DE BARATAS, TEIAS & FARPAS – Dá licença! Já não basta o modo
desdenhoso com que os governantes, autoridades e políticos tratam a gente neste
país, pra gente amanhecer no dia internacional da ressaca com o coração redondamente
enganado como nuvem por Juno! Ora, ora, quando se trata alguém como uma barata
asquerosa espragatada com um bocado de certeiras pisadas pra não restar a menor
dúvida de que o inseto malquisto ainda resista e, ainda por cima, providenciar
o bota-fora com uma vassourada pro lixo do oitão da vida, quem não tem um
mínimo de amor próprio, deixa passar em branco e na maior cara de pau com o mais
anêmico dos risos amarelos; mas quem ainda tem um restinho de nada de sangue
correndo na veia, ora, ora, além de se emputecer, manda tudo pro beleléu e haja
o que houver pra mãe do guarda acordar atônita no meio da noite. Oxe, não tem
retrato que se aguente pendurado na parede, cai no despencado de se estraçalhar
qual farelo no piso de anteontem. Por tiquinho que seja ninguém merece ser tratado
que nem a bosta do cavalo do bandido, nem ficar quarando pendurado numa cerca
de arame farpado, nem como um repugnante enganchando numa enfieira de urtiga. Barco
furado é barco afundado. Não adianta aparecer na fita feito um parvo com a sensação
de que arrumou tarde os mijados e que já devia ter botado a trocha nas costas! Que
não se tenha valência de um tostão furado, mas daí ser recepcionado como um
ouropel metido a quilates nenhum, é mudar de figura. Sou da paz! Mas, por via
de dúvidas, como dizia o Acácio do Eça: - Al
rivedere! E vamos aprumar a conversa aqui.
Imagem: Female nude study, do artista plástico
britânico Charles Knight (1901-1990)
Curtindo o álbum The Early Scriabin (Hyperion, 2001), do compositor e pianista russo
Alexander Scriabin
(1872-1915), na interpretação do pianista estadunidense Stephen Coombs.
MÚSICA
& MATEMÁTICA - O filósofo grego Arquitas
de Tarento (cerca 400-365aC), foi discípulo de Filolau e amigo de Platão,
filosoficamente afiliado ao pitagorismo. Por suas excelentes qualidades de
homem de Estado, foi eleito sete vezes consecutivas governador de Tarento.
Atribuem-se muitas obras perdidas sobre mecânica e geometria, sendo considerado
o iniciador da mecânica científica. Restam apenas fragmentos de sua Harmonia e
das Diatribes ou Conversa, referentes a problemas de matemática e música. Sobre
a injustiça, ele expõe que: [...] Deve-se,
ou aprendendo de outro, ou por investigação própria, tornar-se conhecedor do
que não se conhece. O que é aprendido, pois, vem de um outro e por auxilio
alheio; o que é investigado vem da própria pessoa e por auxilio próprio;
encontrar sem procurar é difícil e raro, mas, procurando, é acessível e fácil;
se não se tem conhecimento é impossível procurar. O raciocínio, quando
encontrado, faz cessar a discórdia e aumenta a concórdia; pois excesso de recursos
não há, quando ele surge, e igualdade existe; pois com ele nos reconciliamos
com nossas obrigações. Por sua causa então os pobres recebem dos poderosos, os
ricos dão aos necessitados, crendo ambos que terão através disso a igualdade.
Se há regra e empecilho dos injustos, detém os que sabem raciocinar antes de
cometerem injustiça, persuadindo-os de que não poderão ocultar-se, quando vêm
contra ele; aos que não sabem raciocinar, nisso mostra que cometem injustiça, e
os impede de cometê-la. Sobre a música, ele expressa: [...] A música tem três médias, uma é a
aritmética, a segunda é a geométrica e a terceira é a contraposta que chamam de
harmônica. A aritmética, quando três termos apresentam a mesma diferença
proporcionalmente. O primeiro excede o segundo tanto quanto o segundo excede o
terceiro. E nessa proporção acontece que é menor a razão dos termos maiores e
maior a dos menores. A geométrica, quando o primeiro está para o segundo tal
qual o segundo para o terceiro. Dessas proporções os maiores termos têm a mesma
razão que os menores; a contraposta, que chamamos harmônica, quando (os termos)
são assim: o primeiro excede o segundo por tanto de si mesmo quanto o termo
médio excede o terceiro. Acontece que, nesta proporção, é maior a razão dos
números maiores, e menor a dos menores. [...]. Veja aqui e aqui.
NUVEM POR JUNO - Primeiro foi um conto Nuvem por Juno, do dramaturgo, escritor
e jornalista Artur Azevedo (1855-1908). Depois o soneto do poeta parnasiano Raimundo
Correia (1859-1911), aludindo à lenda de Íxion: A
deusa amante e desejada é ela! / Todo o amor em meu seio arfa e redunda. / Abraço-a,
e verga ao braço, que a circunda; / Beijo-a, e, corando, inda se faz mais bela.
/ Abraço a Juno, ou, louco, abraço aquela / Nuvem de ouro ilusória e
vagabunda?! / Minha ventura, ó céus, é tão profunda, / Tão larga e tanta, que
eu duvido dela! / Que lindos olhos! Que venusto e lindo / Gesto!.. Beijo-a de
veras, ou suponho / Beijá-la, só, num sonho doce e infindo?... / Não! Durmo; e
o despertar vai ser medonho! / Durmo; e sonho, de certo, assim dormindo! / Quem
me assegura, que eu não sonho? Eu sonho! Também o polímata Gilberto Freyre (1900-1987) que foi
sociólogo, antropólogo, historiador, jornalista, escritor e pintor, menciona o
dito quando escreveu sobre a teoria da autonomia funcional, de Floyd H. Alpert:
Teoria de todo o interesse para aquela
Sociologia histórica sujeita a facilmente tornar a nuvem de Juno em assuntos de
motivos universais de ação ou comportamento humano. Juno ou Juno Lucina,
também conhecida como Hera na mitologia
grega, era a esposa de Júpiter e rainha dos deuses. É representada pelo pavão,
sua ave favorita. Íris era sua servente e mensageira. Juno e Júpiter tinham 2
filhos, Marte (Ares), deus da guerra e Vulcano (Hefesto), o artista celestial,
que era coxo. Juno sentia-se tão aborrecida ao vê-lo que atirou-o para fora do
céu. Outra versão diz que Júpiter o jogou para fora, por este ter participado
de uma briga do rei do Olimpo com Juno, deixando-o coxo com a queda. Juno
possuía muitas rivais, entre elas, a bela Calisto, que Juno, por inveja da
imensa beleza que conquistara seu marido, transformou numa ursa. Calisto passou
a viver sozinha com medo dos caçadores e das outras feras da floresta,
esquecendo-se de que agora ela própria era uma. Um dia, Calisto reconheceu num
caçador seu filho Arcas, já homem. Quis correr e abraçá-lo, mas Arcas já
erguera sua lança para matá-la quando Júpiter, vendo a desgraça que estava por
acontecer afastou-os e lançou-os ao céu transformando-os nas constelações de
Ursa Maior e Ursa Menor. Juno, enfurecida por Júpiter ter dado tal privilégio a
sua rival, sai à procura de Tétis e Oceanus, as antigas divindades do mar.
Conta-lhes toda a injúria que Júpiter fizera a ela, e pede para que eles não
deixem as constelações se esconderem em suas águas. Assim a Ursa Maior e a Ursa
Menor movem-se em círculo no céu mas nunca descem por trás do oceano, como as
outras estrelas. Outra de suas rivais foi Io, que Júpiter, ao sentir a presença
de Juno, transforma em uma novilha. Juno, desconfiada, pede a novilha de
presente. Júpiter não podia negar um presente tão insignificante a sua mulher,
então, pesaroso, entrega a novilha a Juno que a coloca sob os cuidados de Argos
Panoptes, um monstro de muitos olhos, e tendo tantos, nunca fechava mais que
dois para dormir, vigiando Io dia e noite. Júpiter, perturbado pelo sofrimento
da amante, pede a Mercúrio que mate Argos. Com músicas e histórias, Mercúrio
consegue fazer com que Argos feche seus cem olhos e nisso corta sua cabeça
fora. Juno entristecida recolhe seus olhos que haviam perdido toda a luz e
coloca-os na cauda de seu pavão, onde permanecem até hoje. Enfurecida, Juno persegue Io (ninfa que Júpiter se apaixonou) por muitas partes da terra até que Júpiter intercede por ela prometendo não dar mais atenção a Io. Juno concorda devolvendo-lhe a aparência humana. O deus
metamorfoseou-a em vaca para a proteger dos ciúmes de Hera (Juno na mitologia
romana), a mulher de Jupiter (Zeus). Outro forte inimigo de Juno foi Hércules, filho de Júpiter com a mortal Alcmena. A este declarou guerra desde
seu nascimento. Com uma tentativa frustrada de matá-lo quando era apenas um
bebê, Juno o submete a Euristeus, que o envolve em muitas aventuras perigosas
que ficaram conhecidas como "doze trabalhos". Foi a rainha do céu. Presidia
a casamentos e nascimentos. É representada como uma respeitável matrona,
conduzindo um cetro ou coroa. Um pavão chamado Argos está sempre ao seu lado.
Em Roma seu festival era chamado Matronália. Muitas vezes é representada como
uma figura maléfica, ciumenta e vingativa. Tomar a nuvem por Juno é cair num
logro, formar uma falsa opinião. A expressão é baseada na lenda de Íxion, rei
dos Lápitas, que é admitido no convívio de Júpiter e de sua esposa, a deusa
Juno, por quem fica perdidamente apaixonado, ultrapassando os limites da
conveniência. Juno denuncia ao marido a corte desrespeitosa de Íxion. E Júpiter,
para pô-lo à prova, produz uma áurea nuvem, com a forma de Juno, e a coloca
junto dele. O louco apaixonado corre a abraçá-la, mas o ciumento deus, com o
seu poder divino, o precipita no inferno, onde as Euménides o amarram com
serpentes a uma roda que nunca cessa de girar. Veja mais aqui.
LAMENTAÇÕES SENTIMENTAIS - – Na Antologia Poética (Edaf, 2004), do escritor espanhol Francisco Quevedo (1580-1645), destaco
os poemas traduzidos por Renato Suttana, o primeiro deles Lamentação amorosa e
derradeiros sentimentos do amante: Não me aflige
morrer, nem recusado / Tenho o fim do viver, ou pretendido / Alargar esta
morte, que nascido / Com ela e a vida foi o meu cuidado. / Sinto ter de deixar
desabitado / Corpo do amante espírito querido, / Deserto um coração sempre
incendido, / Onde, reinando, o amor foi hospedado. / Meu ardor dá sinais de
fogo eterno, / E de tão longa e sofredora história / Há de ser escritor meu
pranto terno. / Lisi, está a me dizer ora a memória, / Que se tal glória eu a
padeço inferno, / Que chame ao padecer tormentos glória. Também Persevera na exageração de seu afeto
amoroso e no excesso de seu padecer: Da alma nos
fundos claustros a ferida / Calou-se; mas consome árdua e febrenta / A vida,
que nas veias me alimenta / A chama das medulas estendida. / Bebe, hidrópica, o
ardor a minha vida, / Que ora cinza amorosa e macilenta, / Cadáver do formoso
incêndio, ostenta / Em fumo e noite sua luz perdida. / À gente fujo, e horror
suponho o dia; / Dilato em largas vozes negro pranto, / Que a surdo mar a minha
pena envia. / Entre os suspiros vãos da voz do canto, / Na confusão minha alma
se extravia, / Meu coração é reino só do espanto. O também
poema Apreciando o autor a
solidão e os seus estudos: Retirado na
paz destes desertos,/ com poucos, porém doutos livros juntos, / vivo em
conversação com os defuntos, / os mortos a escutar com olhos certos. / Se não
sempre entendidos, sempre abertos, / emendam ou secundam meus assuntos, / e em
musicais, calados contrapontos, / ao sonho de viver falam despertos. / Grandes
almas, que a morte nos suprime, / das injúrias dos anos vingadora, / o alto
saber liberta que se imprime. / Escapa em fuga irrevogável a hora, / mas aquela
o melhor cálculo estime / que na lição e estudos nos melhora. E por fim Soneto: De
minha pátria os muros eu mirava, / feitos outrora, e então desmoronados; / da
carreira do tempo já cansados, / da qual sua bravura caducava. / Saí ao campo,
e vi que o sol tragava / os arroios do gelo desatados; / e pelos montes a
queixar-se os gados, / pois com sombras ao dia a luz furtava. / Entrei em casa,
vi que, amarfanhada, / era os despojos de um antigo lar, / meu báculo mais
curvo e menos forte; / vencida pela idade a minha espada, / e não encontrou
coisa o meu olhar / que lembrança não fosse já da morte. Veja mais
aqui e aqui.
UM
UISQUE PARA O REI SAUL – A atriz e encenadora Renata Zhaneta começou
a fazer teatro aos 14 anos em sua cidade natal. Na década de 1990 funda
juntamente com outros artistas o Folias d'Arte, para encenar no teatro Ricardo
III (2006), A Grande Imprecação diante dos Muros da Cidade e Macbeth (2007 –
pelas quais ganhou o Prêmio APCA de Melhor Atriz) e Um uísque para o rei Saul, esta
última contando a trajetória emocional de uma mulher em seus momentos-limites,
quando se revê em situações fragmentárias, numa peça que concilia bem dados
psicológicos com referências sociais. Por fim, no teatro ela protagonizou o
espetáculo Dos escombros de Pagu. No cinema ela atuou em A Casa de Alice (2007)
e Sólo Dios Sabe (2006), além de atuar
em novelas como Revelação (2008), Vende-se um véu de noiva (2009), Corações
Feridos (2011) e Chiquititas (2014). Veja mais aqui.
FATAL ATTRACTION – O suspense Fatal Attraction (Atração fatal, 1987), dirigido pelo cineasta
britânico Adrian Lyne, com música de
Maurice Jarre e roteiro de James Dearden, conta a história de um advogado
conceituado que se envolve, casualmente, com uma mulher sedutora, enquanto sua
esposa está viajando. Mais tarde, ele achando que foi equívoco, considera o affair
encerrado, mas ela não aceita ser ignorada, "nem hoje, nem amanhã, nem
nunca... nem que isso signifique destruir a familia de Dan para ficar com
ele". O filme causou grande polêmica ao retratar um homem adúltero
perseguido por sua amante, que se revela uma psicopata assassina, com cenas que
se tornaram antológicas, como a que ele faz sexo com ela sobre uma pia de
cozinha e a do coelho morto enviado à esposa pela amante. O destaque do filme
vai para a premiadíssima atriz estadunidense Glenn Close. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
As esculturas do artista inglês Richard Stainthorp.
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à escritoramiga,
psicóloga, ilustradora, conferencista e consultora Clevane Pessoa de Araújo
Lopes. Veja aqui e aqui.