VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DAS
IDAS E VINDAS, A VIDA - Era
um mormaço de tarde na segunda metade dos anos 1980. Local: a rua da delegacia de
uma cidade pacata de interior. O povo em polvorosa, indignação geral. Foi que
um mês antes, Judilidinho resolvera dar as caras depois de alguns bons anos de
sumido na capital paulista. A mãe quase teve um troço, tinha-o na conta dos desencantados
nas curvas do destino. Nada, vivinho da silva, gírias nas jaquetas, ginga nos
blusões. Temperatura alta e ele vincado nos trinques do frio de sulista, pronúncia
de erres e esses das aventuras de bafos ousados pra delírio das mocinhas debutantes.
Encantadas, viam-no príncipe nas suas calcinhas úmidas de desejo embaixo das
saias, seios buliçosos no decote do vestido. Ele, ancho pervertido, retribuía-lhes
arrancando o cabaço dia a dia, uma a uma. Contava nos dedos, Francinilza,
Leucidalva, Dilmanilde, Marizalda, Nilmaria, Belazita e quantas mais viessem assanhadas
e oferecidas, papadas nos prêmios da conquista: – Hoje só três perdero os
vinténs -, era o troféu da empáfia no pódio da galera. É-he! Quando sentiu o
arrepio da Lurdivalnia, a sua própria mãe vem com carão de arrancar-lhe a pele.
– Não mexa com a da cumade Dezinha, ela é minha afilhada! -, e sapecou-lhe jura
de pisas em meio a beliscões. Ele enfureceu e revidou aos tabefes, dela
estender-se aos gritos no chão. – Sou sua mãe! A vizinhança acudiu, ele
escapulira. Coração de mãe abafa: - Foi ladrão! E tome caçada dele chegar depois,
cara lisa: – Que s’assucedeu? Ciente do ocorrido, tal qual Édipo jurou
vingança: - Vou capar o desgracento! Acreditaram, mãe de esguelha. Nisso deram
por falta da Francinilza, enquanto a Lurdivalnia se enrabichava inquieta mais
pra sua banda no brejo do quintal. Há dois dias Leucidalva não voltara pra
casa, enquanto ele picava a sua peçonha no brejo da moça com a saia na cabeça. -
Cadê a Dilmanilde? No meio do vuque-vuque, ele insaciável meteu-lhe martelada,
o sangue descia pelo pescoço e entre as pernas dela. – Pronde foi Marizalda? Quase
desfalecida, rasgou-lhe o esfíncter anal com seu mondrongo avantajado, do
sangue descer pelo rego da bunda branca e sedosa. Ela desmaia. Ele aproveitou-se
das folhas de zinco e cobriu-a deitada nua no brejo. A água fria, ela acordou-se
desorientada. Novos golpes, pênis na vagina, pedras no peito para não boiar. Trabalho
feito, arrumou-se e rumou pra rodoviária. – Quédi Nilmária? No guichê, passagem
pra São Paulo, embarque 23hs. – Belazita sumiu! Foi pra casa, pegou a bolsa e
começou arrumar seus pertences. – Pronde tu vai, desgraçado? – perguntou-lhe a
mãe de través. – Já vou-me, as férias findaram. – Tu tais sabendo que tão
querendo o paradeiro da minha afilhada? – Oxe, ela sumiu? – Tu num tem nada a
ver com o sumiço das meninas que viviam tudo assanhada atrás de tu, né? Ele virou-se
com um olhar implacável. Ela temeu, sentiu fedor de enxofre no ar. – Valha-me,
Deus! Nem deu tempo dela findar balbucio, viu-lhe os olhos vermelhos de fúria.
Saiu às pressas segurando as saias, chamando atenção. – Que foi? Aos prantos,
voz enrolada, só sabia apontar pra sua casa. Vizinhos acorreram, não deram por
nada. – Ele escapou de novo, vai pra rodoviária! -, conseguiu, enfim, avisar. Era
o fim da picada, coração materno destroçado. E a população em peso na captura
com toda justiça nas mãos. Foi preciso chegar a polícia para conter o linchamento.
Levaram-no protegido pra delegacia. Os apupos de opróbrio geral. Horas de
aperto e ameaça do povaréu de invadir o recinto, depôs tudo: o ódio da mãe
desde que nascera, o abuso do pai escafedido, a rejeição do padre em dar-lhe
primeira comunhão... o delegado impaciente já lhe dera uns tapas e logo o
paradeiro dos corpos seminus das estupradas na grota do canavial, na gruta do
rio, na beira do açude, nas valetas da estrada. Todas irreconhecíveis. Uma a
uma pesou-lhe a sentença. Foi preciso um batalhão de soldados para protegê-lo no
trajeto pro presídio. Nem esquentou canto, naquela mesma noite, madrugada no
meio, um apenado primo das ofendidas estrangulou-o na cela. O povo de alma
lavada; e os anjos no céu, amém. Veja mais aqui.
Imagem: Nude girl stretched out on her bed Art, do pintor sueco Anders Zorn (1860-1920).
Curtindo Flute Concert - Wolfgang Amadeus Mozart (BIS, 2005), com a
flautista israelita Sharon Bezaly
& Ostrobothnian Chamber Orchestra, Juha Kangas.
VOCAÇÃO:
A TAREFA PESSOAL – O livro Saúde e
plenitude: um caminho para o ser (Summus, 1995), do antropólogo e psicólogo
Roberto Crema, apresenta a contribuição da visão holística
aplicada aos campos da saúde, educação, consultoria e pesquisa psíquica, com
inspiração na antropologia, ética e prática dos terapeutas de Alexandria, cujos
princípios são reforçados pelas evidências das descobertas científicas de
ponta, oferecendo uma visão inovadora e criativa dos campos mencionados. O
livro aborda temas como integração do método, desafios e liderança do
facilitador holocentrado, memórias da prisão e espaço vivencial, metaprincípios
para uma abordagem transdisciplinar em terapia, vestígios de encontros, entre
outros temas. Da obra destaco os trechos da parte da Vocação a tarefa pessoal: [...] quando nos convocamos a
existir, numa coordenada tempo-espaço, nós nos fazemos um propósito. Há uma
promessa inerente ao nosso ser. Não estamos aqui apenas para um pic-nic ou
aposentadoria. Estamos aqui para realizar uma tarefa pessoal intransferível.
Estamos aqui para concretizar uma obra-prima; para trazer uma diferença ao
universo. É o que denomino de vocação: a voz interna de nosso desejo mais
fundamental e o imperioso impulso para realizarmos o que somos. [...] Há uma significativa dimensão educacional
holística em psicoterapia. No seu sentido original, educação provém do latim
educare, significando traze3r para fora a sabedoria inerente ao individuo:
atualizar o seu potencial inato. Aprender a fazer delicada escuta e leitura da
sintomatologia como denuncia de contradição e desvio, é uma importante etapa no
caminho do autoconhecimento e individuação. [...] Uma só pergunta nos será feita, pelo senhor da totalidade psíquica, o
Ser, na ocasião do ajuste de contas final, no findar de nossas existências:
Você foi você mesmo? O que você fez com os talentos que lhe foram confiados?
Bem ou mal, a esta pergunta haveremos de responder. [...] Veja mais aqui,
aqui e aqui.
A
ROSA
– No livro O lobisomem e outros contos
(Pasárgada, 1994), do advogado, jornalista e escritor Eudes Jarbas de Melo (1925-1999), encontrei o conto A Rosa, o qual
transcrevo a seguir: A moça descia a
alameda em direção a casa. Caminhava despreocupada, na tarde indecisa que se
avizinhava da noite. Os garis, que trabalharam o dia todo nas redondezas, já
estavam prontos, aguardando o transporte da firma. Nesse interim, um homem dela
se aproximou e falou do seu marido. “Olha, ele está bem e pede que não se
preocupe...” A moça não se assustou com a abordagem. O homem prosseguiu:
“...ele também me pediu que olhe desse essa rosa”. Embaraçada, sem raciocinar
sobre o que se passava, ela agradeceu e retornou o seu caminho. Só em casa,
recomeçou a lembra-se e disse a irmã: “Eu nunca vi aquele homem... e por que
meu marido mandaria um estranho entregar-me uma rosa? Ah, eu quero esclarecer
este fato. Vem comigo... é possível que o homem ainda se encontre nas
redondezas...” Colocou a rosa em um copo com água e saiu com a irmã. Só
encontrou os garis. Perguntou a um deles pelo homem com quem falara. “Eu vi a
senhora olhando uma flor e falando sozinha. Pensei que houvesse perdido algum
objeto...” A moça voltou para casa, cheia de pressentimentos. “Eu não estou
maluca. Falei àquele homem... e a flor? Onde fui arranjá-la?” Naquela noite a
insônia lhe fez companhia. Mas só quando o dia amanheceu, chegou a notícia. Seu
marido morrera de um desastre de carro. Muitos dias se passaram para que a moça
se refizesse do golpe. O tempo foi o analgésico de sua dor. Hoje, passados
alguns meses, ninguém mais comenta sobre o falecido, mas, pergunta, sim, pela
flor que permanece no copo, viva e freca, tal como no dia em que o homem a
entregou... Veja mais aqui.
SONETO
AOS SUJOS & OUTROS POEMAS – No livro Gavetário (Medusa, 2012), do poeta, músico e advogado João Monteiro - que edita o ótimo blog
Momento Monteiro -, destaco inicialmente destaco o Soneto aos sujos: merda miséria / miséria de merda, / merda
mui séria / de merda / dar-me de mudo / te merda que séria / em série de merdas
e surdos / que merda! / séria miséria / te surtam que sabem / e gostam de sujos
/ de merda que mudos / só medram em miséria, / miséria de muitos. Depois, o
poema Cânone: Dará vida forma em rica / e
já sim de como dará vida / forma rica dava fome onde / modo já de sim e dívida
/ dado como ode fome onde / cara forma caricato rica / mofa dado dado já em
vida / vinda cara dada já em onde / já em dado cara a cara fome / dado mas mas
não encara e come / come sim e já não vê saída / forma vinda vida cara e onde /
modo cada forma dado e come / já de sim de com jaz a vida. Também Cera
quente: Dou-lhe um candelabro / e você
com os lábios / vai-me atiçar os nervos. Mais o poema Solidão: despiu-se da carne arrebatada no peito / do
sangue de todas as angustias tardias / infindas no tempo-estridor dos dias /
calados em dor implodida, / tudo o mais claro intento, / satirizar a morte / e
martirizar a vida. Por fim, Acalanto cordial: Um dia a mamãe me disse, / e eu jamais esqueci: / - Joãozinho, o mundo
é triste, / mas não para ti! / Eu sou lindinho, sensível e especial / não há
nada que me possa magoar / o coraçãozinho: / Dorme, neném, / que a vida ensinará,
/ descubra logo as coisas / o amor devorará. / Ai, mamãe, você tem sempre
razão! Veja mais aqui.
QUEM
CASA QUER CASA – A peça teatral em 1 ato Quem casa, quer casa (1845), do dramaturgo e diplomata Martins Pena (1815-1848), introdutor da
comédia de costumes com obras recheadas de ironia e humor, graças as
desventuras da sociedade brasileira. Da obra destaco a cena inicial: Sala
com uma porta no fundo, duas à direita e duas à esquerda, uma mesa com o que é
necessário para escrever-se, cadeiras, etc. Paulina e Fabiana. Paulina junto à
porta da esquerda e Fabiana no meio da sala; mostram-se enfurecidas. PAULINA
(batendo o pé) - Hei de mandar!... FABIANA (no mesmo) - Não há de mandar!...
PAULINA (no mesmo) - Hei-de e hei-de mandar!... FABIANA - Não há-de e não há-
de mandar!... PAULINA - Eu lho mostrarei. (Sai.) FABIANA - Ai que estalo! Isto
assim não vai longe... Duas senhoras a mandarem em uma casa... é o inferno!
Duas senhoras? A senhora aqui sou eu; esta casa é de meu marido, e ela deve
obedecer-me, porque é minha nora. Quer também dar ordens; isso veremos...
PAULINA (aparecendo à porta) - Hei de mandar e hei de mandar, tenho dito!
(Sai.) FABIANA (arrepelando-se de raiva) - Hum! Ora, eis aí está para que se
casou meu filho, e trouxe a mulher para minha casa. É isto constantemente. Não
sabe o senhor meu filho que quem casa quer casa... Já não posso, não posso, não
posso! (Batendo com o pé:) Um dia arrebento, e então veremos! (Tocam dentro
rabeca.) Ai, que lá está o outro com a maldita rabeca... É o que se vê: casa-se
meu filho e traz a mulher para minha casa... É uma desavergonhada, que se não
pode aturar. Casa-se minha filha, e vem seu marido da mesma sorte morar
comigo... É um preguiçoso, um indolente, que para nada serve. Depois que ouviu
no teatro tocar rabeca, deu-lhe a mania para aí, e leva todo o santo dia -
vum,vum,vim,vim! Já tenho a alma esfalfada. (Gritando para a direita:) Ó homem,
não deixarás essa maldita sanfona? Nada! (Chamando:) Olaia! (Gritando:) Olaia! Veja mais aqui e aqui.
AMOR,
CARNAVAL E SONHOS – No Dia Nacional do Cinema Brasileiro, nada mais justo que
trazer aqui a homenagem oportuna ao drama Amor,
carnaval e sonhos (1972) dirigido pelo cineasta Paulo César Saraceni (1933-2012), conta a história que ocorre nas
vésperas do carnaval, quando uma jovem suplica um milagre a uma santa de
sua devoção: quer um rapaz com quem possa brincar durante a folia. E, quando
todas as esperanças parecem perdidas, o milagre acontece; um malandro surge
pela janela. A partir daí, o filme mostra
dramas íntimos que se extravasam nos quatro dias de folia, tendo como pano de
fundo o carnaval. O destaque do longa-metragem é nada mais nada menos que a
grandiosa atriz Leila Diniz
(1945-1972) que ao concluir as filmagens, faz a viagem que não tem volta e o
país fica órfão desta grande mulher. Veja mais aqui e aqui.
CONTANDO HISTÓRIAS - O Centro Acadêmico de Psicologia Martin-Baró (Capsi) realizará neste dia 11 de novembro, no horário das 17:30 às 19:30 hs, no adutirótio do curso de Direito do Centro Universitário Cesmac, o evento Conversas em Psicologia: contando histórias, que contará com a presença e apresentação de abordagem temática pelo psicólogo, psicoterapeuta e professor Afonso Henrique Lisboa Fonseca, e pela psicóloga e professora Daniela Botti da Rosa. Informações no Capsi Cesmac. Entrada: um livro infantil novo ou usado ou R$ 5,00. Certificação: 2 horas. Realização: Centro Acadêmico de Psicologia Martin-Baró, do Cesmac. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte & as mulheres de Angeli.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa SuperNova, a partir das
21hs (horário de verão), com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix
MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot
Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para
conferir online acesse aqui .
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