domingo, novembro 14, 2021

JHUMPA LAHIRI, BALTASAR GRACIÁN, JULIANA VALVERDE & JUAREIZ CORREYA.

 

 

TRÍPTICO DQP – A palavra calada... - Ao som dos álbuns Um cravo bem variado (Vol. 1,1996 – Vol. 2, 2006) e Um pouco de tudo (A Little bit of Everything, 2016) da pianista Regina Schlochauer. - Lá vou eu dia mais dia menos insulado em minhas próprias ideias e arroubos. Sigo como quem perdeu a vírgula e foi expatriado, quando não estranho em meu próprio país. Apesar de esgotado como se não tivesse mais nada a fazer, não preciso agradar, nem quero, diante de mim só desvios por descaminhos e bifurcações, nenhum pouso certo. Escapo e me seguro como posso para não ser levado de roldão, porque não quero me salvar dessa enlouquecida dissimilitude no meio de dogmas, superstições e notícias falsas - quantas insuficiências, privações. Na verdade, quanta gente ofendida, mal-humorada, umbigocentrista com seus acicates... Vira e mexe, o que rende? Não mais que loas irreveláveis. Vale dizer, o que quer que se faça, a crassa ignorância de acólitos vetores ressentidos, abraçados com seus próprios rancores e a repetirem aos borbotões o que nunca leram do vetusto Oráculo manual y arte de prudência (Sextante, 2006), do escritor espanhol Baltasar Gracián y Morales (1601-1658): Não se vive seguindo uma só opinião, um só costume ou um só século... Não há nada tão amável quanto a virtude, nem tão detestável quanto o vício. Só a virtude basta a si mesma. Faz-nos amar os vivos e lembrar os mortos... Um homem atento percebe que é ou será visto. Sabe que as paredes têm ouvidos e que o que é malfeito acaba sendo conhecido... Ah, não! Quantas máscaras pros seus disfarces de homo habilis, rudolfensis, erectus, heidelbergensis, neanderthalensis, ergasters, sapiens, fabers, communicans, o ludens do Huizinga, o videns do Sartori, – até o Homo Deus de Yuval Noah Harari:... estamos à beira de uma revolução importante. Os humanos correm o risco de perder seu valor econômico porque a inteligência está se desvinculando da consciência... - e o retrocedens (Vixe! Nossa! Será mesmo?). Nada por acaso. É como se um guarda-chuva encontrasse de novo uma máquina de costura sobre a mesa de autópsia para copularem desordenada e explicitamente. E, por causa disso, o tempo parasse de não mais. Sou salvo porque, de repente, ela chega e ao presenciar todo meu espanto, recitou-me um trecho d’O haver de Vinicius de Moraes: Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura / Essa intimidade perfeita com o silêncio / Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo / - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido... Ah, como é prazeroso tê-la ali, revê-la, ouvi-la. Em retribuição, saquei do violão e entoei a canção que fiz para A palavra calada de Vital Corrêa de Araújo: desfibra a palavra quando cala / quando o caule da árvore da fala / que é vento verbo e alicerce / anoitece / quando as seivas todas são sugadas / e o trêmulo das folhas proibido / quando os discursos são lacrados / dentro das praças sitiadas / e o som negado aos ouvidos / e o grito cortado na garganta / e o medo aberto no meio abrupto do dia / desfibra a palavra quando a árvore da fala / e os frutos dos gritos são demolidos / pelos silêncios vivos. Sim, anoitecia. Ao final, ela me premiou um sorriso, sabia: era a minha forma de escapar da loucura.

 


Não era apenas uma... – Imagem: arte da artista visual Juliana Valverde: Sigo meu caminho rumo a regeneração fazendo colagens, recortando colando ressignificando ideias relações inquietações através arte arquitetura educação. - Sim, ela me salvou da loucura extrema, muito embora eu saiba que não detenho nenhuma sanidade mental no meio desse genocídio que virou o meu país, no meio desse tempo escatológico de últimos instantes. Sim, foi nos braços dela de Vênus restaurada de Man Ray, como se fosse Juba na pele da atriz neozelandesa Kerry Fox, a me envolver nas cenas do Intimité (2001) de Patrice Chéreau, por todas as manhãs, tardes e noites: embaraçados e sem tem ter o que dizer se não sabíamos nada um do outro. Nela, nada se equiparava: a vida é música e sequer sei em que direção sopra o vento. Para quem audiófilo ou melômano tanto faz – afinal, como já dissera o ensaísta e critico literário inglês, Walter Pater (1839-1894): Toda arte aspira à condição de música. E ela era música e nela sequer sabia por quantos anos consecutivos. Era ela, nada mais.

 


A semana passou... – Tudo passou e passa. E era Admmauro Gommes no Congresso Nacional de Escritores que a Semed-Palmares promoveu no meio da exposição da Biblioteca Municipal das artes do Pintando na Praça, oportunidade em que revi amigamigos & outras personagens de décadas passadas. No Teatro Cinema Apolo, o Carlos Calheiros me levou para um bate-papo na Associação dos Artesãos Palmarenses e, todos os dias, sem desgrudar das comemorações da antologia dos 70 Setembros, do poetamigo Juareiz Correya e o seu Poema vago olhando a cidade: Minha cidade / ficará gravada / num poema lívido e vago. / Não será preciso citar becos e ruas / inevitáveis em sua anatomia. / Nem correr com a memória / as lembranças, e os minutos de agora. / Minha cidade / não será vista / num poema sentimental. / Conservarei oculto até o seu nome / neste poema / de amor silente / às suas coisas, a ela mesma. E esta cidade sou eu dedilhando a minha canção para o poema dele Ponte sobre águas turvas e a gente às gaitadas cultuando Ascenso e festejando Hermilo com os versos do Americanto amar América e eu me sentisse abraçado com José Terra e João Guarani ainda meninos na sala da minha casa, com a maior torcida por Mariama, cantando juntos como se eu fosse Paulo Diniz no Poema para Léa. E era a Livro7 e os sonhos do Recife, os amigos e as rodadas dos pileques exaltados por becos e ruas, os versos e os desenganos, a teimosia, o abraço fraterno e a urgência de vida... Saudades demais... E a salvação novamente é dela no meio do meu naufrágio, sussurrando nua Jhumpa Lahiri ao meu ouvido: Há momentos em que me assombro com cada quilômetro que viajei, cada refeição que fiz, cada pessoa que conheci, cada quarto em que dormi. Por comum que pareça, há momentos em que tudo fica além da minha imaginação... Esta é a verdade sobre os livros: eles permitem que você viaje sem mover seus pés. Tudo é vivo, transpira e geme... Até mais ver.

 

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