quarta-feira, novembro 13, 2019

LAVOISIER, ESTHER NUNES BIBAS, MARY WIGMAN & BEM-TE-VI


ÚLTIMA CARTA DE ANTOINE – Querida Marie-Anne, saudades. Cuide-se. Estou aqui distante e sentindo a sua falta como a de meus antepassados do pó das estrelas. Apesar de tudo, sinto-me liberto desde que escolhi não ter nenhum envolvimento com frívolos passatempos, protegido que me fizera contra as arestas do mundo: uma dedicação voluntária e juvenil ao árduo trabalho por realizar. A gente nunca sabe direito onde tudo vai dar. A vida passa e a nós o aprendizado da passagem. Fui agraciado e sou grato por tudo: minha tia me criava como um vaso raro e precioso de frágil porcelana, a memória e regozijo por ter tido aquela que se fez mãe quando eu não tinha a quem recorrer nas horas de precisão da infância. Fui bem cuidado por meu pai e tive todas as oportunidades para acertar e errar, triunfando no mais das vezes. Amigos, conselheiros, aprendizados e fortuna. Nas voltas da vida, sempre fiz o que realmente quis, até virei financista para poder realizar as experiências que clamavam dentro de mim no laboratório do Arsenal. A tudo investiguei e procurei usar da sinceridade: falei dos fatos e reiterei tudo no Tratado Elementar sobre a misteriosa Natureza. Ninguém é perfeito nem passa impune pela vida. Ao lado de uma vida exitosa, também desagradei a alguns, não sei direito quantos. No percurso das conquistas não só ganhei prêmio, como também passei a ser o rei dos charlatões, amigo de tiranos, discípulo de salafrário, mestre de ladrões. Nada demais, supurava apenas o tumor de um orgulho ferido, sabia. Insistiam e eu olvidava, estava ocupado demais para levar a sério reclamos que sempre julguei na conta do dispensável. Os algozes fizeram seu alarido e me incriminaram como extorsivo coletor de impostos. Por conta disso, invadiram minha casa, vasculharam minhas coisas, confiscaram e selaram meus documentos, devassaram minha vida. A história revolucionária achou por bem me incluir na Lei dos Suspeitos e não só aprisionou a mim como a seu pai, me estigmatizando por vampiro criminoso. Impuseram, ainda por cima, uma vingança pelo que desconhecia: fui acusado de fraude na venda de tabaco adulterado, de traição como conspirador aliado de estrangeiros e com inimigos do meu país. Aqui estou, minha querida, solitário na prisão dos condenados e não perdi a coragem diante da morte, nem o amor devotado que lhe tenho. Tudo se passa na minha solidão e guardo os mais belos momentos em que fui levado para você, ainda adolescente linda, como membro da odiada Ferme Général. Bendita musa! Com você, querida de Montbrison, minha companheira, tradutora e pioneira nas experiências, vivemos todos os momentos possíveis de amor e felicidade. Você ilustrou de todas as formas a minha vida, sempre presente, participante e competente nas balanças extremamente precisas, na combustão e oxidação, na teoria do flogisto, no sistema métrico, nos elementos químicos, no silício, nas massas e reações, na conservação da matéria, na respiração e oxigênio, nas descobertas e controvérsias. Aprendemos juntos que nada se criava na arte e na natureza, porque existem só mudanças. Vivi uma vida razoavelmente longa e feliz, desfrutei a benção do gênio e da glória. Devo tudo a você e, por gratidão, guardo dentro de mim tudo que vivi, porque você é a maior e única em tudo que tive de prazeroso. É por isso que nem sinto o padecimento sob o reinado do terror e sequer sofro a maldição da riqueza e da morte. Ora, tive em você tudo que me completava; em compensação, me poupam dos desconfortos da velhice, que mais podia eu desejar neste mundo. Nesta manhã de maio, na Place de la Révolucion, graças a Deus, termino os meus trabalhos com o sentimento de missão cumprida. Vou em paz. Se cuide, minha querida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Venho de longe, de rios e igarapés de águas claras, estradas bonitas, luares estrelados, duma cidade flor, cheirosa a jasmins e malva rosa. Venho da terra formosa de serenatas, violões, açaí, madrugadas lindas e crepúsculos incomparáveis! Sinto ainda, como num sonho feliz, a caricia do banho de água salgada, a alegria dos passeios, em barcos à vela, o encanto das margens verdes, pelas quais corre, assustado, o guará bonito de pernas vermelhas. Na saudade, volto à minha infância venturosa, ouço alegremente o sino da igreja, soando Ave Maria, quando eu, criança ainda, rezava à Virgem Maria do Céu! Venho de campinas floridas e gorjeios da passarada azul, da terra de meus pais, a minha cidade flor – Vigia! Fui e sou ainda como a árvore frondosa! Floresci, dei frutos e sombra. Meus ramos, viçosos, multiplicaram-se em flores e ainda hoje há um sol que os afaga, nos sorrisos de meus netos e netas. Cresci à sombra de carinhos e afetos, fortaleci-me na beleza dos campos, ao ar livre, pisando, descalça, ervas macias, cheias de orvalho e depois, sorrindo à vida, recebi a mocidade em róseas taças de luares, estudei, casei, multipliquei-me e hoje vejo, sinto que vivo noutras vidas, glorificada pelo meu grande amor de Mãe! Meus ramos ainda ascendem ao Azul e vão buscar na luz das estrelas, o perfume e o vigor, que oferecem à haste a fortaleza necessária para vencer as intempéries! Portanto, “ainda há sol em minha vida” no inverno de meus cabelos e foi a velhice que me deu inspiração para escrever os versos deste livro. Extraído da obra Rimas do Coração – Poesias (H. Barra, 1958), da escritora Esther Nunes Bibas (1888-1972).

BEM-TE-VI
Ah, meu passarinho verde, / ai, meu lindo bem-te-vi, / eu já sei que vai cantar, / por isso eu fico aqui.
Cala a boca, passarinho, / cala a boca, bem-te-vi, / não me faça recordar, / dum amor que já perdi.
Despertando o pitauaã / com impulsos de vigor, / disse logo bem-te-vi / deste lugar em que estou.
BEM-TE-VI - Reza a lenda que o passarinho Bem-te-vi, de vasta nomenclatura, que vai desde os índios como Pitauá, Pitauaã, Pituã, Pitaguá ou Puintaguá, ou pelos europeus grande-kiskadi, ou na fala popular como triste-vida, bem-te-vi coroa, tiuí, teuí, tic-tiui e siririca, o passeriforme da família dos tiranídeos de nome científico Pitangus sulphuratus, seria o pássaro que anuncia visitas e que Jesus não gostava dele porque gritava para que os soldados de Herodes soubessem do seu paradeiro, durante a fuga para o Egito. No passado, durante a gravidez, a ele perguntava: Quem tu viste, bem-te-vi? Homem ou mulher? Se cantasse logo, nasceria homem; se demorasse, mulher. Extraído do Dicionário do folclore brasileiro (Global, 2001), de Luís da Câmara Cascudo. Veja mais aqui.

A ARTE DE MARY WIGMAN
Quem foi o louco que afirmou que a dança depende da música.
A combinação orgânica dessas direções espaciais e suas qualidades naturalmente tridimensionais conduzem a uma perfeita harmonia.
MARY WIGMAN – A arte da bailarina, coreógrafa e professora de dança alemã Mary Wigman (1886-1973), uma das fundadoras da dançaterapia e da dança expressionista, considerada uma das mais importantes na história da dança moderna. Veja mais aqui.

A OBRA DE LAVOISIER
(Imagem do pintor Jacques-Louis David)
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Podemos defini-lo como um axioma incontestável de que, em todas as operações da arte e da natureza, nada é criado; existe uma quantidade igual de matéria antes e depois do experimento; a qualidade e a quantidade dos elementos permanecem exatamente as mesmas; e nada ocorre além de mudanças e modificações na combinação desses elementos. Sobre esse princípio, toda a arte de realizar experimentos químicos depende: devemos sempre supor uma igualdade exata entre os elementos do corpo examinado e os dos produtos de sua análise.
LAVOISIER – A obra do químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743–1794) representou uma revolução no campo da química do século 18, influenciando tanto a sua área de atuação como a biologia, pioneiro por seus estudos sobre a pólvora, o oxigênio, a composição química da água, todas reunidas no seu Traité Élémentaire de Chimie, de 1758. Ao seu lado, ele contou com a presença amorosa da cientista, ilustradora e companheira Marie-Anne Pierrette Paulze (1758–1836), também considerada a pioneira na química moderna. Ele foi guilhotinado por um processo nebuloso e vingativo instaurado pelos membros da Revolução Francesa, e teve seu corpo jogado na vala comum. A respeito da obra de ambos, encontramos na bibliografia, as publicações Marie Anne Paulze: muller de casa, salonniere, científica ou que? (Boletín das Ciencias, 2011), de Manolo Bermejo e Xoana Barral; a Arte, ciência e gênero: marieanne, lavoisier e a análise doretrato de um casal científico (Revista Debates em Ensino de Química SEDUC-PE/UFRGS,2018), de Paloma Nascimento dos Santos. Veja mais aqui e aqui.