contar com a vitória, nenhuma vitória. Não
fosse o seu desapego material nos meus esbanjamentos extravagantes, o seu nuto carinhoso
nas minhas inconsequentes loucuras, a sua calma apaziguadora nas horas mais
periclitantes, a sua entrega mais que providente quando das minhas insanas
agonias deserdadas, eu não seria nem teria nada, absolutamente nada. Mais que
isso: e se não fosse você o travesseiro para minha mente eu não poderia morrer
em paz, minha querida, jamais. Por tudo isso, eu posso ir, já vou embora,
Sally, minha querida, até sempre, meu amor. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS: [...] o autobiógrafo
deve executar esse projeto de uma sinceridade impossível, servindo-se de todos
os instrumentos habituais da ficção. Ele deve crer que há uma diferença fundamental
entre a autobiografia e a ficção, ainda que, na verdade, para dizer a verdade sobre
si mesmo, ele empregue todos os procedimentos de seu tempo [...] o pacto autobiográfico
pode ser, no plano explícito, um pacto moral de 'sinceridade': mas isso muitas vezes
se traduz por um pacto implícito do autor com o leitor: o engajamento de não se
distanciar demais de um tipo de relato 'verossímil' [...] Interrogar-se sobre o sentido, os meios e o alcance
de seu gesto, eis o primeiro ato da autobiografia: frequentemente o texto começa,
não pelo ato de nascimento do autor (nasci no dia...) mas por um tipo de ato de
nascimento do discurso, o “pacto autobiográfico”. Nisso, a autobiografia não inventa:
as memórias começam ritualmente por um ato desse gênero: exposição da intenção,
das circunstâncias nas quais se escreve, refutação de objetivos ou de críticas.
[...] Logo, a autobiografia interroga a
si mesma; ela inventa a sua problemática e a propõe ao leitor. Esse
“comportamento” manifesto, essa interrogação sobre o que se faz, não cessam uma
vez o pacto autobiográfico terminado: ao longo da obra, a presença explícita (por
vezes mesmo indiscreta) do narrador permanece. É aqui que se distingue a narração
autobiográfica das outras formas de narração em primeira pessoa: uma relação
constante é estabelecida entre o passado e o presente, e a escritura é colocada
em cena. [...] é o próprio autobiógrafo
que criou e desenvolveu a problemática do gênero. [...] O pacto autobiográficos e alimentadas refutações
que ele provocou. Seu objetivo é paralisar a crítica, ultrapassando-a: compreende-se
que nesse jogo interessa mostrar-se tão ágil quanto ela [...]. Trechos da
obra O pacto autobiográfico: de Rousseau
à Internet (EdUFMG, 2008), do professor e ensaísta francês Philippe Lejeune que, conforme a
professora e pesquisadora Ana Amelia Barros Coelho Pace, em seu estudo Aspectos do pacto autobiográfico em
“L'autobiographie en France” (Darandina- FFLCH-USP, 2013), assinala que: [...]
A construção de um discurso de verdade individual
implica na observância de regras e convenções, mesmo que seja para colocá-las em
xeque–tensão que reverbera no discurso crítico. Mesmo assim, nessa sobreposição
de textos, leituras e releituras (seja mas de Lejeune, que faz de seus próprios
textos, seja da minha), devemos considerar que a busca em esclarecer e
redefinir o pacto é uma tarefa inacabável, sempre a recomeçar. E talvez aí
resida o funcionamento do pacto, em seu poder incessante de mover leituras e
escritas. [...].
A POESIA
DE ANA ELISA RIBEIRO
PRENHEZ - estava grávida / naquela
foto / o filho / não chegou / a nascer / a foto / nos mantém / à sua espera
ORAÇÃO DO OLVIDO - oxalá eu esqueça / os poemas que lavrei / em
arquivos e em livros; / os poemas que inscrevi / em concursos perdidos; / os
poemas que se arrependeram / em linhas inconclusas; / e todos esses que / apaguei
das telas de computador; / e os que anotei em blocos / e jamais foram
transcritos / em páginas aflitivas; / oxalá eu esqueça / os poemas que escrevi;
/ e que os que escreverei / não me venham; / e que os poemas / que quase foram
escritos / sejam leais a sua / admirável quasidade.
INSTANTÂNEO #5 - Só mesmo uma foto / para nos flagrar / no
auge / de um quase
O PRÍNCIPE E A MEGERA - Um príncipe / com casa, carro, filho &
pensão / relógio de pulso / perfume importado / quarentão / bem-arranjado / até
grisalho / fosse eu / e tudo isso / seria / defeito
TRÁGICA - meu galego / não conhecia minha ira / era dono do meu corpo / meu
espírito de porco / sabia minha ginga / minha pletora, minha míngua / conhecia
cada fresta / cada trinca, cada aresta / cada vinco, furo, fissura, / mau
humor, amargura / mas da minha ira / condenada ira / ira da maldita / ira de
mulher / fêmea exata / ana saliente / uterina, enfezada / ele não sabia nada / (meu
galego dorme esta noite num cemitério improvisado)
ANA ELISA RIBEIRO – A poesia da poeta e professora Ana Elisa Ribeiro, autora de livros de
crônica, conto e poesia, além de infanto-juvenis, entre eles Xadrez (Scroptum, 2015),
Anzol de pescar infernos (Patuá, 2013), Fresta por onde olhar (2008), Álbum
(Relicário, 2018) e Dicionário de imprecisões (Impressões de Minas, 2019). Veja
mais aqui.
A ARTE DE LAURA
LIMA
A arte
da premiada artista Laura Lima. Veja
mais aqui.
A OBRA DE ALDOUS HUXLEY
O silêncio está tão repleto de sabedoria e de espírito em potência como
o mármore não talhado é rico em escultura. Depois do silêncio, o que mais se
aproxima de expressar o inexprimível é a música.
&
A OBRA
DE MICHAEL FARADAY
Nada é tão maravilhoso que
não possa existir, se admitido pelas leis da Natureza. As cinco essenciais
habilidades empreendedoras para o sucesso são concentração, discernimento,
organização, inovação e comunicação.
MICHAEL FARADAY – A obra do físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867), que conviveu por longos anos com Sally
(Sarah Barnard, posteriormente, Faraday – 1800-1879), e é considerado um dos
cientistas mais influentes de todos os tempos, por suas contribuições com
relação aos fenômenos da eletricidade, eletroquímica e do magnetismo, além de
diversas outras nas áreas da física e da química. Veja aqui.