A GODIVA DE ALAGOINHANDUBA - Foi providencial o aparecimento de Lady Godiva para mudar os rumos na
avareza do Zé Coiso que sobrecarregava sem misericórdia o povo. Ele só queria
ouro e mais ouro, acabando com tudo. O bom disso tudo é que com a chegada dela,
dia menos dia, um a um dos viris achegados tiveram todos de sufragar na sua
urna para salvar a população da ira do tirano. Não fosse isso, estavam todos
ferrados. Os que não eram lá muito simpáticos à causa ou os quase invalidados
por já terem passado da idade, a veneravam engrossando o caldo da tietagem
promovida por toda comunidade feminina e classe de rapagãos e bruguelos,
principalmente por seus atos de caridade, acudindo aos pobres e oprimidos. Só ela
podia enfrentá-lo, já que o Zé Coiso não tinha modos nem limites, a ponto de
quebrar de pau o prefeito, meter dois balaços nas fuças do juiz, bater o pé pro
carreirão do promotor, envergar as costelas do delegado e de fazer dançar de
odalisca o comandante da Polícia Militar. O padre Quiba e o bispo que não eram
besta nem nada, estavam juntos com pastores e outros religiosos, tudo do lado
dele, abençoando suas estripulias. Por conta disso, autonomeou-se Nidisio
Fricelo (vixe?!?), o Imperdador Salvador de Sucarisa (hem?!?), ampliando todos
os seus domínios aos possíveis limites além de Alagoinhanduba: tudo meu além de
onde a vista alcança, tenho dito! E era mesmo. É nessa hora que ela entra mesmo
em cena para fazer a cabeça do endiabrado, colocando uns tantos de compromissos
ao seu leito, dele ficar doidinho de não querer fazer mais nada além de sair de
cima dela. Quando ela enjoava da babação dele, resolvia dar umas voltas pelos
quatro cantos do mundo, completamente nua, para tomar pé da situação. Como
todos comiam arroiado na mão do déspota, aproveitavam a ocasião para levar pra
ela suas reivindicações. Ah, o casal teve uma quebra-de-braço, Zé Coiso espumava
de raiva: Qual o lado que você está, hem? Sem o povo você não é nada. Ah, eu
quero ouro, o povo que se dane. Então coma ouro! Eu quero comida! Não tem que
você quer acabar com tudo e só quer riqueza! Ah, é? É. Esse povo não presta, só
serve mesmo pra gente pisar e encarcar malvadeza neles. Vá gozar no ouro,
entrei em greve. Como é que é? Isso mesmo. Estava Zé Coiso desafiado, não
conseguia raciocinar direito, só mandando e desmandando, afinal sua vontade era
a única lei do lugar, e não cochilava por vigiar as atividades escusas da
mulher. Não havia como descobrir, o povo ciente das providências dela, botava
ele para andar. Até o autocrata dar de cara com uma idosa que o saudou: Deus dê
longa vida ao Imperador! Ah, ele encheu-se de empáfia, admirado, de chegar junto
dela generosamente e perguntar: O que a senhora quer por tão elogiosa postura?
Nada, meu filho, sou velha, muito velha, conheci o seu pai e o seu avô; seu avô
era um pedra ruim malvado; seu pai era pior ainda; Vossa Majestade, desarreda,
muito piormente que os anteriores, de modo que rogo ao bom Deus que lhe dê vida
longa, porque temo por aquele que possa vir depois do senhor. Ele desconfiou, não
entendeu se era ofensa ou elogio, preferiu seguir seu intento de saber em
quantas andavam as tentativas da rainha! Enquanto cagava raio pelo território
afora, deu de chegar um Oficial de Justiça com mandado do Tribunal de Justiça
para moralizar a coisa. Deu de cara com a Lady que estava entediada – é que ela
conhecia todos os seus súditos pelo pênis; primeiro amolegava: esse já conheço,
esse deu pro gasto, esse nem tanto, esse vá lá que seja, ah, esse eu não
conheço. Media e conferia: passava a língua e se certificava: Esse ainda não,
venha! Pois bem, diante do oficial, ela quis saber o que procedia e soube que
precisava intimar o desalmado gestor. Quem? Esse mesmo. Ah, meu filho, o Zé
Coiso não vale mais que eu, não acha? O oficial irredutível. Ela então se chegou
junto dele, arriou o seu zíper, abriu a sua braguilha, caçou o pau do cara,
botou pra fora e olhou: Hum, fraquinho, hem? Ele assustado com aquilo. Aí ela desvestiu-se,
expôs-se com caras e bocas, desfilando nuazinha pra endoidecer o juízo do
cristão. Aí que o cara abilolou mesmo e já se punhetava: Pelamordeus, dona!
Nananinanão, primeiro você tem que trazer mandado de prisão presse corno velho
deixar de me atanazar, chispe! Oxe, o oficial arreou a lenha e sapecou certidão
alegando que deixou de intimiar o réu porque ele rasgou o mandado judicial, impossibilitando
ao juramentado que lavrasse o competente termo em local devido, forçando à
utilização instrumental de ferramenta alternativa para certificar o seu
desacato em atos obscenos e abusivos, esculhambando um a um dos desembargadores
e corregedores do Tribunal e todo corpo autoritário do Poder Judiciário do
país, ameaçando a cada um deles, atirando na lata do juiz, botando o promotor na
roda e fazendo de gato e sapato com todas as demais autoridades da Comarca de
Alagoinhanduba. Pronto e lavrado o presente termo, o Tribunal tomou ciência, virou
escândalo na República e nas cortes superiores, resultando numa intervenção
militar das forças armadas para dar fim àquele disparate. Atendendo ao pedido
da Lady, o oficial apresentou-se: Pronto! Ela devolveu todos os poderes e
liberdades à população alagoinhandubense, passando a ser venerada e mantida por
todos como a santa da salvação deles. Passou a ser cantada por poetas e
músicos, a distribuir bondades, ora sendo chamada de Dorcas, ora de Tabita, ou
Beatriz, ou Natalie, ou mãe de todos. E eu Dona Lady? Ah, você oficial, por ter
sido fiel a mim, assuma seu papel na defesa do povo que agora estou ocupada com
um que dá três do seu, tá? E o povo lá na rua: Salve a redentora Lady Godiva! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Eu nunca teria sido o sociólogo em que me
converti sem o meu passado e sem a socialização pré e extra-escolar que recebi
através das duras lições da vida. Para o bem e para o mal – sem invocar a
questão do ressentimento que a crítica conservadora lançou sobre mim – a minha
formação acadêmica sobrepôs-se a uma formação humana que ela não conseguiu
destorcer nem esterilizar. Portanto, ainda que isso pareça pouco ortodoxo e
intelectualista, afirmo que iniciei a minha aprendizagem sociológica aos seis
anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto e penetrei pelas
vias da experiência concreta, no conhecimento de que a convivência humana e a
sociedade em uma cidade na qual não prevalece a ordem das bicadas, mas a
relação de presa, pela qual o homem se alimentava do homem, do mesmo modo que o
tubarão come a sardinha ou o gavião devora os animais de pequeno porte. A
criança estava perdida nesse mundo hostil e tinha de voltar-se para dentro de
si mesma para procurar nas técnicas do corpo e nos ardis dos fracos, os meios
de autodefesa para a sobrevivência. Eu não estava sozinho, havia minha mãe.
Porém a soma de duas fraquezas não compõe uma força. Éramos varridos pela
tempestade da vida e o que nos salvou foi o nosso orgulho selvagem. [...].
Trecho extraído
de Ciências Sociais na ótica do
intelectual militante (Estudos Avançados, 1994), do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). Veja mais aqui, aqui,
aqui & aqui.
O CINEMA DE HUMBERTO MAURO
A minha empresa foi fundada para edificar o
verdadeiro cinema brasileiro. Ela foi lançada exclusivamente com o nosso
esforço e nossos capitais. Vamos mostrar que podemos criar uma arte nossa nova
e legítima, capaz de transformar o sorriso dos pessimistas num grito de
entusiasmo.
A arte
do cineasta Humberto Mauro
(1897-1983) tem seu destaque em obras cinematográficas como Sangue mineiro
(193), que conta a história de uma jovem apaixonada que flagra a traição do seu
nomorado, salva do afogamento por dois primos que a desejam e digladiam por
seu amor. O filme Lábio sem beijos (1930), conta a história da jovem Lelita que
espera que o verdadeiro amor prevaleça. Além desses dois, também merece
destaque Cidade mulher (1936) e Brasa dormida (1928) é considerado como um dos
melhores filmes nacionais de todos os tempos. Veja mais aqui e aqui.
A ESCULTURA DE ROBERTO MANZANO
A arte do premiado escultor espanhol Roberto Manzano Hernández. Veja mais aqui.
LADY GODIVA
di Ego Godiva Comitissa diu istud desideravi
A aristocrata anglo-saxã Godiva
(990-1067) tornou-se célebre pelo acordo com o seu marido Leofrico, o Duque de
Mércia, desafiando-o para proteger o povo de Coventry, na Inglaterra,
cavalgando nua pelas ruas. Tornou-se por isso personagem das Crônicas de Ely,
que a descrevem como uma viúva mãe de Elgar de Mércia, e no Livro de Domesday,
como a única possuidora de terras. Por conta de sua corajosa iniciativa, ela
passou a ser cantada pelo poeta Tennyson, homegeada pelos pintores Lefebvre e
Balir Laighton, virar filme e musa em canção das bandas Queen, Grant Lee
Buffalo, Simply Red, Mother Love Bone, Havent Shall Burn & Velvet
Underground, entre outras, bem como reverenciada na música Kátia Flávia, a
Godiva do Irajá, do compositor e poeta Fausto Fawcett.
&
A OBRA DE FRITZ PERLS
Eu sou
eu. Você é você. Eu sou responsável pela minha vida e você pela sua. Eu não
estou neste mundo para atender às suas expectativas, nem você para cumprir as
minhas. Se os nossos caminhos se cruzarem, será maravilhoso, mas, caso
contrário, teremos que continuar avançando separadamente. Porque eu não me
amarei, se para lhe satisfazer precisar me trair, nem eu o amo se desejar que
você seja como eu quero, em vez de aceitá-lo como você é. Você é você e eu sou
eu
Oração
da Gestalt, a obra do psiquiatra e psicoterapeuta Fritz Persl (1893-1970) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.